quarta-feira, 4 de março de 2015

Pra não dizer que não falei dos fakes



            Depois de uns dias afastado do BdE (por conta da greve dos caminhoneiros, acabei ficando quase uma semana preso na estrada. Explico: para conseguir ir de graça de Cabrobó do Mato para Cachimbó do Aterro, onde desfrutaria das delícias locais, peguei uma “carona não autorizada” na caçamba de um caminhão. Como estavam barrando todos, acabamos retidos entre o nada e o lugar nenhum, em algum quilômetro perdido da BR 153. Ainda bem que era um caminhão de secos e molhados e que achei um carregamento de whisky falsificado que me ajudou a passar o tempo. A paciência devia mesmo ser engarrafada), eis que retornava tranquilo para o Bar do Escritor, quando topei com uma turba reunida na porta do local. Faixas, carros de som e tudo o mais que se pode pensar em um protesto desses.
            Havia uma equipe de tevê com uma repórter gostosa, digo famosa, anotando tudo em um bloquinho. Aproveitei para inteirar-me do que ocorria.
            Eu, fingindo de bobo ─ Que tá rolando?
            Ela, meio distante ─ É uma manifestação da CUF.
            Eu, fingindo interesse no assunto ─ E o que as centrais sindicais têm a ver com o botequim?
            Ela, ainda olhando para o lado ─ Em tese, tudo. Bares são lugares perfeitos para discussões políticas, sindicais, trabalhadoras e afins. Mas esses caras aí não são de nenhum sindicato fodão não. São da Central Única dos Fakes.
            Eu, querendo ser blasé ─ Ah, tá...
            Ela, tentando disfarçar a miopia sem óculos ─ Peraí, tô te reconhecendo ─ Fiquei feliz pacas, afinal, ser reconhecido pela famosa, digo, gostosa da tevê não é para qualquer um. Vai que rola alguma coisa... ─ Você é o Pablo Treuffar, o cara que reorganizou o Bar!
            Eu, avexado, querendo mandar a real ─ Olha, na verdade, sou o...
            Ela, excitada ─ Faço qualquer coisa por uma exclusiva contigo!
            O sinal ficou verde na hora. Putz, Vanessa Fadinha, a jornalista mais peituda (no sentido corajoso da palavra) e gata da telinha sujeitando-se a “qualquer coisa” comigo mesmo pensando que eu era outra pessoa? Não sabia que ela era uma Treuffete, mas se deixasse passar essa, nem o Pablito iria me perdoar.  
            Eu, na pilha ─ Aê, gata, prá tu, é “exxxclusiva e demorada”, valeu?  (mandei ver no carioquês que andei aprendendo nestes cinco anos de Flip; afinal, a zorra de meio de ano havia servido para alguma coisa).
            Ela, glamorosa ─ Maravilha, então, por onde começamos, Treuffar?
            Ao ouvirem o nome do bastado-mor de Ipanema, uma avalanche de fakes partiu para cima da gente, afastando-me da delícia em forma de notícia.
Fake 1 ─ Todo poder aos fakes!
Fake 2 ─ Os fakes, unidos, serão sempre os mais escritos!
Fakes reunidos ─ Fake é bom, fake é lindo, fake escrevendo é fake divertindo!
Tentei organizar a parada, mas lembrei que organização não é um dos fortes do lugar.
Eu, foda ─ Aê, cambada! Vamo baixando a bolinha! Deixa ver o que tá rolando nessa bagaça primeiro!
Reuniu-se então um grupo para representar os fakes (que na verdade foram criados para representarem os outros, mas vá lá...).
Fake 1 ─ Mas peraí, tu não é o...
Eu, fodão ─ A parada não é sobre fakes? Então, no momento “estou” Treuffar. ─ E apontei a gostosa.   
Fakes reunidos, sacando a dica ─ Ah, tá...
Eu, mais fodão ainda ─ Então, o que tá pegando?
Fakes reunidos ─ Bom, é que desde que o Bar do Escritor voltou, nós, os fakes, também voltamos.
Eu, fodíssimo, voz de Clint Eastwood  ─ Sei e daí?
Fakeaiada ─ Daí que estamos com medo de que aconteça aqui o que aconteceu no BdE pré-histérico, de deletarem todos da noite para o dia.  
Vanessa Fadinha ─ Pré-histórico.  
Eu, didático ─ Não, é histérico mesmo; naquela época rolou tanto barraco que fomos obrigados a deletar todos os fakes.
