INCONFIDÊNCIAS DE WALKÍRIA
Da janela de madeira, no encosto protegendo os braços por um pequeno
travesseiro, ali passava todo o tempo de que dispunha, única mulher em
casa, cuidava de manter a limpeza e demais afazeres, sobrando-lhe horas
para devaneios e distrações. Vivia imersa em suas recordações,
alternando épocas, viajando nas lembranças, interligando o passado e o
presente.
No desenrodilhar de suas divagações saudosas, via-se jovem e enamorada
do primeiro homem, questionava-se consigo mesma, ralhando se não fora
exigente demais. Acabou por fazê-lo desistir devido ao gênio
intransigente e autoritário. Não era de dar mão à palmatória, pessoa
convicta e de opinião, não dada a meios termos. Desiludira o pretendente
por picuinhas, embora sentisse a falta que ele deixou. Esta era a
versão corrente, opiniões do velho pai e dos manos, que ela, por
conveniência, adotara para si mesma. Os fatos, porém, eram outros,
insuspeitos. Apesar dos hábitos conservadores de sua juventude, partiu
dela a vontade de entregar-se ao jovem, no fundo achava um absurdo ter
que ser desposada para só depois desfrutarem um do outro. Havia tantas
exigências antes do casório, além do que, se percebesse que não se davam
bem na intimidade, estariam atados a vida toda por um compromisso
oficial, além do religioso, valores considerados por todos. Pensava com
seus botões, tantas relações falsas, mantidas por preceitos sociais e
hipócritas, isso não queria para ela, nunca.
Ria-se consigo mesma da cara de espanto dele, diante a sua proposta
inusitada, ao propor-lhe que fossem às vias de fato, ou seja, que
iniciassem a vida sexual mesmo antes dos entretantos exigidos pela
sociedade, e dele ter uma condição financeira mínima para se casarem..
Será que ele pensou que ela não fosse uma mulher “direita”?,Imagine
desejar sexo, principalmente partindo a iniciativa dela,.aquilo fugia a
qualquer propósito de uma moça respeitável e virgem. Geralmente cabia ao
homem ser mais ousado e até atrevido com a namorada, avançando sinais.
Osnamoros costumavam ser vigiados pelos pais ou irmãos mais velhos.
Sentia-se enfastiada de namorar em olhares, apenas com o entrelaçar das
mãos, a imaginação corria solta, suspirando-se. Levá-lo para a cama,
portanto, foi um plano mirabolante.
Daquela mesma janela, que dava para o seu quarto, convenceu-o a
transpô-la, a avançadas horas, para dentro da sua alcova, antecipando as
esperadas núpcias. Meio sem jeito, pego de surpresa o pobre, vermelho
de vergonha parecendo um tomate nas bochechas alvas. Na verdade fora
intimado, não restava alternativas. Ou a desejava e provava, ou
acabariam com o noivado ali mesmo. Recusar seria por a prova sua
virilidade, além de perdê-la, sabia bem o gênio da pretendida. Quis
argumentar de que poderiam falar deles, e que devia respeito ao pai
dela, viúvo, e aos seus três irmãos, mas não houve jeito.
Acertado os detalhes, ela deixou a ampla janela de madeira entreaberta,
sem o trinco, e o esperou nua sob a camisola de algodão. Por precaução
deixou um azeite sobre o criado mudo, para lubrificarem-se, se
houvessenecessidade. Cobriu com um pano grande a cama, não queria deixar
vestígios, caso sangrasse. Ela mesmo encarregava-se de lavar as roupas,
portanto sem riscos de descobrirem.
Todos os familiares se recolhiam cedo, depois de desligarem o velho
rádio de pilhas na sala, onde, após a ave Maria, ouviam as notícias..O
pai e irmãos tinham uma sanfona, onde se dedicavam em incansáveis notas,
passando de mão em mão entre eles. Em pouco apenas o ressonar de
pessoas dormindo, por vezes um ronco mais forte, mas todos entregues aos
leitos, depois da labuta na lavoura pelo dia todo.
Ao ver-se dentro do quarto, ainda assustado por transpor a janela de
forma clandestina, como um ladrão na madrugada, ela lembrava-se risonha e
divertida da expressão de espanto dele. Possivelmente também sua
primeira experiência com uma mulher, pelo susto e despreparo que
apresentava naquela situação.
Teve que ser dela novamente a iniciativa, diante ao inerte companheiro,
sem saber como agir. O temor de ser descoberto tirava-lhe a excitação,
sem saber o que dizer, estava mudo e apatetado. As conversas, poucas,
deveriam ser sussurradas aos ouvidos para não atrair a atenção dos
demais da casa, entregues ao sono pesado.
O que faltava a ele sobrava a ela, afoita e desejosa de ser possuída.
Vendo-o atônito, despiu a camisola e o beijou no pescoço, ajudando-o a
desvencilhar das vestes. Aquele homem troncudo e ingênuo, parecendo
antes um menino assustado, tinha o corpo malhado pelo sol do campo das
colheitas. O viço dos ombros largos, que o recostar de seus seios nas
costas os intumesceram de desejo, erguendo-lhe os mamilos. Arfava só com
o encontro de sua pele macia na dele, áspera e máscula. Seu dorso nu a
instigava a quebrar o gelo que o constrangimento do incipiente jovem
demonstrava. Por fim, seduzido e entregue, rompia os limites da timidez e
a embalava nos braços, sequioso de seu corpo alvo e bem delineado.
