terça-feira, 31 de dezembro de 2013

convidados em 2014


Os convidados do Blog Bar do Escritor em 2014 até março são

Emyli Sousa - dia 10/01;
Isabel Demétrio - dia 20/01;
Cacau Oliveira - dia 30/01;
Cristhina Rangel - dia 10/02;
Belén Greece - dia 20/02;
Walter Bezerra - dia 10/03;
Ivo Costa - dia 20/03;
Rinaldo Leite - 30/03;

Conheça, participe, leia e divulgue o Blog Bar do Escritor.


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Convidado Marcos Vinícius de Araújo

Quando Deus bate em sua porta, você o convida a entrar?
 
 
        Deus, onipresente nas suas manifestações, faz coisas durante toda a nossa vida, nos dando oportunidades que muitas vezes jogamos fora pela ausência de fé. São oportunidades perdidas, chances de crescer na vida, evoluir espiritualmente e até mesmo melhorar a vida financeira com o suor do nosso trabalho. Trabalho esse adquirido com a nossa força de vontade.
        Quando criança, fazia coisas comuns da idade, ia pra escola, brincava na rua com os amigos, jogava vídeo game, assistia TV até tarde e as vezes até assistia programas impróprios pra minha idade. Nunca tive restrições desde pequeno, e quando a adolescência chegou ai mesmo que aproveitei, como meus pais nunca pegavam no meu pé fazia tudo que queria, a hora que queria, do meu jeito. Nunca liguei pra estudar, pensar em que curso faria na faculdade era coisa rara, coisa de nerd. Nunca dediquei meu tempo pra fazer coisas proveitosas e sim pra coisas supérfluas que não iam me fazer chegar a lugar nenhum.
        Sempre tive uma boa relação com Deus, apesar de tudo sempre tive fé em Deus e como estava numa fase de conhecimentos, que é a adolescência nunca tive uma religião, freqüentava o centro espírita de umbanda da minha avó quando criança mas não era um lugar que me enchia os olhos, sentia afinidade mas de alguma forma não me via ligado aquela energia que ali existia e não concordava com certas coisas que acontecia, por isso nunca cheguei ao ponto de fazer parte do trabalho da casa. Tive época que freqüentei a igreja evangélica por incentivo de um amigo mas fiquei um ou dois meses, foi natural a saída. Nunca me encontrei, e minha relação com Deus sempre foi assim, sempre tive muita fé e respeito por Deus e por todas as religiões, estava numa fase de experiências e sabia que um dia iria me achar.
        O tempo passou rápido pra mim, completei 18 anos e logo comecei a trabalhar, desde então nunca fiquei parado, uma hora aqui outra ali e eu ainda não tinha feito nada da vida. Dois anos depois engravidei minha namorada da época, o relacionamento se foi naturalmente, mas meu filho não, Pedro nasceu com muitos problemas de saúde e deu trabalho. Ensino Médio incompleto, pensão alimentícia pra pagar, filho doente,  pulava eu de galho em galho feito um macaco cego, não sabia onde pisava e pra que lado seguia, e nessa de pular acabei caindo do galho, foram 5 meses desempregado dando jeitinhos pra pagar a pensão do meu filho, pedindo ajuda há alguns familiares que só sabiam cobrar, gente equivocada que só sabiam falar o tempo todo mas nunca tinha algo a dizer. Foi a pior fase da minha vida, sofri calado e sozinho sem amparo de ninguém, amigos que tinha era só pra sacanagem. Um filme passou pela minha cabeça e alucidei-me: - O que eu fiz da minha vida? - Estava eu no sofá de casa as 4h da manhã chorando baixinho pra não incomodar ninguém. Eu como de costume pedi a Deus mais uma vez e me arrependi por coisas que eu fiz de ruim a mim mesmo, tive uma resposta imediata de Deus: Comecei a trabalhar uma semana depois, fui colocando minha vida no eixo aos poucos e tudo foi dando certo. E como Deus é perfeito, ele me conhece e sabia que eu precisava de alguém do meu lado, alguém que me ajudasse, que me incentivasse, que me fizesse crescer ainda mais e a fazer tudo que eu não fiz. Conheci Júlia numa noite qualquer na internet, site de relacionamento. Residia no mesmo local em que eu começara a trabalhar. Jacarepaguá, só conhecia de nome, lugar bacana, gente bonita, gente diferente.
        Júlia tinha 20 anos e cursava Biomedicina. Bonita e muito inteligente, me chamou atenção pelo seu jeito meigo e carinhoso de ser. Foram necessários apenas alguns minutos de conversa pra saber que era a mulher da minha vida, ali mesmo do outro lado da tela do computador. Como eu nunca havia sentido antes, ela me fez apaixonado em apenas algumas horas, sentimento esse com toda reciprocidade. Deus sabia que ela era a mulher certa.
        Passaram-se alguns meses e comecei a perceber ainda mais o que Júlia tinha de novo pra mim, entre um simples lanche do Burguer King á um simples livro espírita, conheci o espiritismo e um lado diferente de Deus que nunca tinha visto antes. Ganhei meu primeiro livro, “Violetas na janela”, um livro muito conhecido entre os espíritas com mais de 1.800.000 exemplares vendidos, esse Best seller me trousse alguns dos principais conceitos do espiritismo: doutrinação, conhecimento do mundo astral, reencarnação, etc.
        Entre um livro e outro, fui aprendendo e sentindo cada vez mais a espiritualidade presente em minha vida, entendo a existência de tudo que existe na terra e no mundo, tudo obra do nosso grande Deus. Com a ajuda de pessoas maravilhosas do mundo astral, fui aprendendo, evoluindo, recordando de vidas anteriores e com isso descobrimos que fomos casados em outra vida, tivemos uma história, interrompida por um acidente. Mas essa história logo estará a disposição de curiosos afins, Júlia esta psicografando um livro que conta a nossa história em outra vida, ditado por um espírito que ainda não se identificou. Juntamente de Júlia, objeto direto de comunicação com amigos do astral, somos privilegiados de termos contato direto com a espiritualidade, recebendo bons conselhos e boas energias de nossos guias espirituais.
        Hoje sou outro homem, responsabilidades adquiridas na religião, na relação, na família e na vida. Terminei o Ensino Médio e quero trabalhar na área da saúde, mas especificamente na área da radiologia e com especializações na área. Tenho o hábito de ler, escrever e aqui estou, mostrando um pouquinho de mim e fazer com que vocês que estão lendo enxergarem a importância de Deus em nossas vidas, e que devemos prestar atenção nas oportunidades que nos são concedidas, agarrá-las com unhas e dentes e principalmente, seja de qualquer forma, em qualquer religião, reconhecer o que Deus fez, o que esta fazendo e o que fará por nós, porquê Deus é a base de tudo.


