terça-feira, 7 de julho de 2015

Arrasta sua sandália de odalisca triste pelo asfalto

Sua pele de animal selvagem
Coberta de fuligem, sujeira e sal
Suas escamas sobre as costelas salientes
Denunciando a fome que te ultrapassa

Ancorado em minha mesa, observo
A nervura de teus passos, buscando mais uma dose
O traficante que não chega
Te oprime como o tombo de uma guilhotina

Sob o astro frio da tarde que finda
Sua agonia, tão imensa, quase nubla o sol poente
Se eu quisesse poderia tocar sua angústia
E fazer dela pequenos cubos de gelo d’alguma bebida

Arrasta sua sandália de odalisca triste pelo asfalto
Suas unhas mal feitas, como garras de um bicho enjaulado
Eu sei como dói, são os ossos rangendo dentro da carne
São os olhos que não se interessam por mais nada

Dentro de sua calcinha, pulsa, teu sexo aberto em ferida
Corrimento fétido e viscoso, pelas pernas escorre e corrói a pele
Já foi bela, foi como flor, dama singela e longilínea
Agora apodrece viva, chamada antes Simone

Agora a chamam pretinha da Vila Silva
Louca dos cabelos arrancados, magrela desgraçada
Favelada sem pai nem mãe, ladra de beira de esquina
Mas eu ainda te chamarei Simone, pela vida que te negaram

E pela dor que não posso te arrancar
Pela incapacidade de te salvar
Pela miséria que carrego comigo
_ Tome um cigarro, Simone, se cuide.

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