terça-feira, 28 de maio de 2013

Quim Bob Dylan


Quim Bob Dylan

             Existem aquelas personagens que nos ficam para sempre na memória. Umas pelas piores razões, mas outras pelos momentos inesquecíveis vividos.

Joaquim Ricocas, ou Bob Dylan, alcunhas pelas quais era conhecido na cidade pacata do baixo Minho, era uma pessoa bastante excêntrica. Talvez se tivesse nascido e vivido em Nova Iorque não fosse apelidado assim. As pequenas localidades portuguesas criam as suas personagens sem o mínimo respeito pela condição humana. É uma realidade que nenhum de nós pode fugir.

Convivi muito de perto com o Joaquim e pude constatar que era uma pessoa de bom coração. Um pouco fora do ser comum, tanto na sua fisionomia, como nos adereços que ele fazia questão de exibir.

Tinha lutado na guerra colonial, havendo quem dissesse que ficara com aquele aspeto e discurso, devido a traumas da guerra. Mas eu não queria crer que fosse tudo disso. Havia algo nele mágico de uma autêntica pop star. Era um homem de estatura baixa, todo ele ruivo, usava uma barba muito esmerada e um cabelo liso cumprido que o entrelaçava em tranças finas. Havia quem dissesse que dormia com uma touca para não estragar o penteado. Coisa que eu acreditava, como verificou-se mais tarde.

Toda esta emblemática personagem tinha os seus seguidores, nas suas incursões musicais pela cidade, muitas vezes em autênticas serenatas do tipo medieval. Ele era um exímio tocador de guitarra, aliás tocava qualquer instrumento musical de ouvido. Daí o apelidarem de Bob Dylan, cantava e tocava apaixonadamente e o curioso é que cativava quem por ele passava e o ouvia.

Uma das características muito peculiares do Joaquim era a linguagem usada, tanto a falar normalmente como a cantar. Quase todas as frases que dizia eram de um surreal soberbo, mas às vezes de difícil interpretação. Mas era bastante agradável de ver e ouvir o maravilhoso mundo de Joaquim.

Quando estava bem-disposto e queria borga não faltava quem o acompanhasse nas suas incursões, muitas vezes para outras cidades. Depois de emborcar os copos de vinho branco, as coisas afinavam e ele executava excelentes shows musicais e teatrais. Para dar uma ideia do discurso desencontrado para o cidadão comum da cidade, muitas vezes começava assim uma conversa: - Ontem esteve um dia de gesso cré, passei pela rua dos candeeiros e só vi esferovite negra.

Ou então: - Anda-me a caçar se tiveres bombazine grossa!

Eram frases completamente disparatadas, e difícil era de entender o que Quim Ricocas dizia.

Quem o visse, espantava-se, pelo seu visual excêntrico. Os sapatos tinham um salto de quinze centímetros, as calças feitas por ele, ao boca-de-sino, ilustravam a época dos anos 60. Além disso costumava usar umas blusas que faziam lembrar artistas circenses.

Muitas vezes era incitado a fazer serenatas a meninas burguesas da cidade, para regozijo de alguns que se queriam divertir com aquelas performances de Quim. A maior parte das vezes, aquelas declarações de amor cantadas e tocadas ao som de acordes melodiosos da sua guitarra, eram respondidas com o chamamento das autoridades por distúrbios da ordem pública.

Havia noites que me cruzava com Quim, que me saudava fugazmente, e daí surgiam, por vezes, reuniões amigáveis, como a de um dia que o levei a minha casa, e depois de uns copos bebidos, e de declamações poéticas descabidas, como era costume nos seus rituais, quis comer os meus peixinhos de aquário. Chegou mesmo a meter a mão dentro do aquário, não fosse eu, desviá-lo de lá, não sei o que aconteceria. Nele eram previsíveis as coisas mais invulgares.

No fundo, apesar do seu visual meio brejeiro, eu gostava dele. Tinha sido a sociedade que tinha feito aquela personagem. Dentro do trauma da guerra colonial e da não-aceitação do politicamente correto da sociedade, era um homem de bom coração. Fazia-me um pouco de impressão, como podia ele nunca tirar os seus óculos, tipo rayban, de lentes espelhadas. Até quando dormia não tirava os óculos, aliás pude constatar isso aquando de um acampamento que ele apareceu. Dormiu ao meu lado na tenda, praticamente sentado e de óculos postos. Por último a sua barba tinha-se transformado numa longa trança barbal.

Naquela noite que dormiu na minha tenda, estivemos ao rubro; fomos ao bar da praia, e estando lá um senhor a tocar concertina, logo Joaquim interagiu pegando na sua guitarra, cantando e tocando ao desafio. Fora um momento único, toda a gente presente maravilhava-se com aquele espetáculo musical. Como se não chegasse, logo de seguida, quando o bar fechou fomos todos para a cidade de Caminha, numa “excursão”, de carros, com a motivação para uma noite de glória.

Quando caminhávamos pelas ruas históricas de Caminha, onde os bares se multiplicavam ao nosso passar, Quim, ia entrando num e noutro, para espanto das pessoas que lá estavam. Então, às vezes entrava só para largar uma “farpa”, ou libertar uns gases, numa tentativa, animal, de marcação de território. Passado um tempo, já tínhamos um regimento de pessoas, que se tornaram fãs de Quim, andamos pelas ruelas com Quim reproduzindo suas baladas. Demos a volta à Sé de Caminha em plena apoteose. Foi uma noite em grande, momentos únicos que passamos, e de volta ao acampamento, e já exaustos, fomos para a tenda. Quim simplesmente se sentou, protegendo o seu cabelo, e sem tirar os óculos, ficou mesmo assim todo o resto da noite.

