sábado, 30 de agosto de 2014

Convidado Dênis de Brito




O CAMALEÃO DA RUA AUGUSTA











Saí de casa às pressas. Não contei à minha mulher aonde ia e nem o que havia naquele bilhete. Já passava das onze horas da noite e fazia frio, as ruas estavam desertas e os becos escuros eram um convite a todos os tipos de violência e clandestinidade. Há muito tempo eu não via meu amigo Leandro, para falar a verdade, minha última lembrança dele é dos tempos de faculdade, quando saíamos para beber e nos divertir pelos bordéis da cidade. Depois disso ele se mudou para o interior e eu me casei. Agora, após doze anos, ele retorna.
O bilhete que chegou a minhas mãos por meios de um entregador de gás era bastante objetivo:
Jonas, preciso de você. Encontre-me à meia noite de hoje na Rua Augusta. Vá sozinho. Não conte a ninguém.
Leandro Albuquerque Novaes
Fiquei preocupado, o tom da mensagem era séria e indiretamente parecia indicar que ele estava com problemas. Sérios problemas. No entanto, fiquei feliz, pois achava que nunca mais o veria.
Cheguei à Rua Augusta antes da meia noite, e não o encontrei. Só havia um bar aberto, com meia dúzia de bêbados sentados no balcão. Na rua, uma neblina infernal. Entrei no bar e sentei numa mesa de canto, pedi uma dose de Vodka e esperei. Aos poucos, um a um foi saindo do bar até que só restamos eu e o atendente. Quando pedi a quarta dose entrou no bar um homem com uma jaqueta preta, boné, barba e uma aparência bastante desgastada. A princípio não o reconheci, mas quando se aproximou não tive dúvida de que se tratava do meu amigo de mocidade.
— Que bom que veio. — ele disse com uma aparente preocupação.
— Como você está meu amigo? Fico muito feliz em...
— Desculpe Jonas. Também estou feliz em revê-lo, mas estou sem tempo para conversar agora. — Me interrompeu subitamente — Nesse momento há duas pessoas vindo para cá e eles querem algo que está comigo. Preciso que você entregue isso para uma mulher.
Ele pegou minha mão e colocou uma chave.
— Mas... explique isso direito, não estou entendendo nada. Que mulher? E por quê?
— Você vai ter essas respostas assim que entregar a chave. O nome dela é Anna Hyuga. Ela vai estar te esperando atrás do museu Carlos Prestes, às seis horas da manhã. Quando ela te perguntar quem enviou a chave, diga que foi o Camaleão. — disse já se levantando para ir embora.
— Espere! Não posso fazer isso. Tenho minha esposa me esperando em casa. 
— Desculpe-me meu amigo, você é o único que poderia fazer isso para mim. Acredite, é muito importante. — falou já saindo do bar.
E assim ele se foi, me deixando ali com uma chave na mão e uma cabeça cheia de dúvidas. Pensamentos ainda se conflitavam em minha cabeça quando alguém agarrou em meu braço e me puxou com força.
— Venha comigo. Eles não podem te ver aqui. Saia pelos fundos. — era o atendente do bar.
Ele resmungava algo que eu não conseguia identificar e me empurrou por um corredor escuro que saiu na rua dos fundos. De repente acordei e me dei conta da gravidade da situação: Leandro falou de dois homens que estavam atrás dele, e que provavelmente é por causa dessa chave. Eu estava correndo perigo! Comecei a suar frio e saí correndo sem rumo. Quando dobrei a esquina ouvi dois tiros.
Já amanhecia quando eu cheguei ao museu Carlos Prestes. Tive que ir andando, pois não encontrei nenhum táxi àquela hora. O raiar do sol trouxe de volta o calor e afugentou a densa neblina, e as pessoas começaram a sair de suas casas para ir trabalhar e estudar. Eu estava com medo de ir entregar aquela chave, mas ao mesmo tempo acreditava que teria que fazer isso, pois possuía uma dívida antiga com Leandro. Era a minha chance de quitar esse débito.
A rua atrás do museu em pouco tempo ficou repleta de pessoas, indo e vindo de algum lugar. Como eu saberia como encontrar a tal Ana Hyuga? Isso o Leandro não me explicou. Mas, pelo sobrenome, imaginei que se tratava de uma descendente japonesa, nisei ou sansei. Então procurei pessoas com fisionomias orientais.
Às seis horas, em ponto, uma mulher se aproximou e me perguntou o horário.
— São seis em ponto, moça.
— Está com a chave?
Era ela. Ao contrário do que eu tinha imaginado, não tinha nenhum traço oriental em sua fisionomia. Era magra, cabelo ruivo, menos de trinta anos.
— Sim, o Camaleão pediu que eu te entregasse.
— Vamos entrar no museu, lá dentro te explico o que você vai precisar saber. — disse já se dirigindo à entrada principal do edifício.
— Mas o museu só abre às oito!
— Não para nós. — falou já estendendo a mão para que eu lhe entregasse a chave.
Ela abriu a porta do museu com aquela chave e entramos sorrateiramente. O salão principal era bem espaçoso e continha uma exposição da história e objetos pessoais de Carlos Prestes, aquele que foi um desbravador daquela região em tempos remotos. O teto era arredondado, as paredes muito brancas e nenhuma janela. No fim do salão havia uma escada, não para cima, mas para baixo, onde se encontravam o depósito e os banheiros.
Ana desceu a escada e eu fui a seguindo. Quando chegamos ao depósito ela utilizou a mesma chave para abrir um armário, então retirou de lá uma pasta. Na capa pude ler: Leandro Albuquerque Novaes. 14 de Abril de 1994.
— Não me apresentei ainda. Chamo-me Ana Fernandes, mais conhecida como Hyuga. Sou amiga do Leandro e estou aqui por que ele se meteu em um grande problema e você está diretamente ligado a isso.
— Não o via há doze anos, como posso estar ligado aos problemas dele?
— O Leandro não é um cidadão comum, Jonas. Ele é um assassino. É o trabalho dele matar pessoas e receber por isso. O codinome Camaleão é bastante conhecido neste estado pelas pessoas que requisitam esse tipo de serviço.
Fiquei atônito com aquela informação. Leandro sempre foi muito calado e extremamente calmo. Nunca imaginei que ele pudesse se tornar um matador de aluguel.
— E onde eu entro nessa estória?
— Semana passada ele recebeu de seu superior um novo nome para exterminar, mas não conseguiu concluir o serviço. Não por incompetência, mas por que se tratava da sua esposa, Elizabeth.
— Elizabeth?!? Mas por quê? O que ela fez?
— Essa é uma informação que eu não tenho. Só sei lhe dizer que se Elizabeth não estiver morta até o fim do dia, quem morrerá será o Camaleão.
Minha cabeça parecia que iria explodir. Recebi um simples bilhete de um amigo de juventude e de repente minha vida se tornou um caos.
— Ai, meu Deus. Por que isso está acontecendo? — eu estava em pânico.
— Acalme-se! Eu estou aqui por que o Leandro me pediu para entregar esse envelope para você. Ele não pôde dizer pessoalmente, pois estavam o seguindo, por isso ele guardou aqui no museu, onde ele trabalha disfarçadamente durante o dia. Leia!