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Marcos Vinícius de Araújo
www.marcosviiny.blogspot.com.br/


domingo, 29 de dezembro de 2013

Cadela de Raça

http://memortedovaledassombras.blogspot.com.br/


Sou fogo
Dou jogo
Cadela de raça!

Me quer

Teu gozo
Cheiro de cachaça!

Decida

Me quer lânguida
Ou lambida?

Devassa

Ou de virgem
Andar e graça?
http://memortedovaledassombras.blogspot.com.br/

sábado, 28 de dezembro de 2013

A " Carta " Capitulo XI - outono

 
Entro devagarinho num trilho que me levará à ponte da fertilidade, o tempo está agreste mas luminoso, e preparo a minha máquina fotográfica para registar a bela paisagem que envolve esta ponte romana, pequena, mas com um sentido lendário elevado. Tudo em redor está dourado, o feno não retirado, os vidoeiros com as suas folhas matizadas de cor de ouro, e em frente vejo a ponte, que um riacho por baixo dela passa, tranquilo, com poucos obstáculos. Como pano de fundo, ficam as montanhas escarpadas com a sua vegetação verde eterna. Faço um disparo com a máquina, mais um e mais outro. E fico com a garantia que consegui eternizar o momento, de uma beleza sem fim. Na minha memória também ficou gravado, todo o cansaço belo da natureza em transformação. Ali, advinha-se que o inverno estará próximo nesta serra paradisíaca, que me vai envolvendo, cada vez mais, com o decorrer dos anos…
 
A editar brevemente / Quito Arantes - Portugal
 


ESTRELA DE BELÉM

Brilha estrela de Belém
Para o menino Jesus...
Que nasceu só para o bem
Daqueles que buscam a luz;

Brilha para o salvador
Que a todos nós vai salvar...
Nos livrando da real dor
Que sentimos ao pecar;