Havia algo que já nos últimos anos que convivi com ele me deixava triste. Joaquim fechava-se em casa dias e até meses, ninguém o via. Nunca entendi a sua reclusão, ele não era de desabafar com ninguém.

Lembrei-me de falar do Quim Bob Dylan, Quim Ricocas, ou Joaquim para mim, porque deu-me uma certa nostalgia de um tempo, vivido, fora das novas tecnologias, onde os valores da amizade prevaleciam, e onde o preconceito social não existia no nosso núcleo de amizades.

Joaquim! Onde quer que estejas, estarás sempre no meu coração.

 

In “ Contos de Encantos “ a editar

Quito Arantes/Portugal

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Idioma

Tudo bem


inglês é legal, principalmente o molho

mas aqui falamos português, ô cacete!



Cansado de me sentir estrangeiro em meu próprio país



Daqui há pouco não tem tchau, só bye

e nem Oi, só Hi

Pro raio que o parta!



... Liquidação virou off

Aprendiz é trainee

Contínuo é office boy...

...e se for mais velho, é office old?



Aquele acessório do computador

sempre foi mouse

Mas ouse!



E coitados dos velhos bambas:

Noel, Cartola, Nelson Gonçalves, Gonzagão

Agora não tem mais o poético cancioneiro

chamam agora de songbook...



Glup!

desculpem falar de boca cheia

Saci, boitatá, curupira, mula sem cabeça

não foram convidados pro Halloween

mas roubei a tal abóbora,

E dá-lhe camarão na moranga

É ruim, hein???

domingo, 26 de maio de 2013

Poesia Contemporânea

poesia hoje é non sense
não pense
vomite
- ou melhor, digite -
ou pegue a caneta e rabisque
não pisque
faça cara de maluco
e truco!
causa efeito

quando encher o saco pare
tá feito

e o sentido?
esqueça
quanto mais sem pé nem cabeça
mais aplaudido
quem sabe um acadêmico
de algum gueto erudito
pague mico com um artigo
e ache relações intra e extra-textuais
(que demais!)

mas não se empolgue
isso dura até a releitura
até que amasse e jogue

NO LIXO

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Mulheres


Contrariado, Francisco matou José de tiro; E antes do sangue secar, Severino matou Francisco na faca. Por vingança, Chiquinho matou Severino a golpe de enxada. Traiçoeiro, Zico colocou uma cobra na cama de Chiquinho. Traiçoeira, a cobra mordeu Zico também.

Só sobraram as comadres, que sentaram à varanda, agulhas à mão, e comentaram com desdém:

– Esses homens...

terça-feira, 21 de maio de 2013

Asas

Cobri minhas asas
Com as cores que recolhi dos desertos.

São flores, galhos, gotas que se espalham...
São contas, penas, mistérios de um atalho.

Estrelas pulsantes, incandescentes raios,
Águas translúcidas, intrigantes relicários.

Ânforas de sóis, cântaros lunares,
Murmúrios suaves, toques e olhares...

Mel maduro sugado das tâmaras;
Fragrâncias de corpos lambuzados em âmbar.

Movimentos performáticos de mar,
Ondas enigmáticas de amor.

Óleos aromáticos, tendas de magia.
Delírio, sonhos, fantasia.

Poemas constantes, desejos incertos.

Na ruptura da aresta
de um grão de areia,
Ampulheta
vazia.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Redenção

enfrentando, à olho nu,
um vento

de cem quilômetros por hora,

minhas lágrimas,
que bravamente
resistiram a cair
na noite anterior,

depuseram as armas
e voam agora.

tanto, mas tanto,

que fecho os olhos
e continuo chorando.

André Espínola

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Escolhas de uma vida

Procuramos os caminhos a seguir nas estradas e curvas da vida. Alguns optam por esconder sempre aquilo que sonham, e acabam seguindo um sonho que não é o seu.
Outros vão descobrindo lentamente durante o percurso o que de fato faz feliz. Como comenta Engenheiros do Hawaii: “Eu não tinha nada, nada a temer, Mas eu tinha medo, medo dessa estrada”. 
Ás vezes essa estrada pode dar medo, aquela sensação de não saber se vai dar certo. Acabamos sem realizar os nossos sonhos mais profundos por medo.
Nos deixamos ser levados por opiniões de outras pessoas sobre o que é certo ou errado na nossa vida, sem nenhuma vez perguntar no espelho, se de repente não é ao contrário o que queremos de verdade.
O medo de não tentar, de cair, ou de se perder em uma curva da vida, faz as pessoas acreditarem naquilo que os outros querem.
O mundo está ai, cheio de oportunidades e estradas para serem desvendadas e escolhidas, basta que cada um acredite mais em si, sem medo de tentar, sem medo de ser feliz. Assim quem sabe, sejamos mais felizes e menos medrosos.

terça-feira, 14 de maio de 2013

A lista...


Ser bom não é fácil, dá trabalho, é preciso relevar, esquecer….
Ser bom e querer ser bom é ainda pior quando se vive em um mundo cheio de pessoas más e cruéis...

Mas ele seguia sua vontade de ser bom, mas mantinha uma lista...
A lista com todos aqueles que causaram-lhe grande dor e tristeza – e principalmente daqueles que fizeram isso sem nenhuma pena, com alegria na maldade....

Um dia, algo terrível aconteceu e não havia mais motivo para ser bom, ser bom era insuportável....
A lista apareceu....
E pessoas desapareceram.....

Seja bom. A crueldade só causa mal para quem persevera na bondade... uma vez que essa perseverança se perca, os maus terão inimigos de verdade.... "que bom".....

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A muda


Ganhou uma muda. De laranjeira.

Durante a infância, sempre enterrou os caroços de laranja no canteiro. Esperou em vão. Sempre.

