A GRATA SATISFAÇÃO QUE
ANDAR DE ÔNIBUS NOS DÁ
Andar de ônibus!
Terrível, não é? A situação e o assunto.
Fazer o quê?
Essa semana, a pessoa que caridosamente me dá carona (até o meio do
caminho, mas que me deixa um pouco mais perto de casa me deixa, isso lá é
verdade) deixou-me na mão, obrigando-me a tomar o coletivo e me compor ao
próximo, que, por causa da superlotação, fica cada dia mais próximo, próximo
demais para meu refinado gosto...
Entro, pago, e procuro desesperadamente (mas muito discretamente) um
lugar no fundo do corredor, perto da porta. Lá aconchegado (riam, isso foi uma
piada), ligo meu sonzinho, abro um livro e tento esquecer onde estou e de onde
saí.
Mas...
Agora deu para isso, esse mas.
Mesmo ouvindo música bem alta, não posso me furtar a ver e ouvir o que
acontece. Todos os dias, como num ritual, eles, os pedintes, entram no ônibus e
começam (como só costuma acontecer com pedintes) a pedir dinheiro.
Senão, vejamos:
1. Outro
dia entrou um sujeito se dizendo de uma seita evangélica, que além de salvar
almas, salvava jovens de ruas, que vivem na perdição das drogas e outras
drogas. Vendia um chocolate (que a polícia deveria mandar investigar, de tão
suspeito) pela módica quantia de um real. Se o passageiro não tivesse um real,
que desse o que pudesse, qualquer quantia. Mas (agora é que dói), ameaçava o
salvador de almas e homens, se você tiver dinheiro e não quiser colaborar,
saiba que você (e apontava com o dedo em riste) vai se haver com o Senhor no
Dia do Juízo!
É de
enlouquecer, não é?
2. Vamos
à segunda. Essa é a pior, na minha opinião. Entra um sujeito de muletas,
encosta na catraca, levanta a perna da calça e nos agracia com uma erisipela
“daquelas”. Começa a chorar (choro mais falso que nota de três reais), e
começa, entre pranto, a explicar como sente humilhado em ter que pedir dinheiro
etc., etc., etc. Como não surte efeito, então ele começa a soluçar, não fosse
eu esse homem sem coração (que dizem) que sou, já teria vendido minhas terras
no sul da França e doado a ele. Feita a sua colheita, ou coleta, sei lá, ele
desce, todo faceiro, e entra no ônibus que vem atrás do nosso.
3. Mas
ontem foi o fim da picada. A essa altura o caro leitor já percebeu que eu estou
começando a “curtir” essas situações escabrosas. Lá estava esse pobre
funcionário público, sentadinho lá atrás, lendo uma obra do Barão de Itararé
(que recomendo fortemente), quando entra mais pedinte. Esse fugia um pouco ao
fenótipo a que estou acostumado(!). Era jovem, todo tatuado, usando roupa de
fanqueiro, bonezinho virado para trás. Entra pedindo desculpas, essa é a regra
para você que nunca se aventurou num ônibus saber que vai ser extorquido de
alguma forma. Explicou-nos que era ex-detento (imaginem o clima), que estava
desempregado, com contas para pagar (só ele?) e que não podia levar comida para
casa. Deixou claro que, ao pedir dinheiro aos passageiros, evitava cometer crimes nas ruas... (juro que não
senti nenhum alívio com aquilo). Enquanto ele desfiava seu rosário de desgraças
e desventuras, eu abaixei ainda mais a cabeça (parecia que em vez de ler,
estava procurando o livro debaixo dos bancos), aumentei o som e me “desliguei”.
4.
Já chegando em casa, entra um cego, daqueles de feira, feio, mal
vestido, cheirando à pinga, acompanhado (eles nunca andam só) de menino negro,
mas com um cabelo loiro como nunca vi antes em minha vida. O menino não falava
nada, só andava com a mão estendida e nos olhando nos olhos algo entre
ameaçador e digno da mais cristã das piedades. Vindo lá da frente, o cego vinha
gritando (talvez achasse que houvesse algum surdo por lá) como era triste ser
cego, que ele não desejava isso a ninguém, e para que isso não acontecesse a
ninguém, ele pedia um dinheirinho. Não entendi. Será que dando o tal
“dinheirinho” eu acordaria livre da cegueira, ou seria mais uma praga
sub-reptícia?
Como era meu ponto, desci quando ele estava bem pertinho de mim. Desci
e logo atravessei a rua e fui embora sem olhar para trás. Afinal há mais de dez
anos fiz uma cirurgia de correção de miopia (quinze graus), e vai que a praga
dele pegue...?
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Roberto Prado - Funcionário público estadual,Fumante e bebedor de Conhaque Napoleon.
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