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Conto de Natal

Será que somente eu estava sentindo aquilo? Não era possível, olhar em volta, olhar pro mundo e somente eu sentir aquilo. O aperto que sentia no peito, o choro travado na garganta que dificilmente explodiria, não era possível que ninguém mais compartilhava de tal sentimento perante a tudo que estava em nossa volta.
Mas no meio do caminho, bastou ouvir o arfar do peito do meu pai soltando um profundo suspiro, a engasgada na direção do carro e depois a acelerada forte pra entender que de alguma maneira o velho compartilhava sentimentos comigo. E que homem incrível era aquele, ao mesmo tempo era um dos motivadores de tudo isso que eu estava sentindo, mas ele era uma pequena peça.
A lembrança que tenho de acordar nesse dia era justamente ele entrando no quarto.
- Quer que eu feche a janela? Tá muito claro aqui.
- Não, não precisa, logo eu vou levantar.
- Mas por quê? Perguntou meu pai, em um tom sugerindo que eu deveria continuar descansando.
- Vou levantar pra estudar.
Simplesmente saiu do quarto. Pouco tempo depois meu despertador tocou, mas não levantei de cara. Estava num pequeno recesso do meu trabalho e resolvi vir visitar meus pais. Apesar de querer manter uma disciplina nos estudos e na escrita, resolvi ficar um pouco mais na cama, acho que acabei levantando só uma hora mais tarde.
Quando abri os olhos definitivamente, me deparei com a visão do meu antigo quarto em proporções muito menores, na verdade era eu que havia crescido, fisicamente é claro. As paredes de um branco escuro, tudo muito limpo, fruto do trabalho da minha mãe. Os móveis eram até novos, principalmente um guarda-roupas de grandes portas de correr, havia também uma bicicleta eletrônica e um ar condicionado portátil. Para completar o cenário, na parede figuram dois quadros: uma pintura de flores dentro de uma forte moldura e uma foto dos super-heróis da Marvel. Ao olhar tudo isso, fiquei triste pelas flores, tanto pela moldura que as sufocavam quanto pelos heróis que não estavam dando a mínima para elas, simplesmente pensando em salvar o universo para inflar ainda mais os seus egos.
Esse padrão de cenário do quarto, com móveis novos contrastando com uma aparência antiga do cômodo, valia para o resto da casa. Quando cheguei na sala dei direto com o meu sobrinho Hugo.
- Bom dia Hugo.
- Bom dia – Falou isso duma maneira um tanto mecânica sem tirar os olhos da televisão.
Tomei o café da manhã sozinho e voltei para o quarto para pegar meu violão e continuar tentando tirar uma música que comecei no dia anterior. Nisso lembrei-me de como foi a experiência com meu irmão e meu pai em relação à questão da música. Baixei umas cifras da internet e estava na tentativa de tirar algumas músicas que eu gosto quando percebi que meu pai estava escutando e então me cortou:
- Que isso hein. To achando que nesse trabalho seu deve ter sempre um violão a disposição porque você melhorou.
- É, no tempo que sobra eu tenho treinado.
- Se você continuar assim, daqui um ou dois, três anos você já vai estar fera – Ele sempre falava essa frase desde que eu era criança. Hoje em dia eu já não me importava mais, mas durante muito tempo eu pensava que o prazo tinha vencido e eu ainda não estava bom.
- É, o negócio é continuar treinando – respondi.
Nisso chegou meu irmão e percebendo logo do que se tratava mandou uma frase clássica:
- Cara, meu sonho é ouvir você tocando uma música completa.
- Não dá, não consigo.
- Todos eles são assim, isso me mata de raiva – comentou meu pai.
- Pois é, me mata também – concordou meu irmão.
Resolvi então tocar Knockin on Heaven’s Door do Bob Dylan, era muito fácil e talvez fosse agradar eles. Quando terminei, meu irmão bateu palmas.
- As primeira palmas que você mereceu.
Respondi com um sorriso seco. Meu pai então pediu para que tocasse uma música do Geraldo Azevedo, especificamente Dia Branco, baixei a cifra e comecei a tirar a música, mas logo no início fui cortado mais uma vez:
- Não, a outra você estava tirando no tom certinho, essa você não tá não.
- Calma, eu ainda to tirando a música.
Nisso, meu irmão colocou um vídeo na internet de um cara que fazia cover de Bruno & Marrone, meu pai observou um tempo e logo começou a pedir para que ele colocasse outras músicas. Continuei na minha durante um tempo, ainda tentando tirar minhas músicas e nesse momento percebi algo que sempre colocou empecilhos na minha vida em relação à música: é que na verdade o problema não era bem comigo, mas no fundo, por mais que dissessem que gostavam de música, principalmente meu pai, eles não tinham o mínimo respeito e incentivo com a mesma. Logo fui pro quarto e guardei meu violão.
Passado essa memória, continuei trabalhando mais um pouco em tentar tirar a música e depois apanhei um livro do Dostoiévski, no caso, Crime e Castigo. Filho da puta aquele russo, estava ainda nas primeiras páginas mas já dava pra notar a obra prima que era aquele livro. Um autêntico romance, pra mim ele e Balzac eram os maiores gênios da literatura. Conseguiam compor realmente criações esplêndidas, peças que se criavam entorno de uma tema central, mas que no decorrer desse tema várias outras questões eram inseridas, vários outros debates, debates filosóficos sobre a essência humana que transcendem até os dias de hoje, carregados de metáforas extremamente precisas. Será que um dia meus escritos seriam assim? Eu sabia que não, mas era possível ver na obra deles um caminho claro para se compor um grande trabalho, ao menos isso me dava um norte.
Mas as conclusões cruas sobre a vida que eles apresentavam me faziam pensar bastante sobre a realidade em que estava inserido e sobre meus objetivos de vida, eram conclusões na maioria das vezes tristes sobre o caráter da humanidade, não só sobre o caráter, mas sobre a própria condição miserável da humanidade e quando eu olhava em volta nesses dias de natal, tudo parecia confirmar tais conclusões.
Primeiro pensei no meu sobrinho Hugo, não só pensei como fui até ele.
- Você não quer ler um livro e sair um pouquinho da frente da TV. – Sabia que essa sugestão indutiva era ridícula e não concordava muito com aquilo, mas já estava ficando desesperado com o moleque grudado ali por várias horas.
- Não, não quero.
- Não precisava ser tão mal educado com o tio assim – Pior ainda essa frase minha.
Minha mãe ouviu isso e veio:
- Então agora, você também deu pra ser mal criado?
Ele simplesmente respondeu tudo isso só com uma risadinha maliciosa. Quando o danado do moleque pegou num livro, leu já esperando a hora que aquilo fosse acabar, sempre reclamando que era muito grande. Quando terminou e perguntei o que tinha entendido, me disse:
- Eu entendi, toda a história.
- Tá, tudo bem. Mas me diz o que tem na história?
- Se você continuar me perguntando assim, eu fico com vergonha.
- Tá bom, foi mal. Mas você não quer me contar nada da história?
Mais uma vez uma risadinha maliciosa.
- Você não entendeu nada da história, né?
- Não, eu não entendi nada – E caiu em gargalhadas.