Mas agora tinha uma muda. De verdade.

Deixou na varanda. No canto. Onde pudesse ficar protegida do sol em excesso. Não tinha mais quintal. Nem canteiro. Nem infância.

Era a sua muda.

Dia seguinte, acordou e foi olhar a planta na varanda. Estava igual. Do mesmo tamanho. Não havia flores. Ou laranjas. Pensou que podia ser um equivoco. E foi fazer as outras coisas da vida. Mais tarde, voltou.

Olhou mais uma vez pra sua muda.

Com atenção. Achou que havia uma nova flor aparecendo. Logo descobriu o engano. Já estava ali antes, constatou. Foi dormir.

Outro dia. Foi ver a muda na varanda.

Nada. Do mesmo jeito. Sem flores. Nenhuma laranja pendurada. Abaixou a cabeça e chorou baixo. Foi procurar as outras coisas da vida por fazer. Um tempo depois, retornou.

Mas não havia nada de novo na varanda.

Pegou o vasinho com a muda e lançou pela varanda. O barulho da chegada ao chão foi alto. Os vizinhos colocaram a cabeça pra fora das janelas e das varandas, olhando pra baixo e pra cima. Procurando. Ele também.

Como se não soubesse o que acabara de acontecer. Ou talvez não soubesse mesmo.

domingo, 12 de maio de 2013

Antirreflexo e Antirreflexo II (tabula rasa)

Memórias rasgadas
Aparentemente apagadas
Tinta bruta permanente
Permanentemente afiada

Sangra o que não deve
Porém, o que não se percebe
É o gosto...gostoso
De quem gosta do desgosto

De quem sente o assombro
De tudo que não lhe convém
Quando na melhor companhia
A solidão lhe cai bem

Memórias anuviadas
Pela tinta que dimana
E mancha a marcha do tempo
Que devagar flui como um rio...sedento

Sangria desenfreada
Sanguessugas da alma
Das almas penadas que somos nós
Sozinhos em nossos lençóis

Espelho meu abdica desta farsa
E só reflita o que for verdadeiro
Sem truques, caras e bocas 
Apenas a face hermética...ainda presa no cativeiro

Antirreflexo da felicidade
Que não suporta o fim...start da vaidade
Mesmo não entendendo
Que o mesmo está ao lado de cada início inesperado

Continua...

Antirreflexo II (tabula rasa)

Constrói a história do tempo
O tempo que se inicia após o fim inesperado
Já que juntos cursam por toda a eternidade
E combatem o antirreflexo da felicidade

Feliz seja tudo que lhe convém
E o que não...amadureça longe do seu quintal
Seja feliz mesmo que não convenha
Pois o que se colhe verde apodrece no final

Grandes novidades no museu da alma
Pinturas, musas e esculturas...de carne
A entrada é franca...ou quase nada
Apenas deixe para trás a tinta já usada

Somos tabulas-rasas prontas
Prontamente inconscientes do que nos espera
O certo é que o preenchimento é inevitável
Inevitavelmente recobre as manchas de outra era

Uma semente cresce em seu jardim
Florestas voltamos a ser
Pois mesmo em terrenos inóspitos ouve-se o toque do clarim
Proclamando que voltamos a ter...o que nos faltava...ser

Hoje, nem tintas afiadas
Nem tabulas-rasas
O preenchimento inevitável aconteceu
Assim é você...assim sou eu

quinta-feira, 9 de maio de 2013

NÃO EXISTE FATO MORAL


Sempre as fêmeas
Fascinava-me tará-las
Escutá-las
Principalmente passar a pica nelas
Intensidade sexual
O pensamento mal visto
Não há nada além disto
Um homem condicionado à promiscuidade, busca nas vagabas o supremo meter. 
Eu fodia e andava
Mas a putaria é julgada por puritanos
Nietzsche escreveu:

Não existe fato moral, mas sim interpretação moral dos fatos.

