sexta-feira, 13 de julho de 2012

Sobre a tolerância


Foi assim: estava sentada na sala de espera quando ele entrou pela porta.
Usava um colete apertado, sem blusa alguma por baixo; uma bermuda, até o joelho, rasgada; uma sandália imunda; e, cruzada pro lado esquerdo do seu corpo, uma bolsa de pano, meio encardida. No peito, um cordão feito artesanalmente.
Aquele primeiro momento foi irreparável.
Foi um choque. Recuperada, em parte, percebeu que ele vinha em sua direção. Foi quando se sentou ao seu lado.
Aquilo mexeu com ela mais uma vez. Sentiu o impacto daquela presença. Como ele poderia entrar ali, daquele jeito? Não percebera sua inconveniência em estar daquela forma? Achava incompreensível.
Ficou observando-o.
Ele cruzou as pernas. Depois, abriu a bolsa e tirou de lá um sanduíche. Os olhos dela se arregalaram. Não acreditou. Desviou o olhar, tentou se ajeitar na cadeira. Não conseguiu: levantou-se e saiu andando. Tentou massagear as mãos, pra se acalmar.
Descontrolada, entrou no banheiro. Diante da pia, abriu a torneira e lavou o rosto. Olhou no espelho durante alguns segundos. Por que tudo aquilo estava acontecendo com ela? Enxugou o rosto e pensou naquilo tudo mais uma vez. Não acreditava ser possível alguém se vestir e se comportar daquele jeito.
Ela apenas queria ir ao médico.
Andava nervosa, queria se consultar com um especialista. Mas e aquilo ali, agora? Como agir? Precisava de uma sessão de meditação urgente. Ou da instrutora de ioga, quem sabe.
Saiu do banheiro.
Foi em direção a sala de espera de novo. Lá estava ele sentado, comendo seu sanduíche. Ela senta. Tenta se manter sob controle. Entretanto, essa não era uma realidade possível. Pouco a pouco, seus músculos iam enrijecendo.
Estava tensa. Tinha vontade de espancar aquele sujeito ali mesmo, naquele instante.
Levantou.
De pé, meio instável, caminhou até a janela. Estava fechada, mas chegou o rosto bem próximo ao vidro. Foi como se pudesse estar um pouco lá fora. Tentou puxar o ar, mas faltava. Voltou em direção à cadeira em que estava, mas não sentou. Passou por ela e foi em direção ao corredor. Baixinho, entoava um mantra.
Desistira da consulta.
Aflita, correu para o elevador. Com a mão, impediu a porta de se fechar e entrou. Sentia-se um pouco melhor. O elevador desceu e, ao chegar ao térreo, ela saiu correndo dele em direção à rua. Enfim, respirou.
Estava livre de toda aquela opressão da sala de espera. Apesar disso, ainda restava um aperto no peito. Não sabia bem o que era. Pensava em cores calmas. Imaginou um quarto azul e respirou fundo.
Foi até a esquina e sentou em um café. Pensou. Tomou um chá. Queria se acalmar. Mas sempre esbarrava em um pensamento: e se ele voltasse? E se encontrasse com ele outra vez? E se, andando pela cidade, ou numa sala de espera qualquer, estivesse frente a frente com aquele ser, mais uma vez?
Não aguentaria.
Pensou, então, na única solução possível: acabar com ele. Ajeitou o corpo na cadeira. Não lhe restava dúvida alguma. Era necessário eliminar aquele sujeito. Não podia perder a oportunidade de resolver a situação. Fixou o olhar na saída do prédio. E esperou.
Esperou até ver seu objeto de ataque. Atravessou a rua rapidamente e foi atrás dele. Discretamente, seguiu o jovem até a esquina. Sinal aberto, carros passando. Esperou o momento exato. Viu o sinal amarelo e o ônibus vindo. Percebeu a aceleração pra tentar cruzar antes do sinal fechar. Foi quando ela tropeçou suavemente, esbarrando nas costas dele. O corpo dele foi pra frente. O ônibus não parou. O corpo dele ganhou o espaço.
Gritos ecoaram pela esquina.
O corpo parou alguns metros a frente. Sob ele, sangue. Ninguém percebeu o que ela havia feito. Ninguém. Ela sorriu discretamente e olhou em volta, tentando ter certeza de seu segredo. Ligou para a emergência.
Estava aliviada.
Ainda na esquina, ouviu quando alguém do lado disse que viu o garoto se atirar na direção do ônibus, que achava ser um suicida. Outra, no meio da confusão, dizia ser sensitiva e que aquilo havia sido um suicídio com certeza. Havia cumprido sua missão naquele dia. Ninguém seria mais incomodado por tamanha indelicadeza como o comportamento daquele jovem. Não encontraria mais aquele ser pela rua. Não mais.
Estava em paz.


6 comentários:

lis disse...

Chocante! Li num fôlego só.
De uma insensatez tamanha ,um gesto transloucado! rs
Um ótimo conto.Parabéns ao Rafael.
Belo escritor , saia do 'Bar ' pra que possa te encontrar nas prateleiras das livrarias rs
Excelente!
um abraço

Rafael Cal disse...

Valeu, Lis!
Um abração

Unknown disse...

Nossa que sufoco!!!!
Um belo conto, li e gostei
deixa a gente ansiosa esperando o final
Abraços com carinho
Rita!!!

Ah bom domingo!!!!

Rafael Cal disse...

Obrigado, Rita. Continue visitando esse nosso "bar". Publico todo dia 13, mas tem gente muito boa o mês inteiro.

Abração
Rafael Cal

Giovani Iemini disse...

credo. medo de vc.

Cedenir Haas disse...

Gostei do seu estilo. Lembrarei dos dias 13.