Minha mãe pediu que lesse a história mais uma vez e ele fingiu estar dormindo e o caso se encerrou por aí. Nesse momento comecei a olhar mais atentamente para meu sobrinho e minha tristeza interior começou a se expandir ainda mais. O menino estava muito gordo, não que fosse necessário seguir as regras malucas impostas pelos atuais padrões de beleza, mas com certeza com todo aquele peso a saúde dele não ia lá muito bem. Passava horas e horas em frente à TV, assistindo uns desenhos que eram até legais, na verdade bem malucos, penso que deveriam ser bons pra imaginação. Mas afinal, qual era a concretude que ele dava para toda aquela imaginação? Gostava de desenhar, eu já havia insistido com minha mãe mais de uma vez para que colocasse o menino num curso de pintura, mas ela sempre negligenciava isso, preferia pagar as aulas de natação. Se nadava tanto, porque continuava gordo daquele jeito? Ele parecia ser um garoto de poucos amigos, na verdade, suas amizades pareciam se construir muito mais no mundo digital.
De onde veio tudo isso? Foi uma escolha dele? Foi influência dos próprios hábitos da minha família? Uma mescla das duas coisas? O mais provável é que realmente fosse essa mescla, mas será que a condição do garoto era parecida com das demais crianças? É claro que o recorte financeiro devia fazer diferença, mas quando eu refletia parecia que todas as crianças do mundo estavam cada vez mais fadadas à merda. Esse menino tinha salvação? Salvação do que? Salvação para que?
- O que você tá me olhando? – Perguntou ele.
Nem respondi, mergulhava tão profundo nos meus pensamentos que automaticamente meu corpo se levantou e se recolheu para seu casulo no quarto. Lá abracei mais uma vez Dostoiévski. A personagem principal era extremamente contraditória entre supostamente se suas ações eram certas ou não, ou se ela estava até mesmo acima de tudo aquilo. Que fazer o errado se justificava pelo certo que viria depois. Nada dos dilemas daquela personagem estavam ajudando a me livrar daquela tristeza expansiva, mas faziam com que mergulhasse ainda mais fundo nos meus pensamentos, chegou uma hora que simplesmente me perdi do livro.
- Preciso visitar alguns parentes. Sim preciso visitar eles, estão todos morrendo, estão todos moribundos, mas preciso encarar tudo isso de frente. Preciso visitar minhas duas tias, elas são as principais, uma já está bem velha, a outra teve um derrame. Preciso vê-las. Tem minha vó, mas ela veio me visitar ontem, como havia esquecido isso?
No dia anterior estava parado na porta da cozinha, em pé, sem camisa, só de bermuda, segurando uma grande caneca com água dentro. Provavelmente aquele era um dos momentos em que estava perdido também nos meus pensamentos, mas ainda não acometido pela mesma tristeza.
- Nossa eu vi um menino aí na porta e pensei: ué, quem pode ser?
- Pois é, sou eu vó. Como a senhora está?
- Eu to bem e você Miguelin? – Era o apelido que ela me chamava.
Minha avó estava com câncer desde o início do ano e era um dos graves. Já fazia uns quatros meses que estava fazendo tratamento em Barretos. Ao que tudo indica o tratamento estava progredindo bem e a velhinha estava aguentando fortemente, mas mesmo assim que ridícula minha pergunta: “como a senhora está?”. A gente sempre sabe que as pessoas vão continuar respondendo que estão bem, se fosse o contrário, se dissessem realmente como estavam, tenho certeza que a freqüência das perguntas diminuiria.
- Também to bem vó, só na correria mesmo – Que correria era essa? A dos corpos em movimento? Todos indo na mesma direção, ou seja, a cova? Tanto eu como ela estávamos nessa mesma corrida, a única diferença é que ela estava na frente do páreo.
- É, todos estamos meu filho – Respondeu-me ela.
- Cadê o resto do povo?
- Então. Meu pai e meu irmão estão ali desmaiados no sofá, já minha mãe ta tomando banho. Vou lá chamar ela.
- Não precisa não meu filho.
- Não tem nada não vó – Nisso fui até o banheiro, bati algumas vezes na porta e avisei minha mãe que minha avó estava ali. Quando voltei, ela estava sentada em uma das cadeiras que ficava em volta da mesa da cozinha, passando o olho pelo cômodo. Reparei então que estava usando peruca. Meus Deus! O que era aquilo? Ela ficava bem melhor careca, eu já a tinha visto uma vez assim ou também ficava melhor com seu lenço na cabeça. Mas aquela peruca veio como uma punhalada no meu peito. Talvez tenha sido ali todo o princípio da minha tragédia no Natal. O princípio da minha tristeza. Eu não conseguia tirar os olhos da peruca, minha avó conversava comigo, mas era como se estivesse falando em uma freqüência que meus ouvidos não compreendiam, só conseguia olhar para maldita da peruca. Aos meus olhos ela funcionava como uma terrível pincelada, na verdade várias pinceladas, uma verdadeira composição a parte da realidade que estava ali para me demonstrar concretamente todo o horror da condição humana que Balzac e Dostoiévski falavam sobre. Maldita peruca!
Pelo que eu me lembro, toda a conversa foi sobre uma tentativa de roubo a um carro forte na volta dela de Barretos. É, acho que realmente não passou disso. Mas e minhas tias? Eu precisava visitar elas de qualquer maneira. A visita de minha avó foi apenas o princípio, eu necessitava mais do que tudo ficar diante das duas, diante daquela condição. Precisava olhar para o cru da humanidade.
- Mãe, quando der, vamos visitar minha tia Soraia e minha tia Holga?
- Tá bom, assim que a gente almoçar a gente vai.
O almoço só foi sair no meio da tarde, mas como minha mãe disse, aconteceu. Pegamos o carro, meu pai foi dirigindo, eu ao seu lado sentando no banco da frente e minha mãe foi junto com meu sobrinho Hugo sentados nos bancos atrás. Minha tia Soraia foi a primeira a visitarmos. Ela não estava na casa dela, estava na casa de outra tia minha, ambas eram irmãs do meu pai. A distância era um pouco longa, acho que gastamos uns vinte minutos até lá.
Quando chegamos, minha tia Soraia estava na porta, sentada numa daquelas cadeiras de fio de nylon, fazia muito calor naquela hora e a maioria das pessoas tinha o costume de ficarem sentadas na beira da rua.
- Oi tia, como a senhora ta? Disse eu a ela.
Nisso ela abriu a boca e começou a chorar. Deu pra ver todos os dentes dela, eram bem curtos e tortos, não sei se estavam quebrados ou se simplesmente eram daquele jeito mesmo.
- Para de chorar so! – Minha mãe deu uma bronca nela.
Talvez pela bronca, talvez porque o choro já estava lhe cansando, talvez porque esqueceu o motivo de estar chorando, poucos minutos depois já parecia estar bem sossegada em sua cadeira. Minha outra tia estava no fundo da casa, vendo que chegamos veio ao nosso encontro nos receber.
- Oi tia, como você tá?
- To bem meu filho, e você? Parece que você ta cada vez maior ou é a gente que só ta encolhendo mesmo? – Essa piada era clássica na família, mas de certo modo acho que fazia sentido. Na medida em que os anos iam passando, realmente parecia que os mais velhos só iam encolhendo. Será que, quando velhinho eu também me transformaria em um hobbit?
- Vamos entrar pra dentro gente, vamos sentar aqui na cozinha.
- Não, vamos ficar lá fora mesmo – disse minha mãe.
- É, ta muito calor hoje, lá fora ta mais fresquinho. – Comentei também.
Então todos sentaram na porta da casa. Meu sobrinho seguindo os seus instintos mais primitivos começou a repetir várias vezes a mesma frase?
- Tia, me dá chocolate. Tia, me dá chocolate. Tia, me dá chocolate. Tia, me dá chocolate. Tia, me dá chocolate.
- O Huguinho não tem chocolate, mas tem aquela bolachinha de morango que você gosta, você quer?
- Não, eu quero chocolate.
- Hugo! Para com isso! Daqui a pouco a gente compra um chocolate pra você – Disse minha mãe para ele.
- Você quer ir no supermercado então? Haha eu já to oferecendo pra ela, pra gente ir no mercado tem mais de semana e ela não quer, agora de repente ela resolve ir. – Disse tudo isso em um tom brincalhão, meu pai, porque minha tia Soraia pediu pra ele que a levasse no supermercado.