Caro amigo,
Hoje recebi a mais cruel missão da minha merda de vida. Desde que me mudei, tomei rumos obscuros e cruéis em busca de dinheiro e satisfação pessoal. Carrego nas costas a alma de dezenas e em minhas mãos o sangue daqueles que se endividaram, vítimas de si mesmos. Vivo toda noite o pesadelo de viver. Meus únicos sonhos bons são da época em que nós éramos jovens, esses sim são sonhos felizes, mas hoje são apenas sonhos. Desculpe-me por não dar notícias minhas por tanto tempo e por voltar causando esse transtorno em sua vida.
Hoje, antes da meia noite, eu irei visitar sua casa para matar Elizabeth. Hyuga lhe entregará uma arma e um envelope que só deverá ser aberto daqui a três dias. Esteja lá esperando por mim. Quero ser morto pelas mãos do companheiro que outrora dividiu comigo momentos de verdadeira felicidade.
Leandro

♠♠♠


O relógio marcava onze horas e treze minutos da noite quando silenciosamente ouvi a fechadura da porta dos fundos se mexer. Eu estava sentado no sofá da sala e empunhava a arma vigorosamente. Nervoso, mas ao mesmo tempo aliviado.
Leandro abriu a porta e se posicionou a minha frente.
— O que você fez?!? Não era para você ter feito isso! Não foi isso que eu planejei. — gritou e correu para a cozinha.
Elizabeth estava caída, seu sangue corria por entre as frestas das lajotas. Eu a matei. Afinal, se alguém pagou tão caro para matá-la, é porque algo muito errado ela havia cometido.
No envelope havia um cartão de uma conta na Suíça com dois milhões de dólares.  