Concordo
Julgo os mortais pelo fascínio exercido
Eu comia todas
Transpirava execráveis impulsos carnais
Tinha múltiplos disks-foda
Fernanda
Helena
Cláudia
Entre inúmeras possibilidades no cardápio virtual da internet
Vou falar de duas mulheres
Meu mundo imundo
Devasso
Perverso
Abominável
Desprezível
Indecente
Deteriorado
Vai ser pessimamente comentado
Seres humanos não acreditam poder adorar duas ou mais consortes
Meter a piroca em duas ou mais pode
Amar duas é maldição
Sou franco
Estava na merda
Flávia e Luana exigiam táticas de guerrilha
Extremamente diferentes
Luana era circunspecta e não recorria ao sex apeal
Não demonstrava inseguranças 
Não gritava por atenção singular
Já Flávia berrava e batia por isso
Devassa do acordar ao dormir
Fazendo pose de domingo a domingo
Luana era serena
No leito, segredava de olhos fechados, contida num sentimentalismo poético, proferindo-se minha, adormecia.
Flávia era o avesso
Adorava escutar sacanagens
Falar obscenidades
Lembro-me dela levando tapas de uma gostosa no rabo, no próprio andamento libidinoso, enquanto nós outros lhe dávamos uma surra de picas.
Flávia era um espetáculo para diferentes indivíduos, um faustoso desempenho descarado.
Sempre indo embora depois do coito, deixando claro não existir fidelidade.
Eu não era diferente
Namorávamos degradados
Mantínhamos o espírito livre
Flávia foi reservada a mim por anos
Depois namorou Pedro, mas trepava comigo semanalmente.
Mesmo assim, tinha despeito por meu relacionamento com Luana, bem como quando namorávamos.
À época, já era extremamente ciumenta a ponto de abortar outras bucetas de minha vida
Eu era um histórico farto de infidelidades corporais 
Sendo assim, Flávia me enlouquecia.
Uma vez contei a ela que estava comendo a professora da academia
Ahhh... Joana... a professorinha mais gostosa de Ipanema.
Esse episódio foi um inferno
Lembro-me delas ao telefone
De um lado, Joana.
Do outro, Flávia.
Uma em cada linha
Reclamavam uma da outra
Peguei os telefones
Juntei-os opostamente
Escutaram uma a outra
Fui beber água
Por causa dessas loucuras meu corpo era todo marcado
Cicatrizes feitas pelas garras de Flávia
Na hora da raiva ela não tinha unhas, tinha garras, uma mutante qual Wolverine.
Doentiamente eu tinha atração por essa característica passional feminina
Voltemos à Luana
Seis meses juntos
Não mentia pra ela
Conhecia tudo de mim
Sabia que eu transava com outras mulheres
Sabia quem foram
Como foram
Quando foram
Período de conhecimento mútuo
Luana enfrentava tudo seguramente, tirando-me as marcas deixadas por Flávia.
Se Flávia perturbava Luana?
Acho que não
Luana sublimava, acreditava no passar do tempo.
Não fui fiel sexualmente à Flávia, minha alma gêmea sexual, fosse eu ser, teria sido a ela.
Digo fiel sexualmente porque sempre tive a mania rechaçada por todos de contar infidelidades carnais.
Contar aventuras parece estranho
Pra mim não era
Isso exerce fascínio nas fêmeas
De alguma forma elas conseguem ver um elo de confiança no confessar masculino
Subconscientemente elas gostam de saber que o macho delas é o King Kong da jeba roxa!
Elas não vão assumir isso nunca
Meu jeito era assim, sempre contando.
Não fui monosexual com Luana
Mas é agora que o bicho pega
Vou narrar atrocidades sexuais praticadas por mim e Flávia
Antecipo-me citando Marquês de Sade:

Na Libertinagem nada deve ser assustador, tudo é inspiração natural. Os atos mais extraordinários e bizarros, aqueles que mais flagrantemente entram em choque com todas as leis e instituições, nenhum contraria a nossa condição humana.

Quando eu e Flávia trepávamos
Gostava de espancar-lhe a face
Bater com força
Cuspir em sua cara
Em sua boca
Gozar em seu rosto
Com o meu sêmen a fazia brincar
Obrigava-a limpar restos de porra caídos no chão com a língua, de quatro.
Éramos nojentos juntos
Quantas vezes ajoelhada frente à privada, manuseando minha pica, Flávia tomou banhos de mijo, a urina escorrendo da língua pros lábios e daí para os seios.
Divina
A imagem da subserviência incondicional
Outras vezes mijava em seu rabo empinado de quatro, escoando assim o filete do jato pela caneleta encantada da bunda, formando nas bandas das ancas um rio dourado fluindo por seu cu, terminando em uma cachoeira de ouro a deslizar pela buceta encharcada de muitos outros fluidos.
Nesses momentos, Flávia bebia porra em pratinhos, tal qual uma cadela agradecendo seu dono.
Insana, degustava meu sêmen em copos como uma dama beberia um bom vinho.
Seu drinque preferido
Éramos pornográficos
Seus espasmos orgásticos eram derivados dessas ideias imundas
Flávia nunca passou de uma verdadeira putinha de banheiro
Um esgoto de mijo e porra
A escória sexual da humanidade
A Deusa dos orgasmos humilhantes
Flávia era plena e gostava do limite
Sua alma era minha
Manipulei-a violentamente por anos
Uma vez, ajoelhada no chão duro, chupou-me a pica por tantas horas que seus joelhos sangraram.
As marcas ficaram
Outra vez, já namorando com Pedro, surpreendeu-me com uma punheta na rua, meio a pessoas passando, gozei em sua mão e a mandei lamber.
Ela lambeu olhando-me nos olhos agradecida
Não satisfeitos, fodemos em seu trabalho, na cadeira do seu chefe.
Depois, no banheiro.
Extasiada, gargarejou meu amarelo excremento liquido com devoção, abaixada frente à privada.
Essa imagem dela era recorrente
Pra terminar o extenso e custoso poço de nojeiras, não posso fechar os olhos pra uma ocasião, onde comi o seu cu, dando tantos tapas em sua cara que Flávia viu azul.
Ela considerava este o nosso melhor momento
Uma vadia no melhor sentido da palavra
Sem valores éramos felizes
Esse era o meu estilo de vida até o Pedro me esfaquear pelas costas  
Sim, eu estou morto.
Finado na fila do purgatório
Lembro-me porque vim parar aqui
A atração mútua dos sexos era o sentido da minha vida
Flávia era minha luxúria, minha rameira sexualmente submissa.
Luana era confiável, meu porto seguro.
Fiquei com as duas amoralmente
Essa é minha biografia endossada pelo aristocrata francês
Hoje Flávia é casada com Paulo e trepa com Pedro uma vez por mês na penitenciaria onde ele cumpre pena por minha morte
Luana ainda chora por mim de vez em quando, mas está muito bem casada e feliz.
E eu... 
Eu me fodi de tanto foder

- Próximo!

Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
Based on a work at http://www.pablotreuffar.com/.
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

quarta-feira, 8 de maio de 2013

SECRETU (Rosa Cardoso)




“Somente fragmentos de nós um dia alcançarão fragmentos de outros – é esta a verdade do outro e de qualquer um. Nós podemos apenas compartilhar fragmentos acessíveis ao conhecimento. Como na natureza. No mais, é apenas solidão”

Marilyn Monroe.

Estava aqui meio distraída e lembrei que queria escrever alguma coisa pra você. Não que me sinta obrigada, apenas ando muito atenta aos meus desejos ultimamente.