- É que eu quero comprar umas coisas pra casa sabe? Um papel higiênico, um sabão pra lavar roupa, tem uma marca que deixa as roupas muito cheirosas, você só põe um pouquinho e rende até. Acaba que compensa.
- Então vamos lá – Nisso meu pai e tia Soraia entraram no carro e saíram, deixando eu, minha mãe, minha outra tia e o pequeno Hugo conversando a beira da rua.
- Tia, me dá bolacha – Pediu meu sobrinho.
- Vou lá pegar pra você fi.
- Não, vai lá e pega Hugo, você dá conta – Retrucou minha mãe.
Meu sobrinho levantou e foi buscar suas bolachas na cozinha.
- Hoje eu fui fazer uma omelete né, dae a Soraia não deixou eu fazer, falou que ela que ia fazer, que eu não sabia mexer com isso. Ou, mas ela colocou tanto ovo na omelete, um tanto de sal também, que acabou virando um ovo mexido.
- Ela perdeu a mão pra cozinhar né, depois do derrame? – Perguntou minha mãe.
- Perdeu, ela não tá muito boa pra cozinhar mesmo não, a omelete, aliás, o ovo mexido né, ficou super salgado.
- Nossa que estranho, minha tia Soraia era tão boa pra cozinhar.
- Ixi, depois que ela teve o derrame, até pra fazer crochê, ela não tá dando conta. Antes ela fazia um tapete enorme, num instantin. Hoje em dia, ela começa, vê que não tá dando conta, enfeza, desmancha tudo e joga pra lá. – Comentou minha mãe.
- Caramba! – Foi a única coisa que eu consegui dizer.
- E o Marcelo seu filho, ele ta namorando? – Perguntou minha mãe pra minha outra tia.
- Tá nada. A namorada dele deu um pé na bunda dele. Agora ele fica aí, quase todo dia enchendo o cú de cachaça. Mas se ele ta pensando que eu vou ficar sozinha, rumn, ele tá muito enganado. Eu vou só dar uma repaginada em mim, porque eu to meio caída e vou à luta minha filha.Você não gosta de ficar sozinho não, né Miguel?
- Quase ninguém nesse mundo gosta tia, são poucos que tem esse dom.
- Nossa, ficar sozinha é muito ruim. Você adoece, não tem ninguém pra cuidar de você, pra te dar um remédio, pra dormir junto, é muito ruim. – Respondeu minha tia.
- Não deveria ser assim né. Precisar casar, pra não ficar sozinho. Todo mundo poderia ajudar todo mundo, até mesmo aqueles que a gente não conhece. – Disse eu à ela.
- Pois é, que nem uma tribo né. Os índios que são assim. Às vezes, eu acho que eles é que são espertos viu. – Colocou sabiamente minha tia.
- Pois é, também acho tia.
Logo em seguida meu pai e minha tia Soraia retornaram trazendo as compras. Uma das compras inclusive, era um saco de bombons. Imaginem vocês, que mais uma vez movido por seu instinto primitivo, os olhos do meu sobrinho brilharam ao ver esse saco de bombons.
- Vovó me dá chocolate.
- Tá bom, vai lá e pega meu filho.
Ele já saiu correndo pra buscar os chocolates.
- Você já vai encher o menino de doces – Comentou meu pai.
- Ai, ele nem come o dia inteiro como você ta dizendo, come? – Minha mãe perguntou isso olhando pra mim, na esperança que eu fosse concordar com ela.
- Na verdade, come sim mãe. Ele come o dia inteiro assistindo televisão.
Então, Hugo voltou com as mãos cheias de bombons. Arrependida minha mãe ordenou que ele pegasse só um bombom pra ele e que desse os outros pros demais que estavam ali. Com os olhos cheios de água o menino começou a oferecer os bombons para as pessoas, numa tristeza que quase dava dó. No fundo era um bom menino, só estava sendo uma marionete do próprio estômago.
Passado esse episódio e por insistência do próprio Hugo, decidimos ir embora. Quando despedi da minha tia Soraia, abriu a boca pra chorar mais uma vez, mais uma vez foi repreendida pela minha mãe, a única novidade foi que meu sobrinho disparou a dar risada. Qual era a graça que via naquilo? Talvez a miséria e o cômico sejam muito parecidos e nem sempre as crianças saibam fazer a distinção entre eles.
Na volta pra casa, foi justamente o momento em que meu peito estava apertado, foi o momento que percebi que de algum modo meu pai compartilhava dos meus sentimentos, provavelmente por ter visto a situação em que se encontrava a sua irmã. Passei a viagem toda num absoluto silêncio. Quando chegamos em casa, assim que descemos do carro, avistei minha tia Holga fechando o portão da casa dela. Era vizinha nossa. Saí do carro e fui diretamente em sua direção.
- Tia Holga?
- Ô Miguelzin, nem vi que você tava aí. Faz muitos dias que você chegou?
- Faz não tia, eu cheguei ontem à tarde.
- Vamo entrar meu filho.
- Vamos sim tia.
- Então vamo ué.
Não sei se minha mãe estava esperando por isso, mas a maneira como eu aceitei o convite tão rapidamente, não restou outra alternativa a ela que não fosse entrar também. Descemos então a rampa para carros que dava acesso a garagem da casa e logo depois visualizava-se a porta da sala. Do lado esquerdo da rampa ficava o jardim dos meus tios, ainda era um jardim com muitas plantas, porém já não estava tão bem cuidado como na época em que eu era criança. Meu tio era muito zeloso com as plantinhas, na minha cabeça era o jardim mais bonito do mundo, não podia ser, mas pelo menos da rua era, todos ficavam admirados com as flores que meu tio cultivava. Mas ultimamente ele estava muito doente e já não conseguia levantar-se da cama e a saúde da minha tia já não estava das melhores também, sendo assim, eles não conseguiam cuidar do jardim com o mesmo zelo de antes.
Quando entramos na sala dei uma observada em toda ela. Que diferença! As paredes estavam com a pintura desbotada e em muitos lugares estavam cheias de reboco feito com barro. Na minha infância e quando meus tios eram mais novos, aquela sala era magnífica, tudo sempre muito limpo, os móveis brilhando e distribuídos de uma maneira que sempre se tinha aquela sensação de que ali naquela casa até o chuveiro era sério e respeitoso. Mas para além das paredes, havia poucos móveis na sala, somente um sofá encostado num canto, uma cadeira perto da entrada que dava acesso à sala de jantar e alguns colchões e estrados de cama encostados em outra parede. Lembro que ela começou a dizer sobre o seu neto, que havia dado um dinheiro para ele, mas a mãe acabou gastando e o menino ficou muito bravo. Mas de repente algo na conversa me chamou a atenção: ela disse que seu netinho não gostava de gente preta e de uma maneira muito natural. Como assim? O menino já tinha nascido com um dom pra nazista? Não, minha tia dizia tudo aquilo com um certo orgulho possível de ser lido nos seus olhos.
- Vamos embora então – Minha mãe já ia se levantando quando eu a interrompi.
- Meu tio tá dormindo tia?
- Vamo lá ver ele, vamo lá.
Acho que até levantei do sofá em que estava primeiro do que ela levantou-se de sua cadeira, depois nos dirigimos pro quarto. Meu tio estava deitado no centro de uma cama de casal encoberto por um lençol branco. Os móveis do quarto ainda eram os mesmos da época da minha infância, todos de madeira maciça e bem ornamentados: uma cama, um grande guarda roupas fixo na parede e de frente pra cama uma cômoda com um grande espelho oval ligado a ela logo acima. Minha cabeça girava por causa das perguntas que não paravam de surgir nela. Se meu velho tio conseguisse erguer um pouco a cabeça e olhasse naquele espelho, qual seria a visão dele? O que ele pensaria sobre?
Assim que entramos no quarto minha tia puxou o lençol que o cobria revelando que ele estava usando um fraldão.
- Bem, o Miguelzin tá aqui.
- Ahn? Ah sim, é, ele foi lá ontem... disse que tava lá. – Meu tio disse essas palavras duma maneira muito desconexa.
