quarta-feira, 18 de maio de 2016

A bala que se encontra

Dúvidas nunca atormentam quem quatorze anos completa. Somente certezas. Certezas emolduradas pela miséria pungente transbordada pelos becos estreitos da favela onde habitava. Decidira assim abraçar o banditismo.  Não esperou a maioridade. Naquele ramo iniciava-se cedo. Infante. Esse seria seu apelido. Henrique na pia batismal, Infante Henrique alusivo ao monarca de terras além-mar. Em pouco tempo reinava na boca de fumo. Começara soldado do tráfico e logo chegara a general. Abraçara um fuzil e com ele as maldades que o faziam forte diante dos súditos. Sua palavra era lei e quem a desobedecesse, morador ou membro da quadrilha, provava de sua fúria. Incontáveis matou por vontade própria, outros, as balas perdidas disparadas por seu AK-47 tomaram o rumo indevido e ceifaram vidas no morro e no asfalto não tão distante. Eu aperto o gatilho, Deus guias as balas, costumava zombar.
Raramente saia do seu feudo-favela e sonhava virar inimigo público número um, estrelando cartaz destacado no disque-denúncia tão logo completasse dezoito quando o improvável aconteceu. Infante conheceu o amor. Menina de família, mãe crente. Largou tudo por Cristiana antes da maioridade. Entregador de farmácia tornou-se. Certo dia, voltando do trabalho o Infante criou asas e transformou-se em anjo por obra de uma bala perdida que encontrou seu corpo. Morreu na via pública. Não fora castigo de Deus tampouco fatalidade. Apenas mais um dia da barbárie urbana que assola o País.


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