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Dênis de Brito

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O BAÚ




-Estão dizendo que a casa é assombrada...
-Não acreditou numa besteira dessas, acreditou?
-Parece que aqui morou uma bruxa que, antes de morrer lançou um feitiço para que ninguém conseguisse morar na casa.
-Deixa de besteira... O preço está ótimo!
Meu noivo havia pegado a chave na imobiliária, precisávamos alugar uma casa urgente. O casamento era no próximo mês e ainda não tínhamos onde morar.
-Por que o cara da imobiliária não veio com a gente?
-Ora meu amor. Ele confiou na gente, tinha outros compromissos, só isso.
Abrimos à porta da frente e ele entrou para me passar confiança.
-Venha Ana Elisa. Não há nada aqui, olhe.
Entrei e em alguns minutos esqueci totalmente dos rumores de assombração.
-A casa é linda! Olhe! Uma lareira!
-Já pensou a gente namorando ao pé da lareira no inverno? Marcos me olhou com o olhar carregado de desejo.
Em dois dias fechamos o contrato e começamos a mobiliar.
-Amor. Amanhã não poderei vir. É final de mês, trabalho até tarde. Se quisermos nossa lua de mel na praia tenho que deixar tudo certo na empresa.
No dia seguinte, bem cedo, estacionei na garagem da nova casa. Precisava acertar os últimos arranjos, o pessoal da loja ia entregar nosso jogo de quarto, queria escolher as melhores roupas de cama, afinal íamos estrear uma vida a dois ali.
Foi quando ouvi uma voz me chamando. Parecia minha mãe.
-Ana Elisa. Suba aqui, por favor.
-Mãe? Minha mãe ali? Como ela tinha entrado? A chave estava comigo. Minha mãe não sabia que tínhamos alugado a casa. Será que Marcos havia contado e esquecido de comentar?
-Aqui em cima. Depressa. Socorro!
Subi as escadas correndo e percebi que a voz vinha do sótão.
-Mãe... Está aí em cima? Subi a escada estreita e abri a pequena porta que dava acesso ao topo da casa.
-Aqui...
-Onde? Onde está você? O sótão estava vazio e só havia um baú num cantinho, meio escondido.
-Aqui. No baú. Venha rápido.
Eu senti um calafrio, mas não tive dúvidas, era minha mãe. Corri até o baú e o abri.
Era enorme, velho,  cheio de minúsculas bonecas de pano e fotografias recortadas. O engraçado é que as fotografias também eram de bonecas de pano....
-Mãe...? Uma das bonecas chamou minha atenção. Seu vestido era lilás e seu rosto parecia muito com o de minha mãe.
Peguei a boneca e fiquei admirando. Tive a nítida impressão que a boneca sorrira.
-Ora. É só uma boneca. Joguei-a para dentro do baú e quando ia fechar a tampa senti dois braços fortes me empurrando para dentro da caixa. Foi tudo muito rápido e desmaiei.
O som vinha de muito longe. Parecia a voz de Marcos. Tinha mais alguém com ele.
-Fica tranqüilo meu filho. Ela vai aparecer.
-Dois dias Dona Luíza!  Dois dias sem dar notícias!
Era a voz da minha mãe. Estava escuro. Parecia que eu estava em um lugar trancado, sem luz, sem ar. Tentei gritar, mas a voz saiu fraca.
-Marcos! Estou aqui. Ajude-me! Não conseguia identificar o lugar onde estava. A voz do rapaz parecia se distanciar. Tinha que reunir todas as minhas forças.
–SOCORRO! Marcos! SOCORRO!
Foram gritos alucinados. Perdi a conta de quantas vezes gritei por socorro. Foi quando levei um susto: O telhado se abriu e um rosto enorme apareceu. Quase enfartei de susto. Parecia um gigante... Minha voz sumiu na garganta. Fiquei paralisada. Era Marcos e minha mãe.
-Ora Dona Luíza.  Aqui só tem bonecas de pano. Eu não disse que era só sua imaginação? Saíram e desmaiei novamente.