Minha tia estava sentada na beira da cama, enquanto eu e minha mãe estávamos sentados em duas cadeiras que davam de frente pra cama. Meu tio olhava fixamente para o teto e enquanto as duas falavam sobre as plantas do jardim, ele tecia comentários que não faziam nenhum sentido. Será? O que se passava na cabeça daquele velho homem? Pensar que um dia ele já foi tão forte. Conseguia derrubar um boi somente torcendo o nariz do bicho. Um dos meus antigos heróis naquela situação, a pele extremamente enrugada, parecia ser chupada pelos ossos, a carne já era muito escassa nele.
Tudo aquilo deixava-me cada vez pior. Por que eu tinha resolvido visitar eles? Quando as duas comentaram sobre as orquídeas que ficavam no quintal do fundo, era o pretexto que precisava pra sair daquele quarto e me levantei para ir ver as plantinhas. Assim que saí do quarto dei de cara com o velho banheiro mágico. Ele era todo azulejado com azulejos na cor de um verde água bem forte, lembro que quando tomava banho naquele banheiro parecia que me encontrava em outro universo. Agora figurava ali a cadeira de rodas do meu tio.
No quintal do fundo, seguia nas paredes e muros, grandes rebocos de barro fazendo assim um plano de fundo tenebroso para as pobres orquídeas. Conversamos ali mais um pouco sobre as flores que elas davam e quando minha mãe chamou para ir embora dessa vez não recusei, na verdade aceitei de cara.
- Não gente, fica mais.
- Não tia, a gente precisa ir embora, ainda to meio cansado da viagem. Preciso descansar.
- Tá bom meu filho, depois eu vou lá te ver então.
- Vai mesmo tia, to te esperando então.
Chegando em casa eu simplesmente desabei em um dos sofás, meu pai mais uma vez se encontrava desmaiado em outro. A sala estava escura, o sol já tinha se posto, liguei a TV e coloquei num canal de jazz clássico, essa era uma das poucas serventias que a TV a cabo dos meus pais tinha. Os solos de sax e trompete fizeram-me esquecer um pouco dos meus tormentos, acho que até cochilei um pouco.
Quando acordamos já estava quase na hora de irmos para a festa de Natal que ia ser na casa de uma prima distante da minha mãe. Lembro também que um pouco antes de começarmos a arrumar para a festa eu e meu pai tivemos uma discussão sobre os rumos que minha vida tinha que seguir.
- Eu ainda não conformo de você ter largado sua carreira acadêmica.
- Por que pai? Eu já te disse mais de uma vez que a faculdade abriu muito meus horizontes, mas hoje em dia se eu continuasse lá eu só me limitaria. Não quero mais ter que ficar cumprindo prazos e escrevendo coisas que ninguém lê pai, aquilo lá é uma grande bolha.
- Mas meu filho, se você realmente quer mudar o mundo, você precisa ter uma estrutura, você precisa ser alguém. Ser um doutor, um juiz, pra poder dizer como as coisas vão ser.
- Hahaha – não consegui conter o riso – Pai, você realmente acha que ocupar uma posição de poder dessas, vai adiantar? Você acha que eu não seria assassinado ou deposto?
- Ué meu filho, mas o lá da Amazônia também foi morto... o... o... o Chico Mendes.
- Pois é pai, pra mim tem que mudar tudo, não dá pra querer ficar subindo e depois mudar as coisas. Ma sei lá viu, eu ando bem descrente, eu tenho a plena ciência que as coisas só vão mudar quando as pessoas quiserem que mude, quando a maioria das pessoas fizer pra que mude.
Nisso o velho parou, mirou ao longe e disse:
- É, é tanta hipocrisia, tanta podridão, isso inclusive a minha volta, na minha própria família, eu não dou conta de fazer nada.
- Mas é porque a maioria das pessoas pensa assim, que não pode fazer nada, que as coisas não mudam.
- Fazer o que meu filho? O que é que eu posso fazer? Eu não to dando conta de ajudar os meus próprios irmãos.
Agora foi a minha vez de mirar ao longe. O velho também estava certo. Tanto eu como ele, sabíamos que o buraco era muito mais em baixo, na verdade, acho que a maioria das pessoas sabia disso, mas afinal, todo mundo tinha que sobreviver.
Na festa de Natal, tudo normal. Era notável que não haveria barracos como no ano passado, a família da minha mãe era muito mais contida e havia ali poucas pessoas. Quanto menos gente houver, menor o risco de barracos. Minhas primas estavam parecendo duas modelos, dois mulherões e uma delas tinha apenas quinze anos.
- Meus Deus! Você ta cada vez maior! – Falei pra ela quando a cumprimentei. Que frase de velho essa minha, ela nem se deu ao trabalho de responder-me.
E realmente o resto da noite foi bem tranquila, comemos muito, bebemos um pouco, contamos algumas piadas, fizemos a reza na hora da virada. Só teve uma tia minha reclamando sobre as músicas, de que não gostava de Pink Floyd e que preferia Gustavo Lima, vai entender né. E ela não estava já velhinha pra isso não? Enfim, acabamos voltando pra casa até um pouco cedo.
No dia seguinte, madruguei. Fiz minha mala, decidi colocar o pé na estrada. Escrevi um bilhete de despedida pros meus pais e deixei em cima da mesa da cozinha. Nele desejava feliz Natal pros dois e um feliz ano novo também, agradecia por toda hospitalidade e também dizia como os amava. Mas como assim? Vocês devem estar pensando. E toda aquela tristeza crescente, pra onde foi? Realmente é só um babaca amargurado, criticando tudo que vê.
A parte do babaca deve ser a maior verdade de tudo isso. Mas querem saber o real motivo da minha tristeza? O que me deixa mais triste não são as pessoas, mas sim a condição em que estamos inseridos. Ver as pessoas que amo nessa condição. Condição criada pela própria humanidade, me entristece saber que somos responsáveis por isso, por nossa própria cova e cada dia que passa estamos nos encaminhando pra ela. Todos nós, no meio disso cada uma faz suas acrobacias, mas não adianta, cedo ou tarde vamos estar como meu tio, olhando para o teto branco e caso consigamos erguer um pouco a cabeça vamos nos deparar com o nosso próprio reflexo, o reflexo de toda uma vida e que agora está moribunda e no fundo do espelho a morte nos olha e ainda dá uma piscadinha.
Abri a porta da cozinha, saí e antes de ir pra rua acendi um cigarro. Não costumava fumar, mas nessa ocasião que se foda, era a minha piscadinha pra morte também. Nisso meu tio Arnaldo chegou.
- Cara, você não tem um Legião Urbana aí, pra eu escutar?
Eu não era muito chegado na banda, mas fucei no meu celular, que não era dos mais modernos mas tocava música, e por incrível que pareça acabei achando algumas músicas do acústico deles.
- Tem essa aqui oh. – E coloquei a música pra tocar. Era Teatro dos Vampiros.
- Noh Renato Russo hein cara.
- Pois é – dei mais uma tragada no cigarro.
- Me arruma um cigarro?
- Arrumo sim. – Tirei um do maço e joguei pra ele, quando colocou na boca já acendi.
- Você ta aonde?
- To em Campinas tio.
- Campinas. O Mário Augusto fez medicina em Viçosa, ele até tentou passar em Campinas, mas não deu conta.
- É mesmo? Medicina lá deve ser muito concorrido né.
- Medicina cara, você tem que ser o... Ele morava com uns japoneses. Eu conhecia muitas pessoas, de todos os lugares. Conhecia os japoneses, os alemães, os europeus. PAIS E MÃES PASSEANDO COM OS SEUS FILHOS PRA CIMA E PRA BAIXO.
Nessa hora apaguei meu cigarro e senti um arrepio que começou no inicio da minha espinha e foi até o final. “Pais e mães passeando com os seus filhos pra cima e pra baixo”. Mario Augusto nunca existiu, o meu tio era esquizofrênico, mas nesse exato momento, com aquela frase entendi que diferentemente de nós ele estava livre de tudo isso. Será? Nunca iríamos saber, só isso já o colocava em outro patamar.
- Tchau tio. – Com os olhos cheios d’água abracei-o fortemente, acho que eu nunca havia feito isso antes. Virei-me e saí.