Vulcões em erupções, amaram-se freneticamente, quedando-se extenuados.
De quantas milionésimas vezes aquele filme voltava a ser exibido em suas
lembranças, a reavivando nas saudades, deixando-a excitada? Suspirava
querendo reter no presente o passado distante.
Contudo, a sua ousadia era demais para ele, assustado com a sua
voluntaridade, mesmo tendo sido o primeiro, os vestígios rubros no pano
não deixavam dúvidas, não suportou a avidez da companheira, sempre o
desejando mais e mais. Em nada lembrava a terna namorada, discreta, que
conhecia. Aparecia diante a ele como uma devassa, ainda bem que ela se
manifestou antes do matrimônio, jamais teria paz com aquele demônio de
saias como esposa, com aquela sanha indomável com certeza o trairia.
Escafedeu-se da cidadela, após mais alguns encontros arrebatadores e
furtivos, emagrecera a olhos vistos. Seu sumiço deu-se a conta de que
estivesse enfermo e fora buscar recursos médicos em outra cidade. O pai e
os irmãos, por respeito à abandonada, evitavam o assunto, preocupados
com a má sorte da desafortunada familiar.
Ela ,na cara de santa, sabendo bem o porquê da ausência, fazia-se de
muda, triste, viúva de homem vivo desaparecido. Razão de silenciosa e
solidária consternação dos familiares. Quando as saudades batiam mais
forte, vinham as lembranças daquelas noites clandestinas e sensuais, sua
iniciação sexual tão desejada. Ele poderia ter sumido, mas duvidava que
não se lembrasse dela e de seus encontros, estreantes ambos nos
inconfessáveis prazeres.
O segundo a cair na teia da aranha, ou no quarto da desconsolada
solitária, foi um vendedor ambulante, vindo de outras plagas. Achegou-se
cavalheiro para apresentar suas bugigangas, foi fisgado. Estavam a sós
em casa, os demais demandavam cedo para a roça, ela ficava para cuidar
dos afazeres domésticos e da comida.
O homem de fala rápida, matreiro expositor de seus produtos, a quem foi
servido um cafezinho. Observando a vizinhança, atenta, foi fechada a
janela e o trinco na porta. Ela bem sabia seduzir, deixando a mostra as
pernas, de forma proposital. Ele, respeitoso, fingiu não perceber,
continuando com sua prosa comercial, repetitiva e chata. Não havia tempo
a perder, quando deu por si ela estava lhe roçando os seios desnudos,
expondo seu sorriso provocante e convidativo, não dando azos a nenhuma
dúvida de suas libidinosas intenções.
Homem experiente, entendeu rápido o jogo da sedução, a pegando pelos
cabelos e mordendo de leve seu pescoço... De leve, recomendou ela, sem
deixar marcas...
Nus como vieram ao mundo, saciaram-se um do outro. Extasiados naquela
tarde solarenta e prazerosa. Dele não aceitou nada, nem uma
lembrancinha. O que o intrigou, afinal, pensava, elas sempre cobravam
alguma coisa, um enfeite para o cabelo ou outro mimo de pequena monta,
dos quais seu mostruário era repleto. Ele que não imaginasse que ela
fosse uma rameira, vendendo-se por quinquilharias, não disse mas deixou
claro, demonstrando desinteresse por sua mercadoria. Dele desejou o
calor e ardor de seu sexo, nada além disso.
Ficaram de se ver outras vezes, sempre no máximo sigilo. Nem se
preocupou com aliança no dedo do conversador, não era ciumenta, só o
quis por momentos. Nunca mais se viram.
Lembrava-se do romance com o dentista, espremidos no consultório,
alvoroçados, ela e o doutor, parecendo consulta ginecológica e não
dentária. Aquele tratamento rendeu muitas idas, parecia que estava com
os dentes em cacarecos, com duas sessões semanais, durante algum tempo.
Até que ele se rendeu, revelando que não poderiam continuar, baixando a
guarda nos brios de macho e confessando-se exaurido, comprometendo sua
vida conjugal já estremecida.
Outros se seguiram, de preferência casados. Assim não abriam o bico com
receio de se comprometerem. Quanto a ela, o interesse era por instantes
fugazes, não se prendia a ninguém. Gostava de tê-los quando quisesse,
embora, assustados com sua volúpia, após poucos encontros se ausentavam.
Alguns, respeitosos e temerosos, ao vê-la na janela, cumprimentavam-na
retirando o chapéu, cortesia dispensada a respeitáveis senhoras e
senhoritas. Respondia as vênias com irônico e insinuante sorriso.
Tinha a certeza de que os varões a temiam na intimidade, debandavam
com receio de não darem conta de sua tara insaciável. Era melhor assim,
detinha um trunfo contra boatos maledicentes, sabia os limites de cada
um com quem se deitava, tinham-os à mão, por temerem esse segredo. A
convicção do receio deles com aquela arma implacável, assim, tacitamente
entendidos, a veneravam como uma respeitável dama..
Para os demais que passavam, obsequiosos, podia ler em suas fisionomias
os seus pensamentos, imaginando-a uma pobre infeliz que ficara para
titia, solteirona. Havia ainda as casadas, a passarem orgulhosas
exibindo seus pares ( muitos deles bastante conhecidos na intimidade das
quatros paredes de seu quarto) a ostentarem o matrimônio como troféus.
Quanto a ela, ria consigo mesma, sentia-se livre para usufruir de todos,sem compromissos com nenhum..
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Ediloy Ferraro