Falávamos desse modo tolo e mágico que usamos para construir arquétipos do outro, lembra?

E pensei no modo como eu fiz até aqui, colei tua imagem com fragmentos de um espelho que sorri. Juro. Ele sussurra mentiras sinceras no meio da tarde. Fragmentos de segredos que me fazem ser o que sou, mesmo que ninguém perceba.

É óbvio que você não é talvez nem um décimo do frankenstein que montei e desmontei numa tarde abafada de dezembro, mas o retrato me diverte, por isso está lá, naquela gaveta em que também me guardo.

Esqueço de você por um tempo que me parece enorme e depois torno a pescar teus pedacinhos, na verdade acho que pesco a mim mesma. Pedaços de loucura e aceitação.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

os normais



o bando aproximou-se cautelosamente do sem-noção que incutia medo por ser imprevisível. com o tempo, a convivência despiu a aura aparentemente nociva do sem-noção, o bando viu que ele era bom. nem era assim tão imprevisível, tava mais pra porra-louca. passaram, inclusive, a compartilhar algumas sem-noçãozices ou porra-louquices, definitivamente, o sem-noção era sangue-bom. mas, daí, chegou o coberto-de-razão e fodeu a porra toda. despejou uma carreta de argumentos absolutamente inatacáveis e ainda irrefutáveis que pareavam o sem-noção ao demônio mais vil e ignóbil lá dos quintos dos infernos. nada restou ao bando senão desprezar o sem-noção. nada restou ao sem-noção senão aceitar sua fatídica condição. o podre voltou à podridão. o tempo passou e o bando voltou a sorrir pois todos, indistintamente, tornaram-se cobertos-de-razão. quando em quando, brigavam, mas a razão falava mais alto. sempre.

Carlos Cruz - 16/11/2012

sábado, 4 de maio de 2013

Diário de viagem de um escritor bêbado - A ida



             Embarquei em  Goiânia  às 14:00 horas e,  por conta da  excelência do trânsito  de  quinta-feira, só saímos  da  cidade  (pegando o caminho mais rápido, a BR-153),  lá  pelas   16:00h.   E  quando  digo  sair, efetivamente, é deixar até Aparecida para trás. Até porque tudo é um balaio só. Então este foi o começo da viagem, bem devagar, por sinal.
            Transcorremos o sul do estado e ainda não havíamos avançado grande coisa quando lá pelas 19:00 horas uma lua cheia e linda, que parecia desgarrada do céu, irrompeu praticamente ao lado da estrada: a borda do mundo era logo ali. Pensei em pegar a máquina fotográfica e registrar o momento, como outras pessoas estavam fazendo, mas o olho digital nunca consegue registrar devidamente imagem como esta, concedendo-lhe devida beleza.
Há outra verdade embutida aí: a tal máquina havia ficado na outra mala, que repousava calidamente no bagageiro. Juntamente com minha garrafinha da sorte. Já que não podia nem fotografar nem beber, resolvi guardar a imagem na memória, onde ela seria, mais cedo ou mais tarde, etilicamente assassinada.
No transcorrer da viagem, algumas coisas deviam ser observadas. Uma delas é que a divisão de espaço requer por vezes diplomacia; o encosto do banco da frente, por exemplo, devido a um mal funcionamento, escorregava para trás, vindo descansar sobre minhas pernas, nos joelhos, melhor dizendo.  Nada que um breve cutucão juntamente com um pigarro não alertasse o folgado da poltrona que estava incomodando; assim se passou quase toda uma noite em claro. De manhã, mais uma surpresa: a cortina da janela detrás não protegia exatamente minha poltrona do sol (que esgueirava-se SOMENTE para me atingir)... Hora de sacar a jaqueta do fundo da mochila e utilizá-la como guarda sol. Viu como ajeitando aqui e ali consegue se driblar os inconvenientes? Quanta inocência...  
Alguns dos mais malignos males em uma viagem dessa são os sons. Primeiro um celular filho-de-uma-pula-e-peida, daqueles que tocam com música sertaneja da mais grudenta (podia até ser pior, pensando agora... Vai que fosse funk: fodia tudo) e que nunca, jamais, saía da área de cobertura (pelo tanto que tocava, devia ter uma antena com tecnologia do inferno). Mas os piores, mais terríveis e enervantes sons que se ouve em um ônibus chacoalhando perdido no meio do nada provêm de doces e singelas criancinhas...
Crianças são solidárias. Mesmo em Minas (onde já nos encontrávamos, naquela altura). Falam juntas, riem juntas, choram (bastante) juntas. Basta uma começar que as outras seguem rapidinho. Pode parecer escroto isso vindo de um cara que tem uma paciência de Jó com os outros, principalmente as crianças, mas aquelas 17 horas foram de lascar...
Solução: Cerveja.
Abasteça-se do máximo possível de brejas ou qualquer outra birita (melhor olhar isso ANTES de embarcar: nas BR´s o comércio de álcool foi banido). O negócio é mandar tudo pela goela e aguardar o sono de Baco, que o abençoará quilômetros afora...
Se isto não funcionar, faça como diria o Giovani Iemini: vingue-se.
No meu caso, utilizei um recurso condenado pelas Nações Unidas: armas químicas. Entupi-me de todas as piores guloseimas vendidas na beira da estrada (não façam isso em casa: todo o procedimento foi efetuado por um profissional. Quitutes vendidos nos estabelecimentos marginais ao caminho podem matar um ser humano comum): ovo cozido, quibe com ovo, ovo em conserva e uns picles, para dar um aroma, digamos, refinado...
Daí foi só escolher um bom livro para ler (no caso, utilizei-me do “Mulheres” do Velho Safado),  e esperar o sistema digestivo fazer a parte dele, enquanto ria à solto das pérolas do bebum mor das letras.
Risos e peidos. Não havia vingança mais ieminiana que isso... E olha que esta era só a ida. 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

casca




se gritar meu nome
com voz ocre
e fingir que não ouço
deitada sob seu peito
agudo e só, não me culpe
o silêncio é fardo
das dores que trago
como os golpes
que me infligira
ainda em seu ventre
por não chorar me calo
antes que me estupre.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