Ela, daquele jeito ─ Ah, tá...
Eu, pica das galáxias ─ A parada é a seguinte: o Bar é um espaço aberto a todos que queiram manda ver nas letras, tanto faz se de cara limpa ou mandando por fake; a bem da verdade, atrás de todo fake tem que ter alguém, daí que são corresponsáveis um pelo outro, sacaram? Desde que estejamos produzindo, comentando e mandando ver nas escritas, estaremos fazendo justamente aquilo a que o Bar do Escritor, desde os primórdios tempos do Orkut (quando nasceu da iniciativa e ressaca do Giovani Iemini) se dedica com afinco: Uma mesa de bar onde escritores famosos, anônimos, publicados, impublicados e impublicáveis trocam impressões sobre Literatura e afins. Pode falar mal? PODE! Pode usar palavrão? Puta que Pariu, Claro que pode! Pode xingar? Tirando a mãe, pode! Um boteco das letras!
A turba explodiu em palmas, aquilo fez com que ficasse mais atacado:
Eu, tirando onda de político ─ A arte da fakearia é muito antiga, vinda de muito antes do mundo virtual; entrelaça-se com a ordem dos pseudônimos, estes seres espetaculares que tanto já ajudaram escritores nas mais diversas eras da escrita. Tomás Antônio Gonzaga, para citar um exemplo, pode-se transvestir-se de “Critilo” para poder elaborar suas Cartas Chilenas; Samuel Langhorne Clemens pode levar uma vida sossegada, enquanto “Mark Twain” aprontava; “George Orwell” criticou meio mundo, representando o pacato Eric Arthur Blair; Porra, Fernando Pessoa foi ainda além e chegou a criar não só um, mas três heterônimos famosos: “Ricardo Reis”, “Álvaro de Campos” e “Alberto Caieiro”. Enfim, meus amigos, o problema não é se passar por outro personagem, mas o que este personagem faz, o que ele tem a dizer, para quê tê-lo. Tenho visto muita coisa boa ser feita por esta nova e interessante safra de fakes que habitam o reformulado botequim; textos primorosos, outros bem trabalhados e outros que fariam com que os músculos de minhoca ficassem com uma inveja lascada. Mas o importante é produzir, criar, tratar novos modelos de escrita, de interação literária e crescimento estilístico!
A massa pipocava igual carnaval na Bahia. Tivesse eleições agora dava até para descolar uma boquinha de vereador, quem sabe até deputado... Nisso lembrei que a gata ainda estava ali, de bobeira.  Ia mandar a letra quando um baixinho com maneiras esquisitas intrometeu-se, atrapalhando mais uma investida:
Baixinho com maneiras esquisitas  ─ Aê, cês vão ter que desocupar o logradouro.
O engraçado é que podia jurar que ele estava sendo dublado.
Eu, invocado ─ E quem é você, cara-pálida?
Baixinho com maneiras ainda mais esquisitas ─ Alvarenga Peixoto, agente de fiscalização de fakes, pseudônimos, heterônimos, praças, ruas e logradouros.
Vanessa Fadinha, curiosa ─ O que tem a ver os fakes e afins com praças e ruas?
Alvarenga Peixoto, voz de Hardy HarHar, suspirando ─ Ó, vida, ó azar: corte de verbas, misturaram os departamentos e deu nisso, de virar babá de fake maluco.
Eu, empombando ─ Ô, meia-sola, não vai rolar de liberar a via não, parceiro: gastei o maior latim para fazer essa galera acalmar. Deixa eles tomarem uns goles primeiro, caramba.
Alvarenga Peixoto, suspiro ─ Então serei obrigado a usar a força.
Eu, defenestrador de impérios ─ Você e qual exército, gnomo?
Alvarenga Peixoto ─ Dois batalhões do Choque respondem sua pergunta?
Eu, conjugando o verbo amarelar ─ Queisso, cara. A gente é da paz, mano.
Alvarenga Peixoto, puxando o bloco ─ Já esperava por isso. Então, agora é a hora em que terei que deixar algumas pequenas autuações com vocês...
Eu, reencontrando um dos colhões ─ Peraí, devagar com a passarela; tu tá falando de multar o Bar do Escritor?
Alvarenga, didático ─ Na verdade, um responsável serve.
Eu, pensativo ─ Responsável? Difícil cê achar isso por aqui, chapa.
Alvarenga, solícito ─ Comecemos pela chefia: cadê o senhor Iemini?