Contos de MMorte
SELETIVA DO CLUBE DAS BRUXAS

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

4a Bienal do B - poesia e literatura na rua

A 4a Bienal do B - poesia e literatura na rua, de 24 a 26 de setembro de 2014, no T-Bone, na 312 norte, contará com a participação do barnasiano Giovani Iemini, que falará uns poeminhas no dia 25, quinta-feira, juntamente com outros 99 poetas espalhados pelos 3 dias de evento, que é um ótimo encontro de amigos e uma legítima manifestação da arte popular do DF.
Participem!

Marta era aquela mulher que ele não conseguia decifrar seu íntimo. O mais certo era ela não querer mais do que amizade, nem ter sonhos de vida conjunta. Era uma mulher independente, com um conceito de vida que gostava de descomplexar. Toda ...a relação de amizade entre ambos era levada com apreço, e não gostava de ver seu amigo sofrer. Tentava dar-lhe bons conselhos, sempre que este desabafava com ela.
Jesueh não queria desfazer aquele encantamento em que vivia. Todo aquele encruzilhar de emoções faziam-no sentir de alma desperta. Apesar de ter uma relação amorosa com Isabel, até há aquele momento, não se podia dizer que a estivesse a trair. Talvez moralmente não estivesse a agir em conformidade, mas também, não tinha certezas de nada em relação a Isabel. Esta tinha que lançar os filhotes para o mercado do trabalho, coisa que não estava fácil. Falavam muito sobre esses assuntos, e Isabel desabafava, constantemente com ele. Quase que se podia dizer que eram um casal, vivendo à distância.

" Jesueh e o Triangulo Dourado "
em curso by Quito Arantes
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terça-feira, 26 de agosto de 2014

#vai sem título mesmo#

A única coisa que posso fazer é escrever. um mero esquecimento, um simples esquecimento e sobrou isso. Um erro na mão e a fonte sobe automaticamente.. automaticamente, que palavra robusta, difícil. ahhhhhhhhh
tenho a certeza que continuo errando noite a após noite. É olhar em volta e gritar para um velho gagá:
- ELES ESTÃO TODOS PERDIDOS!! ESSA JUVENTUDE ESTÁ TODO PERDIDA. OLHA SÓ. TÁ TODO MUNDO CASANDO, TODO MUNDO CONVERSA ALTO DEMAIS, TANTO É QUE GRITO PRA VOCÊ VELHINHO.
Ele de cabeça baixa, me responde:
- Vira e meche eles caem na monogamia.
Meu Deus! nessa hora o desespero tomou  conta de mim, bati a mão na parede alaranjada, dei um chute na porta e saí correndo do bar, sem pagar mesmo, saí a la escocesa, não é assim que dizem?
ainda correndo, duas esquinas pra baixo, tropecei num grande cachorro amarelo, ele tinha o rabo cortado, mas em compensação o que perdeu atrás ganhou no tamanho da língua.
rolei uns bons metros na rua, a roupa ficou cheio de terra e meu amigo cachorro amarelão não esqueceu da minha figura. veio fuçando em mim, deu com a língua em minha nuca e falou baixinho em minha orelha:
De ti
só quero troça
pois toda essa joça
jaz
na podridão

Dei um grande salto e me pus de pé. Ora bolas, afinal de contas o que era aquilo? Aquele grande cachorro amarelo estava zombando, em plena três e quarenta e sete da manhã?
- Escute aqui meu amigo, esses seus versinhos não surtem efeito. Prefiro muito mais um axé, um pagodão dos bons, tá me entendo? Já ouviu aquele da loirinha que escorrega no quiabo?
Amarelão bateu asas correndo pela rua. Foi a última vez que o vi. Bem te vi, bem te vi, tocava as badaladas em minha cabeça, agora que só caminhava, tinha certeza que estava no caminho errado. Mas por onde andar? Em todos os lugares bacanas eu era considerado um estranho, era sentar e ser ignorado ou logo começava a receber os olhares fuzilantes.
Lá pelas tantas não sei se foi o vento que me levou ou se toda rua transformou-se numa grande esteira produtiva, estava de frente daquele casa roxa. Lembrei de um poema de um velho mortificado.