- Tchau Miguel – Meu tio nunca acertava o meu nome, aquela fora a primeira vez.   

Rima

Rimar em "or",
faz favor,
é clichê!
E em "ão"
então:
de doer!
Mas seja firme:
rime
com prazer!!!

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A bailarina


Amanheceu o sábado.

Ela levantou cedo. Não queria perder um segundo. O banho foi rápido, o café igualmente.

Foi ao armário. Lá estava a fantasia. A bailarina.

Dançou dos três aos 12. Parou: o quadril cresceu mais do que a professora de balé poderia aceitar. A fantasia era uma lembrança. E uma frustração.

Tirou-a do armário e do cabide. Estendeu sobre a cama e observou por alguns segundos. Os segundos viraram minutos de contemplação. Era muito bonita a roupa da bailarina.

Lembrou da infância. Uma lágrima escorreu discretamente.

Tirou o pijama e começou a colocar a fantasia. Mas a roupa da bailarina parecia ter alguma coisa errada. Não entrava. Não cabia na roupa da bailarina. Tentou mais uma vez.

Lembrou da professora do balé. E das outras bailarinas. Ia sempre assistir. Gostava de balé. Era apaixonada. Mas odiava um pouco as bailarinas. Pensou que a professora talvez tivesse razão. Definitivamente, não tinha jeito para bailarina.

Foi então que rasgou a roupa da bailarina. Inteira. Desfiou algumas partes, costurou outras. Em pouco mais de uma hora, tinha outra fantasia.

Odalisca.

A odalisca é uma bailarina gostosa, pensou.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

SEIO DE NATAL

SEIO DE NATAL

As lembranças
Carinhosamente chamada pelos amiguinhos mais próximos de Nat, Natália era para Natanael a menina dos seus olhos, a sua grande paixão e verdadeira musa inspiradora, desde os tempos de infância. Uma linda bonequinha, sempre recatada, tímida, e que, hoje, ganhou formas esplendorosas, curvas inebriantes de bela e escultural mulher.
Nunca saiu da cabeça de Natanael todas aquelas divertidas brincadeiras com ela no pátio da escola – esconde-esconde; pega-pega; beijo, abraço, aperto de mão; cabra-cega; passa anel; - principalmente as trocas daqueles deliciosos pedaços de doces e lanches no recreio; os beijinhos inocentes que ela dava melando o seu rosto de chocolate, além, é claro, dos seus cabelinhos loiros encaracolados deixando-a bem-parecida com um anjinho. E o fato de Natanael sentar-se ao seu lado na sala de aula, nutria, fazia crescer ainda mais a sua admiração, o seu amor pela Nat. Ah! Lembranças angelicais, encantadoras, que guardava na memória por anos a fio.

O grande sonho
O tempo foi passando, passando, os amiguinhos se formando e cada um seguindo o seu próprio caminho. Mas, a paixão pela Nat não passou, muito pelo contrário, só foi aumentando, aumentando, sem que ela nunca sequer tivesse percebido qualquer coisa, já que Natanael cultivava por ela um gigantesco e, porque não dizer, intrínseco amor platônico. Por isso, há anos, ele alimentava o grande sonho da sua vida: o de passar uma inesquecível noite feliz perto da sua tão querida Nat.

Os pensamentos
Todo dia, toda hora, em todos os lugares, era assim: Natanael trabalhava, estudava, malhava, dirigia, tudo o que fazia, fazia sempre pensando nela. Era Nat daqui, Nat dali, enfim, o nome da sua amada retumbava em sua cabeça, não saia de jeito nenhum do seu pensamento. E, ano após ano, toda vez que novembro despontava, véspera dos preparativos para as Boas Festas, Natanael embalava ainda mais o seu sonho e também os seus mais íntimos desejos espalhados e espelhados na atmosfera cristã de presépios, do badalar incessante e tocante dos sinos de Belém. – Esse ano tudo vai ser diferente, eu tenho certeza, pensava ele. Passarei o Natal ao lado de quem eu realmente amo muito. Dessa vez, vou me revelar. Ah! Se vou, completava ele.

O pedido de Natal
Seu sentimento pela Nat era tão grande, mas tão grande, que Natanael parecia uma criança carente esperando ansiosamente pela merenda escolar. Assim, não via a hora do Papai-Noel chegar ao shopping da cidade para dar-lhe as boas-vindas, aquele forte abraço e, ao mesmo tempo, de fazer o seu tão desejado pedido, entregando-lhe em mãos a sua cartinha onde escrevera pedindo a Nat de presente de Natal. Apesar do seu total envolvimento com aquele sentimento avassalador, ao ponto de achar o seu pedido uma coisa comum, ele refletia: - O que Papai-Noel vai pensar quando ler a minha cartinha? Qual será a sua reação? Porém, como sempre se comportou muito bem, Natanael acreditava piamente que o bom e velho Noel - um ser humano que era todo coração, iria fazer o impossível do impossível para realizar o seu pedido.

