A peleja de Marx com Bakunin:
o manifesto comunista versus a Comuna de
Paris
Num país imaginário, numa época longínqua, um
seleto grupo reuniu-se numa taberna encantadora, para comer, beber e jogar
conversa fora. Um pomposo "banquete", salientou Platão.
A confraria de amigos reunia-se com costumeira
frequência na taberna, mas aquela, em especial, tinha um frescor divino, pois
era a última ceia do ano. Eu estava de passagem pelo local e me deliciava com
os comensais.
Tudo ia muitíssimo bem, até que um velhinho
barbudo, depois de várias Weißbier na cachola, resolveu subir à mesa e
conclamar os demais.
– Proletários de todos os países, uni-vos!
– Aqui não é lugar para propagar ideias
autoritárias, bradou outro velhinho barbudo, com forte sotaque russo.
O que até então era um ambiente de relativa
tranquilidade transformou-se num fecundo palco de debates.
– Quem é você para me questionar, seu burguês de
uma figa!
Bakunin, o russo, não deixou por menos:
– Vocês marxistas alegam que o proletário chegará
ao poder, eu os refuto, pois "sob qualquer ângulo que se esteja situado
para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo
da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada.
Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com
certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou
representantes do povo, cessarão de ser operários e por-se-ão a observar o
mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si
mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a
natureza humana”.
– Cale-se, seu anarquista de meia-tigela!
"Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem",
verberou uma senhora, dona Rosa Luxemburgo.
A taberna, daquele momento em diante, tornou-se uma
épica peleja entre os simpatizantes do alemão, Carlos Marx, e dos adeptos de
Marco Bakunin, o russo.
– "Nenhuma revolução social pode triunfar se
não for precedida de uma revolução nas mentes e corações do povo",
vociferou Pedrão Kropotkin, pendendo para o lado de Bakunin e abandonando a sua
sopa de batatas.
– Meu nobre senhor, isso é um plágio, pois
"assim falava Zaratustra", questionou um senhor até então calado, que
ostentava um bigode bem estranho.
Um cidadão, com o nome de Manuel Kant, que
acompanhava a contenda, interveio:
– Vocês estão divagando, meus caros, isso foge da
mais elementar "razão pura".
– Essa discussão estéril, com uma legião de
sectários, são as causas e "origens do totalitarismo", argüiu a meiga
Hannah Arendt.
Um italiano, de alcunha "Malatesta", que
saboreava uma bela massa, manifestou em bom tom, "anarquia, este sonho de
justiça e de amor entre os homens".
– Anarquia é uma falácia, a mudança só virá através
de uma "revolução permanente", inferiu um ucraniano chamado Leôncio
Trotski.
Sir Huxley, completamente extasiado, vislumbrava
com o litígio um "admirável mundo novo".
Um francês, que entrou por engano na taberna,
desabafou ao dono do comércio, numa fusão de línguas:
– Ces personnes não entendem l'essence humaine,
precisamos de questões existenciais, je parle com propriedade.
Outro francês, que estava ao lado e um pouco
embriagado, ouviu só o final da frase e ficou enfurecido. Bradou retumbante:
– Falaste em propriedade? "A propriedade é um
roubo!”.
O circo estava armado! A algazarra tomou conta e a
taberna social clube materializou-se dialeticamente num picadeiro. Uma “divina
comédia”.
"Em busca do tempo perdido" retirei-me da
taberna, juntamente com os meus amigos, "os Irmãos Karamazov".
"Madame Bovary" me aguardava em casa. Se não chegasse em casa no
horário, iria sentir na pele a "microfísica do poder". Só quem
conhece a bela dama tem noção do seu explosivo temperamento e é capaz de prever
a fúria que emana daquele "Leviatã".
Não presenciei o desenlace, o the end da história.
Só sei que não sobrou pedra sobre pedra e a humanidade nunca mais foi a mesma
depois daquela peleja.
---
Gustavo Corrêa Barreto
http://papo-petisco-pinga.blogspot.com.br/
Um comentário:
Muito legal o lance de misturar vários discursos. Mas podia ter aprofundado; todos ficaram com cara de "participação especial"... Mas tá valendo.
ficanapaz
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