segunda-feira, 18 de maio de 2015

Jubileu

Ano de 2007. Sentou-se diante do computador em postura altiva, superior e preparou-se para digitar as primeiras linhas do seu romance. Caso acreditasse em Deus, estaria convencido que o toque do Criador o contemplara com um talento fabuloso. Era despeitado com críticas – no seu entender invejosas – aos seus trabalhos anteriores exibidos na grande rede. O tolo desconhecia que Deus nos brindava com um Rimbaud a cada cem milhões de nascimentos e, dada a seletividade divina, o resto da humanidade não abraçara a genialidade aos 20 anos de idade.
Nem um pretenso Deus muito menos os invejosos o atrapalhariam em seus planos de brilhar o universo das letras, pensava entre muxoxos banhados de desprezo. Manchou em tipos negros o virtual papel alvo que preenchia a tela com a expressão “A História de um Grande Presidente”. Sacudiu negativamente a cabeça. Um título demasiado simples para um livro candidato a  eternizar-se nos meios literários tupiniquins. Acionou a tecla “Del” e mandou “A História” paras os quintos dos infernos digitais, substituindo-a pela expressão “Revelações”.  Não gostou da sonoridade da palavra, considerando o título pobre sem atentar para o fato de faltar vocabulário no cemitério de idéias que era sua mente.
Buscou no dicionário eletrônico alojado no HD palavras bonitas para compor o título. Gastou cerca de uma hora pesquisando, juntando verbetes, amontoando expressões sem sentido para chegar ao rótulo definitivo de sua obra-prima. “Radiofotografia de Um Presidente” – escreveu desconhecendo todavia o significado da palavra a encabeçar o título. “Ficou bonito...” – sorriu triunfante.
Agora faltava o miolo, a alma do livro. Como ignorava que uma biografia, mesmo romanceada, tem a obrigação de se fiar na verdade dos fatos, inventou uma história inverossímil a respeito do biografado. Ávido, escreveu cerca de dez linhas para em breve estancar no deserto de criatividade a habitar sua caixa pensante.
Não se dando por vencido, enquanto tentava avançar em sua obra, alardeava em espaços virtuais suas façanhas sem comprovação como escritor laureado. Inventava prêmios recebidos, amigos escritores, gente famosa em seu rol de amizades. Tudo ruía ante a menor investigação, mas ele tanto mentia que passou a crer sinceramente em suas falsidades.
Estamos em 2057. Dezessete laudas da “Radiofotografia de Um Presidente”  foram compostas. Erros crassos de concordância e regência povoam a pretensa narrativa, equívocos ortográficos pululam o texto feito abelhas em torno de uma colmeia agredida.  Nada ali é aproveitável. Porém, o escritor, rosto carcomido pelas rugas, coluna antes ereta envergada para frente, castanha cabeleira pretérita agora embranquecida pela crueldade dos anos, ainda se engana. No jubileu de ouro de sua arrogância,  mirou a vista no título e exclamou “Sou um Gênio!” para em seguida dar prosseguimento a sua  triste e misantropa sina.


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