Naquela casa, as paredes são tortas
lilás escorre das veias
entre as portas
passam as sombras de meu coração

Poxa vida, que velho safado pensei. Levou mesmo uma vida bacana, melhor talvez do que a vida do velho gagá, meu amigo de bar que só conversava de cabeça baixa comigo. O desgraçado deve ter acertado o caminho, ao menos uma mulher bonitona que vai morrendo com o tempo, como será que eles se olham lá pelos oitenta anos? Fartura tinha na geladeira dele, disso eu sei, roubei até uma fatia de queijo fresco.
Mas enfim, não importa, o que importa é que estava lá. de frente para a casa lilás, roxa. Bati forte na porta, um belo dum soco e berrava a plenos pulmões, aquilo sim o ministério da saúde deveria recomendar
- DEIXE-ME ENTRAR, TENHO SEDE, MUITA SEDE. POSSO ATÉ MATAR CASO NÃO BEBA UM BOM GOLE D’ÁGUA.


Nada. o vento soprava lá no fundo rindo de mim, já estava me irritando com aquele danado, toda vez era assim quando me jogavam na indiferença. Ai que negócio difícil. muito difícil
Desta vez, resolvi dar uns pontapés na porta, doeu muito também, errei a pontaria e acertei o mindinho, mas que se dane.
- ESCUTA AQUI, JÁ ME ROUBARAM TUDO ATÉ AS EXPRESSÕES MAIS SOFRIDAS. DEIXE-ME ENTRA POR FAVOR!!
A porta desapareceu, restou o buraco do portal revelando a escuridão da casa. Pura magia hahaha entrei sem pestanejar. Pois bem meus queridos, podem ascender a luz. Bati umas boas palmas e tudo se clareou em minha vida, respirei aliviado pela primeira vez nessa história.
O mordomo se aconchegou perto de mim em sua bela cadeira de rodas dourada.
- Afinal, o que o senhor deseja?
- Bem, primeiro me veja, duas xícaras de leite, quero pão mandi, muitos pães, passem neles um boa manteiga, mas anota aí, tem que ser manteiga, não me venha com margarina. Sabe aquela geleia de amora? Passa no alface, enrola e prende tudo com palito de dente.
Ele rodou com suas mãos delicadas aquelas belas rodas douradas e com certeza foi efetivar meu pedido.
- MARGARIDA, MARGARIDA MINHA FILHA, VEM PRA CÁ, VEM.
Margarida era flor perigosa, só de ver dava medo, de vestido colado derrubava mil, de palavra na boca, ganhava a nação.