A VINGANÇA



Em uma daquelas coincidências da vida o nome dela era Julia, que passou a ser Julinha, Juliette, Julita, até chegar a Julieta. E ele, Romeu. Como no melhor da dramaturgia Shakespeareana os dois tragicamente se apaixonaram.
Julieta tinha o pai rigoroso, a mãe ausente. Mostrou cedo que odiava todo tipo de ordem e proibição. Sofreu as consequências da rebeldia: aos 14 anos passou um tempo em um  internato para meninas problemáticas.
Romeu era um rapaz de boa família, tranquilo, honesto. Nunca se envolveu em confusão. Seguia a vida como o esperado. Na escola, bom aluno, passava de ano com facilidade e aos 17 anos já se preparava para a faculdade. Precoce, muito seguro de si.
Foi nesta época que conheceu Julieta. Ia apressado para a biblioteca quando esbarrou na moça sem graça que estava parada indecisa entre ir embora ou fumar um cigarro.
– Desculpe, falou ela.
Ele nem tomou conhecimento. Tinha atenção apenas para o livro aberto que carregava. Continuou o passo, sem se virar pra trás. Nem percebeu que os olhos da menina feia grudaram nele. Julieta ficou encantada. “Que cara interessante”, pensou. Decidiu segui-lo. Foi a primeira vez que pisou na biblioteca desde que entrou para aquela escola. Não tinha o costume de frequentar salas de estudo. Boa parte do hall de entrada estava no escuro. A velha bibliotecária não era lá tão velha, mas mantinha o tradicional ar circunspecto.
– Bom dia, disse friamente à Julieta.
– Bom dia. Eu estou procurando... a senhora viu... é...
Julieta não sabia o que dizer. Olhava para os lados à procura de socorro. Ficou em silêncio, fez uma mesura e afastou-se. Dobrou no primeiro corredor que encontrou. Começou a percorrer as estantes sem rumo. Sem pressa, meio perdida. Logo começou a sentir o cheiro inebriante de café. Sem interesse pelos livros, e sem achar Romeu, foi em direção ao cheiro. Vinha da cafeteria que ficava no segundo andar.
Para sua surpresa lá estava ele, o garoto que esbarrou nela. Ele levantou os olhos em direção à entrada do Café para ver quem tinha causado aquele barulho todo ao abrir a porta de supetão. Deu de cara com Julieta. Ficaram se encarando por mais tempo do que manda o bom senso. Ele sorriu primeiro, com os dentes meio sujos de torta de morango. Ela tropeçou em uma mesa, deixou a bolsa cair e deu um sorriso em troca. Depois de perceber que todas as mesas estavam ocupadas, Romeu ofereceu, por gestos, um lugar ao lado dele. Ela foi. Conversaram, se conheceram, riram mais um pouco e perderam a hora. Na despedida: um beijo tímido entre amigos, um aperto de mãos e a promessa de se verem novamente.
E assim foi. No começo era tudo meio que por acaso.
– Ah, você por aqui? Que surpresa, mentiam mutuamente.
Tempos depois já marcavam horário. E ali, naquele Café da biblioteca, montaram o ponto de encontros. Na quinta vez, resolveram sair para passear pelo jardim. Dos passeios no jardim passaram a almoçar, estudar, caminhar, sempre juntos. Ficar um ao lado do outro se tornava irresistível.
As brincadeiras foram ficando ousadas. Davam um jeitinho de tocar as mãos, encostar um braço no outro, sentir o cheiro um do outro. Riam à toa. E Romeu entregava bilhetinhos a Julieta. Um dos primeiros dizia somente: sonhei com você e acordei feliz! Julieta sorria.
Um dia meio frio, com uma chuvinha chata, foram ao cinema. Filme bobo, sem emoção. Sem emoção na tela, nas poltronas os dois se ardiam em paixão. Sentaram juntos nas últimas fileiras, as mãos se tocaram, foram se entrelaçando. Eles fingiam prestar atenção ao que acontecia no filme. Aos poucos se abraçaram. Iluminados pela luz fraca se beijaram apaixonadamente.  
E assim passaram a ser namorados. Não se desgrudavam. O clima de romance deixou Julieta mais quieta. Em casa, já não discutia tanto com os pais. Tentou pela primeira vez passar uma maquiagem leve, sem aqueles borrões pretos nos olhos, sem o batom exageradamente vermelho. Passou a pentear melhor os cabelos e caprichar no perfume. As roupas ficaram mais sensuais e os sapatos mais elegantes.
Romeu chegava assoviando na cozinha onde era preparado o almoço e abraçava a mãe para dançar entre as panelas e pratos. No muro de casa pichou um “eu te amo” enorme dedicado à Julieta. Estava apaixonado.
Romeu tinha os cabelos escuros, desgrenhados, meio longo. Era de uma beleza singular e aos olhos de Julieta era lindo. Vestia-se como ela gostava: meio maltrapilho, com ares de bandido. Os sapatos velhos davam o toque final para passar a impressão de que era um dândi, um punk, um pária. Culto, bem informado, cheio de opinião, mantinha sempre um ar de mistério.
Apesar das tentativas de se mostrar bonita, Julieta se achava desajeitada, feia e meio gorda. Ficava imaginando o que Romeu teria visto nela. Não acreditava no amor dele.
– Ele tão inteligente, descolado, bonito e eu essa coisa mal acabada, lamentava Julieta todos os dias.
O que ela não sabia é que era justamente essa esquisitice o que mais o atraia.