Clima de festas
Nessa época, o clima das festas de fim de ano já começava magicamente a iluminar todos os cantos da cidade. As portas, vitrines, fachadas e jardins das residências, lojas, empresas, enfim, as ruas e avenidas ganhavam, novamente, todo o esplendor, toda a beleza e encanto das decorações natalinas: luzes coloridas e pisca-piscas formando belíssimas imagens; papais-noéis simpaticamente rechonchudos, sorridentes e barbudos; as renas e seu trenó; guirlandas de flores, frutas ou ramagens representando prosperidade, evolução e recomeço; sinos, duendes, anjos, árvores dos mais variados tamanhos enfeitadas com bolas vermelhas, azuis, prateadas, douradas... Ah! E os tão esperados presentes! Por falar em presente, numa noite dessas, Guilherme reuniu os seus amigos de puerícia – Natanael, Drica, Heitor, Lara, João Pedro, Gabriela, Johanes e Nat; e fez a todos um convite muito especial: desejava que estivessem presentes em sua casa na noite de 24 de dezembro para o amigo-secreto e também para comemorar a chegada do Natal com muita alegria, amor e saúde. Na mesma hora, todos aceitaram, e rapidamente fizeram os papeizinhos com seus nomes para o sorteio. Por obra do destino, sabe quem Natanael tirou? Nem precisa responder, não é mesmo?
Para ele, o seu tão desejado pedido de Natal estava próximo de se realizar, graças ao convite de Guilherme e, principalmente, àquele resultado que só evidenciava a sua tamanha sorte. Sem demonstrar qualquer sentimento ou reação exterior, por dentro, Natanael estava esfuziante como ninguém.

A busca incessante pelo presente de Nat
Por vários dias, lá estava Natanael em busca pelo inusitado presente que daria à sua tão amada amante, uma vez que se considerava muito mais do que simplesmente o seu amigo-secreto. Na verdade, era ele o seu amante secreto. Ninguém da turma sabia disso, muito menos Nat. Era um segredo guardado a sete chaves. Mas que, uma hora ou outra, teria que ser revelado. E porque não no dia da revelação do amigo-secreto?
Natanael corria incansavelmente seus olhos pelas vitrines das lojas pesquisando algo que não apenas surpreendesse, mas, sim, que, também, representasse tudo aquilo que sempre sentiu em seu coração. Contudo, até então, nada de encontrar. Natanael perguntava a si mesmo: - O que seria assim tão singular, único, que fizesse com que os olhos de Nat ganhassem um brilho todo especial e passassem a olhar para mim de uma forma diferente? Essa era a pergunta que não queria calar. E Natanael continuava a sua via-sacra, batendo perna, pensando, matutando, sem encontrar qualquer resposta. Até que numa noite quente da última semana de novembro, lindamente enluarada e repleta de estrelas, uma delas, a cadente, iluminou sua visão quando estava bem em frente a uma joalheria. – Achei, pensava ele alegremente. Por que não pensei nisso antes? Uma jóia em forma de estrela! Uma linda jóia para outra jóia! Não há mulher que resista!
Rapidamente entrou na loja e comprou aquele belíssimo colar 18 k maciço que tinha como pingente uma estrela de Davi trabalhada em ouro branco e amarelo, símbolo de proteção ao seu grande amor. Um presente que, com certeza, iria agradar em cheio, chamando a atenção e, quem sabe, conquistando o amor da sua pretendente.

O amigo-secreto
Enfim, chegara o tão esperado dia D. Ou melhor, a noite D, carregando consigo um certo ar de paz, tranqüilidade e romantismo. Presente muito bem escolhido e embrulhadinho, lá vai Natanael, todo produzido e exalando um sedutor perfume cítrico, rumo ao seu importante encontro natalino, assoviando alegremente “Noite Feliz” para disfarçar sua ansiedade. Lá onde estaria toda a galera, onde estaria também o seu pedido especial de Natal – Natália, a mulher da sua vida.
Chegando à casa de Guilherme, iniciam-se os beijos e abraços emocionados entre os amigos da turma. Quase todos já estavam ali, menos Nat. Natanael, pensando alto, dispara: - E a Nat, ainda não chegou? Guilherme prontamente responde: - Até agora, não! Parece que teve um problema com o carro e vai se atrasar!
Natanael disfarça, abaixa a cabeça e fica pensativo andando pela sala. Passam-se quinze, trinta, quarenta e cinco minutos, uma hora além do horário combinado para a revelação e nada de Nat aparecer. Angustiado, ele acompanhava a corrida do seu relógio. O tempo voava rapidamente e se aproximava cada vez mais da meia-noite, quando Guilherme intercedeu: - Pessoal, infelizmente, terá que começar a revelação do amigo-secreto. Quem tirou a Nat, depois se revela e entrega o presente para ela, ok!
Subitamente, o pacote que Natanael segurava firme e ansiosamente em sua mão cai ao chão quando ele vê o seu sonho desmoronando. Seus olhos tristemente se fecham, seu rosto franze, seu semblante apaga.
O amigo-secreto começou a ser revelado, mesmo sem a presença da Nat. Os presentes começaram a ser trocados e abertos como os inúmeros sorrisos de alegria, até que, no final, Natanael sobrou, literalmente! Ele acabou não entregando nem sequer recebendo o seu presente, revelando que, além de amigo-secreto de Nat, por ironia, Nat também era a sua amiga-secreta. Que situação constrangedora!
De repente, trimmmmmm, o telefone toca lá no canto, quebrando o silêncio que acabara de se instalar naquele instante. Guilherme atende rapidinho! Era a Nat justificando-se pelo atraso e avisando que logo, logo estaria chegando. Um certo alívio torna a fisionomia de Natanael mais leve e alegre.
Passados alguns minutos após o telefonema, Nat, maravilhosa como sempre, trajando um lindo, estampado e decotado vestido de alcinha, chega ao encontro dos seus amigos, de mãos vazias, após uma noite repleta de problemas. Pede desculpas a todos e, principalmente, a Natanael, pois, devido às excessivas jornadas de trabalho tinha deixado para a última hora a compra do seu presente e que, por fim, acabou não fazendo por causa do acidente de trânsito em que se envolvera, causando-lhe inúmeros transtornos.
Todo receptivo, compreensivo, Natanael aproximou-se dela, deu-lhe um gostoso abraço e também o seu presente, dizendo: - Estou muito contente por ter vindo, viu! E também por estar tudo bem com você agora! Aliás, aqui está o meu presente de amigo-secreto, espero que lhe traga muita proteção!
Nat, completamente emocionada e com os olhos cheios d'água, pega aquele embrulho caprichadinho, devolve fortemente o abraço a Natanael acompanhado de um beijo longo e carinhoso em seu rosto, inclina-se para sentar-se no sofá e abrir, com calma, o seu presente, quando, sem perceber, expõe, assim visceralmente, num lento, provocativo e instigante movimento, toda a sua nua fartura peitoral, deixando Natanael sem jeito, desorientado e sem graça!

Nat presenteia Natanael de uma forma inesquecível.
E, naquela noite feliz, o maior presente que ele poderia ter ganho de Nat realmente foi a visão estonteante, delirante daquele bem modelado, rígido, virginal e exuberante seio. Um inesquecível seio de natal.



 Obs:

• SEIO DE NATAL, conto extraído do livro “Só Concursados – diVersos poemas, crônicas e contos premiados” – 2010.