aiai

- MEU SENHOR, ESCUTA BEM O QUE TO TE DIZENDO.. OLHA PRA ESSA FESTA, TÁ TUDO PERDIDO.
Ele batia nas minhas costas, entendia bem todo aquele sentimento, talvez tivesse errado todas as noites da sua vida também.
- Meu filho escuta bem, os gênios têm a chave do tempo. Sei bem disso, meu erro foi o ano que decidi voltar. Fui ambicioso de mais, estava com quarenta anos e voltei pra quando tinha dez anos de idade. Tava na praça, a meninada toda brincando de safadeza, foi a primeira garotinha que beijei. Lembrava de tudo, tava num corpo de dez e com uma mente de quarenta, mas sabia das artes do amor. Dei um beijo nela que a tal ficou doida. Era crescidinha, maior que todas outras, não deu duas semanas já estávamos na coisa. Perdi então minha virgindade com dez anos, antes foi apenas com dezoito. Ha, mas viver a infância tudo de novo, meu grande erro, meus pais naquela época, tão crianças quanto. Um dia não aguentei e disse umas boas pra eles, usei da grande filosofia, meu pai chorou de soluçar. Não aguentei, foi foda, minha vida toda ficou muito mais fudida.
Abracei aquele velho gagá e choramos no bar. Finalmente silencio naquela birosca, todos nos olhando, berramos eu e o velho, berramos fundo, liberdade:
- EIS AQUI TODOS VOCÊS. APRESENTAMOS MARGARIDA, A MAIS BELA E FORMOSA DÚVIDA NA VIDA. BESTAS ATROSES, SABEM QUE ESTÃO CORRENDO PRA TRÁS. BAIXEM TODAS AS CABEÇAS QUE ESSE VELHO MEU AMIGO É MELHOR QUE TODOS. UM GÊNIO, UM SANTO GÊNIO, COMETEU APENAS UM ERRO, QUIS BEBER TODA A FONTE DE UMA VEZ SÓ. MAS SABE MAIS, MUITO MAIS, PEQUENOS INTELECTUAIS DE MERDA. AGORA, SÓ RESTA UMA ATITUDE A TOMAR, COMECEM A URRAR BEM ALTO, QUE O LOBO FAMINTO CONSUMA CADA CENTÍMETRO PEQUENO DA PODRE GOTA QUE É A VIDA DE VOCÊS.
eram gargalhadas, gargalhadas.. gargalhadas.. eu e o velho agora éramos dois cachorros, amarelo e roxo, morávamos na casa do teto do céu, uivando e fazendo cair estrelas.

publicado originalmente em: http://ilusoesliterarias.blogspot.com.br/

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A geladeira desligada

As janelas fechadas faziam entrar uma luz difusa do fim da tarde. Não havia ninguém vivendo ali. Os móveis também já não estavam.

A casa vazia se percebe pela geladeira desligada, pensou. Olhou por uns segundos antes de abrir. Aberta, contemplou as prateleiras vazias. Nenhum sinal de vida.

Fechou os olhos e tentou sentir o cheiro da comida no fogão. Não havia cheiro ou fogão. Só um espaço vazio.
Insistia na procura. Procurava por alguma coisa esquecida. Havia muitas.

Pequena, puxou o banco e subiu. Abriu o armário: pratos, copos, um escorredor. Tudo empoeirado. Pensou que o armário não impedia a poeira do tempo. Concentrando-se de novo na busca, não achou nenhum eletrodoméstico.

Não estava lá.

Desceu do banco e procurou embaixo da pia.

Um liquidificador. Pegou, organizou as coisas sobre a pia e ligou na tomada. Apertou o pulsar.

Pulsava.

Pensou em colocar gelo, cachaça e suco de frutas. Mas a geladeira estava desligada, não havia gelo. Cachaça, só no bar da esquina. E suco de frutas nunca havia entrado naquele apartamento.

Imaginou um milkshake. Mas lembrou da geladeira desligada. E leite, se houvesse, estaria azedo.

Melhor seria colocar ali a geladeira desligada, que parecia tão diferente iluminada por aquela luz difusa. Ou todas as suas mágoas. Sem escolher muito, decidiu pelas mágoas: a geladeira não caberia. Teve medo de transbordar. Apesar disso, ligou o liquidificador.

Mas não aconteceu nada.

As mágoas não poderiam ser trituradas. Até tentou.

Então, decidiu enfiar a mão na lâmina que girava.

domingo, 24 de agosto de 2014

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Ditadura do silêncio


No país da impunidade, faz-se exceção à lei do silêncio, a única respeitada e temida.

Quem cala contente; E os que ousam desafiar a lei, arruaceiros, sofrem as punições



quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Olhares




Para onde os teus olhos

Repousam no fim das tardes,

Partirei como um viajante errante.

Possuis no âmbar-gris

A intensidade das cores

Que alimenta a cumplicidade dos amantes.

 
Sigo, pelo fluxo que circunda o tempo,

No complexo movimento das galáxias,

Por onde gravitam mundos

E, partículas atômicas desenham luz

Na partitura dos ciclos solares.

 
Passado, presente,

Signos impressos,

Páginas a escrever...

 
Tudo se detalha na profusão dos instantes,

Dimensionais e inquietantes,

Em que, universos são criados.

 
Enigmas de luzes tingindo o céu

Ao misturar insólitos olhares.

O meu amor misturado ao teu.