Enquanto Romeu não se cansava de fazer declarações amorosas, Julieta mantinha a insegurança e o ceticismo. Era uma mulher traumatizada. Nunca antes um homem demonstrara tanto afeto, carinho, respeito. Ela nunca antes havia se apaixonado de verdade e já passara por muitos apertos.
Um dos antigos namorados quase viciou Julieta em drogas, outro chegou a bater nela. Então, aceitar a pureza e a sinceridade de Romeu era uma coisa muito difícil.
Namoravam às escondidas. Julieta acreditava que o pai fosse correr com Romeu assim que ficasse sabendo do romance, afinal já fizera isso com o último rapaz que se interessou pela filha.  E acertou. O rigoroso pai mandou Romeu sumir da vida de Julieta na tarde em que pegou os dois se beijando embaixo de uma árvore próxima à esquina da casa deles. Embasbacado Romeu foi embora sem acreditar no que tinha acontecido. Marcaram então de se verem à noite, durante a volta de Julieta da aula de música. Não que ela tocasse bem qualquer coisa, mas inventou umas lições de piano pra poder encontrar com Romeu.
O amor entre os dois cresceu. Marcavam encontros mirabolantes como da vez em que Julieta fingiu ir dormir na casa de uma amiga imaginária e acabou dormindo no quarto de Romeu, escondido da mãe dele. A mulher não gostava que o rapaz levasse as namoradas pra lá, mas Romeu deu um jeito de receber Julieta pela janela. Sempre inventavam uma saída para ficarem perto. Ela ainda insegura, ele cada vez mais amoroso.
Romeu compôs música para a amada, poemas, lindas cartas de amor. Tirava fotos românticas. 
O tempo foi passando até que Romeu começou a organizar a vida de Julieta, a controlar os horários, a escolher até mesmo o que ela iria vestir. Mandava no que Julieta iria comer e beber. Se a maquiagem estivesse forte, ele passava um algodão pra “tirar o excesso”. Ela já não podia sair sozinha que ele arrumava uma desculpa para acompanhá-la. Era quase uma obsessão.
Julieta passou a se incomodar com aquela dedicação toda, aquele amor. Não estava gostando nada daquilo. Algumas discussões começaram a arranhar o relacionamento.
Certo dia, quase por milagre, Julieta foi sozinha até a praça ler pela primeira vez um livro “sério”. Era um pedido de Romeu. Para ter assunto nas conversas, explicou ele. Sem vontade de começar mais um desentendimento, ela aceitou a leitura. Gostava de romances, mas Romeu a obrigou a ler aquela teoria econômica chata sem sentindo nenhum para ela. Entediada e sem aviso, conheceu Pedro. Ele sentou no banco em frente ao dela. Era o típico bonachão. Bem diferente de Romeu, não tinha ar misterioso, nem cabelo desgrenhado. Era simples, simpático, alto, loiro e olhava meio de lado pra Julieta. Ela com medo, se achando equivocada, relutou, mas retribuiu o olhar. Ele foi chegando devagar, puxou assunto, perguntou que livro a garota estava lendo. Conversaram, descobriram milhares de interesses em comum. Assim como ela, Pedro não gostava tanto assim de ler, nunca tinha ido a uma biblioteca e preferia vinho a café. Riram alto e nem se preocuparam com a chuva que chegava. Pedro falava abertamente, era muito direto. Disse que tinha gostado de conhecê-la e sem rodeios perguntou onde a nova amiga morava. Dois dias depois apareceu na casa de Julieta levando pão e manteiga para tomarem o lanche da tarde. O pai não se importou. Pedro tinha uma cara boa, de “gente rica”, estava sempre sorrindo. Foi logo bem aceito.
Romeu nem desconfiou da nova amizade. Mostrava-se  cada vez mais obsessivo inacreditavelmente apaixonado e irritantemente controlador.  Julieta estava confusa. Começava a sentir medo de Romeu.
O namorado estava cada vez mais possessivo.
– Se algum dia você me deixar eu acho que morro, dizia ele com aquele olhar profundo. 
– Deixa de bobagem, Romeu. Respondia Julieta já sem graça com aquela história.
Sentia saudade de Pedro. Pensava nele de uma maneira leve, solta, alegre. Certa vez, próximo à praça, encontrou o rapaz tocando violão.
Ele nem disse oi, foi logo perguntando:
– Você quer namorar comigo?
Julieta levou um susto, mas foi a deixa pra se sentir imediatamente louca por aquele homem. Ela sorriu e disse que depois respondia.
– Passo mais tarde na sua casa. Fiquei de levar umas ferramentas para o seu pai, ai você me responde. Disse ele, dando uma piscadela.
Pedro foi e Julieta contou que estava namorando Romeu. Que não poderiam mais se ver. E sem imaginar o que aconteceria viu Pedro perder o brilho no olhar e sair mudo. Foi tomada por um sofrimento dolorido de perda. Sentiu que no fundo não queria fazer aquilo. Foi surpreendida por uma grande tristeza e a separação a deixou doente. Ficou de cama por três dias. Uma febre inexplicável. Romeu assistiu tudo de longe. O pai de Julieta nunca admitiu a presença dele.
Uma semana depois Julieta encontrou Pedro por acaso. Entre um papo aqui e outro ali acabaram indo caminhar na beira do lago. Ela arriscou fazer o passeio e deixou o medo de encontrar Romeu de lado. Caminharam alegremente e mesmo com uma brisa gelada enfiaram os pés na água. Deram-se as mãos num gesto muito natural. Sentaram por ali e conversaram sobre a vida, o mundo, e sobre eles. A noite chegou e os dois já com frio, acabaram se abraçando. O abraço cresceu. O clima esquentou e se entregaram um ao outro. O beijo foi apaixonado. Transaram ali mesmo, entre as pequenas dunas de areia. Pedro falava ao ouvido de Julieta coisas que ela se arrepiava. Beijava o pescoço dela e a boca com uma fome que Romeu jamais demonstrou. Foram embora, cada para sua casa, um pensando no outro.