Eu, tranquilizando ─ Cara, o Giovani ganhou um disco do Leonard Cohen, ouviu tanto que decidiu passar um tempo no Nepal, tirando onda de monge, sacou?
Alvarenga, calmo ─ Wilson R?
Eu, mais calmo  ─ Tá em missão na Bósnia Herzegovina; coisa de academia...
Alvarenga, apontando ─ Então terá que ser o senhor mesmo, Seu Treuffar.
Eu, tentando escapar do olhar da gata, no salgado momento da verdade ─ ...
Alvarenga, inquiridor ─ Não entendi, senhor.
Eu, eloquente ─ Não sou o Treuffar.
Alvarenga Peixoto, anasalando ─ De qualquer forma, terei que autuá-lo senhor. Há uma série de irregularidades aqui: excesso de fakes atrapalhando a via pública; auto prosa lotada de referências ao BdE e o pior, uma série de auto ironias não autorizadas.
Eu, no mato sem cachorro ─ Queisso, chefia! Somos o grupo mais auto irônico do pedaço. Temos até autorização para isso.  
Alvarenga Peixoto, impassível ─ Negativo, essa primazia é dos judeus. Igual àquela piada:
─ E aí, Jacó. Como vai?
– Vou muito mal! 
– Mas o que foi que aconteceu? 
– Minha mãe morreu. 
– Não me diga! Meus sentimentos. E o que é que a sua mãe tinha? 
– Infelizmente, pouca coisa. Uma casa, duas lojinhas no centro da cidade e um terreninho no interior.
Alvarenga Peixoto, assinalando a vitória ─ Então, faço a multa em nome de quem?
Agora eu tava ferrado. Se entregava quem era, não pegava a gata; se me deduro a mim mesmo, auto alcaguetando-me, tomava uma puta multa. A solução veio na forma de uma assistente de direção, dessas que se vê aos montes nos estúdios, chegando correndo com um descafeinado e duas rosquinhas:
Assistente, coadjuvando ─ Mister Allen, sorry sir, but could not find pretzels[1]!  
Foi aí que me dei conta que havia um cara atrás do tal mister:
Eu, acabando de achar o outro colhão ─ Mas, que merda é essa?
Saiu um fulaninho ainda mais mirrado, detrás do outro, com exatamente a mesma voz.
Fulaninho mirrado ─ Er... Hehe. Sou o dublador oficial dele.
Foi aí que saquei tudo. Bem que devia ter desconfiado daqueles óculos de Groucho Marxs que o tal fiscal tava usando.
Eu, poliglota ─ Deveria saber que em se tratando de peseudônimos e afins você com certeza apareceria, Mister Allen Steward Konigsberg, ou melhor dizendo, Woody Allen!
Woody, novamente dublado ─ Hehehe, tava por aqui, procurando umas locações novas, quando fiquei sabendo dessa manifestação de fakes, resolvi dar uma passadinha e fazer um laboratório para um próximo filme.
Vanessa Fadinha, saltando para o lado do gringo ─ Ai, Woody, sou louca por uma exclusiva contigo!
Woody, que não é bobo nem nada ─ Só se for agora, baby.
Eu, tentando salvar o Titanic ─ Pô, Fadinha, e nossa exclusiva?
Vanessa Fadinha, contabilizando ─ Aí, tu tem apartamento em Ipanema?
Eu, na pendura ─ Não.
Vanessa Fadinha, aumentando o estrago ─ É presidente de academia?
Eu, minguando ─ Também não.
Vanessa Fadinha, mandando um mata-leão ─ É diretor de cinema reconhecido mundialmente?
Eu, pegando a toalha ─ Negativo.
Vanessa Fadinha, mandando o fatality ─ Então, querido, porque ia querer alguma coisa você?
Eu, cara do coyote do Papaléguas ─ Pena?
            Uma limosine sinistra abriu caminho entre a multidão de fakes, pegou todo o staff do gringo, que saiu com a maior-delícia-do-pedaço a tiracolo. E eu ali, babando vontades...
            Fakeaiada ─ E agora, o que faremos?
            Eu, anotando mais um prejuízo na carteira ─ O que fazemos sempre: vamos tomar um porre e escrever. Quando estiver bêbado o suficiente, decido se monto a Igreja Espacial ou também vou para o Nepal, tirar onda de monge kaoísta...  


[1] Senhor Allen, desculpe senhor, mas não achamos pretzels.

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