Repetiram o passeio na outra noite. A lua cheia iluminava o mundo e o sexo que os dois fizeram novamente na areia. Julieta e Pedro não resistiam à excitação que corria entre eles. Julieta ao lado de Pedro não tinha dúvidas, nem medos e não esperava por nada. Era apenas feliz.
Ela já não pensava mais em Romeu, fugia dele.  Até que finalmente chegou o dia em que Julieta rompeu de vez o relacionamento. Tentou explicar que não dava mais pra eles ficarem juntos.
– Eu não estou preparada para ser sufocada por esse seu amor. É uma ilusão, argumentava ela.
– Ilusão? Julieta, eu te amo. Dizia ele.
– Romeu, eu não sou uma princesa, eu não sou bonita, não sou inteligente, não sou sua. Você está equivocado. E não falou mais nada porque ficou com muito medo do olhar de ódio que Romeu dirigia a ela.
– Não Julieta, por favor, disse na última tentativa.
Mas não teve jeito. Foram dias duros, difíceis. Romeu obviamente não aceitou o que estava acontecendo. Chorou no colo da mãe que amaldiçoou Julieta:
 – Meu filho, nunca mais chegue perto dessa vagabunda que está te fazendo sofrer tanto, dizia enquanto acalmava o filho.
Romeu continuou chorando. Enquanto isso, Julieta se encontrava com Pedro quase todos os dias. Vivia o caso de amor da vida dela. Romeu já não existia mais nos pensamentos, nem no coração de Julieta.
Numa tarde de verão Julieta passeava próximo ao lago. Repassava mentalmente os momentos mais quentes que tivera com Pedro nos últimos dias. Pensava divertida. Suspirou diante das boas lembranças. Sustentava um sorrisinho meio de lado quando encontrou Romeu. Uma certa culpa tomou conta dela, sentiu uma pontinha de saudade do amor ingênuo deles.
– Ei moço, vem aqui, vamos passear? Convidou alegremente uma Julieta mais mulher, mais centrada, mais calma, mais madura.
Romeu titubeou, sustentou um olhar sombrio, mas acabou sucumbindo aos encantos da ex-amada. Ele exibia na pele as noites sofridas pelo amor perdido. Trazia olheiras escuras, estava mais magro, os cabelos bem curtos. Andava encurvado e tremia.
– Cortou o cabelo. Ficou bom, comentou Julieta.
Ele sequer sorria. Estava calado, fechado. Julieta nem desconfiou que aquele Romeu nem de longe era o Romeu que ela conhecera. Aquele homem ali havia gastado todo o dinheiro que tinha em drogas. Passava as noites bebendo. Após a separação, fazia sexo casual quase todos os dias. Logo passou a pagar prostitutas. E batia nelas. Machucava qualquer mulher que se deitasse com ele. Passou a maltratar a própria mãe. Tinha se transformado em um monstro.
Julieta falava sem parar sobre o pai, a família, até sobre Pedro. E em um impulso impossível de prever, Romeu a jogou na água. Simplesmente deu um empurrão em Julieta. Ela caiu no lago. A raiva era tanta que Romeu apertava o pescoço dela sem dar chance de defesa à mulher que se debatia em vão. Ele segurou a cabeça dela com força embaixo da água. Julieta perdeu os sentidos. Lutou, mas perdeu a briga: se afogou nos braços do homem que tanto a amou. Romeu gritava de ódio, amor e loucura. Um sentimento profundo  de arrependimento e saudade tomou conta dele. Em meio a lágrimas Romeu se jogou freneticamente na água a procura de Julieta, mas não encontrou o corpo dela. Chorou, gritou e nada.
Dias, meses, anos se passaram. Ninguém nunca soube o que acontecera entre os dois. Julieta simplesmente havia desaparecido. Pedro acabou esquecendo a namorada, colocou na cabeça que ela se cansara dele, e foi ser feliz com outra. Os pais de Julieta desistiram de procurar a filha, concluíram que ela fugira de casa e deram por encerrada a busca. Mudaram de cidade e investiram fundo na carreira militar do filho mais novo, irmão adotivo de Julieta. A mãe de Romeu foi internada num sanatório por exagerar nos remédios depois que o filho quase a matou de tanto bater nela.
Romeu se consumia. Tentou suicídio diversas vezes. Sem sucesso em cortar os pulsos, ensaiou uma overdose que não deu certo. Fez uma última tentativa: foi para o lago onde matou Julieta. Mergulhou sem a intenção de voltar. No mergulho, entre a água turva e suja, teve a impressão de ver Julieta. Com o susto tentou subir à superfície, mas não conseguiu. O fantasma de Julieta agarrou a perna dele. E não se deu por vencido mesmo quando Romeu tentou gritar embaixo d'água. Foi uma luta feia. Julieta ganhou. Afogou Romeu, deixou ele lá, sem ar, sozinho, perdido, com medo e remorso. Ela foi desaparecendo da vista dele, sumindo devagar, saindo da eternidade dele. O corpo de Romeu também nunca foi encontrado. Mas quem passa por aquele lago hoje escuta de vez enquando um choro, um murmúrio. E não de vez enquando, mas sempre, uma risada de vingança.