segunda-feira, 30 de julho de 2012

Convidado André de Moraes

Revoluindo ao Primeiro Ato


E quando o tempo parece passear por nós
Os dias embebecidos numa nuvem de revolta
Um sobreviver não comum pela vil escolta
Ainda com sombras de quem vem e tenta calar a voz

Não disseste que assim seria a primavera?
E que o muito amor seria um contento descarado
Sem vergonha da vida e mandando ao caralho
Aquilo que não fosse destruir com essa miséria

Esse cordão que nunca fora umbilicado de fato
Frugal seria o nascer da crítica aos putos políticos
Transitando pelas veias dos mil intentos malígnos
De uma vida que sempre se alimentou do mais barato

A alma que luta não responde sim ao maldito sistema
Que busca enferrujar uma revolução por segundo
Mas ao que pensa um outro possível pra esse mundo
Não se cala com o baixar das cortinas entre cenas
Retratando a miséria política que insiste em protagonizar tudo
No teatro dessa vida que ainda insiste em ser mudo







---
André de Moraes

Do não dito

imagem: LoveMeDont

Qual sim [nos olhos]
precisaria ser dito?

Que não [na boca]
foi ouvido?


Com quantos nãos
esse sim
foi desistido?


sábado, 28 de julho de 2012

Em teu regaço

Entrelaço, em meu Ser,
Tua singela virtude,
Adornada de afagados desejos!
Respiro os males, outrora afamados
Dizeres que, de tão obtusos pensamentos
E constantes, deambulam…
E perduram na ordenação das ideias.
Só tu, poderás salvar
As intempéries deste pensamento!
Sei que…
Só tu, salvarás
Esta alma desencontrada
No limiar da razão.
Quito Arantes/Portugal

terça-feira, 24 de julho de 2012

O AMOR E O PODER!


“O amor está se fingindo de morto para sobreviver”. 
(Lena Casas Novas)

 Notícia via UOL
A globalização trouxe muitas vantagens para nós meros mortais, principalmente, de nos tornar multifuncionais e, com efeitos colaterais, um deles: destruir o amor! Isso mesmo, as pessoas estão se tornando individualistas e distantes uma das outras, mesmo tão próximas nas redes sociais um paradoxo!  Elas quase não têm tempo para visitar amigos e parentes e fazer demonstrações de afeto pessoalmente. Está tudo automatizado, até as datas de aniversário!

Há um mês circulou nas redes sociais um vídeo [vide link] em que um rapaz faz uma demonstração pública de afeto. As pessoas se comoveram, pois era um homem muito bonito, que conhecera uma mulher na balada e se apaixonou. Estava muito bom pra ser verdade, mas convenhamos que é raro este tipo de “sofrimento” público por um homem. Eu acho que só acontece na ficção. (Para não ser injusta, 01 em 01 milhão).

Fato! Era ficção.Tudo não passou de uma campanha “viral” da Nokia. Eu, como profissional de marketing estou envergonhada pela ação.

Eles foram infelizes em achar que o consumidor “é o que curte”. Eles merecem pagar muito caro por abusarem da sensibilidade dos internautas que apoiam causas “nobres”


Uma empresa sólida e valiosa não precisava ser tão mesquinha desta forma!

Sem lenço




Pra onde você vai? 

- Vou vadiar por aí! Sair sem destino, decidir com o vento, ir ao léu. Era assim que fazia. Fazia! Nunca sabia de verdade o que eu iria fazer quando resolvia andar por aí. Eu podia. Nada e nem ninguém para justificar minha ausência. 
Por muito tempo fui um sem destino; um peregrino de mim mesmo. Até que a responsabilidade chegou. Obrigações e deveres passaram fazer parte da pauta do dia. Mas mesmo assim, ainda continuei de uma maneira ou de outra, sem destino; sem dá muita satisfação de minha vida. Sempre gostei da minha vida de vadio. Acho que por isso fui morar sozinho tão cedo.  Mas o destino achou melhor me colocar um laço. O nó só se desfez depois de oito anos e o laço desfeito voou por aí, seguiu o vento, entrou em olhos de furacões; planou em altitudes desoxigenadas;  criou formas; espiralou-se, prendeu-se em galhos altos, navegou em noites orvalhadas, em dias nublados e como tinha que ser, foi com o vento por aí. Viajou em sonhos e realidades. No entanto o destino de um laço é ser um laço e não somente uma fita.
Pra onde você vai?
- Vou andar por aí. Quem sabe eu encontre alguém que saiba fazer um laço.

domingo, 22 de julho de 2012

Labirinto


Costumava dizer que estava apenas experimentando, abrindo portas

Algum tempo depois, entre tantas portas, já não sabia mais por qual sair







texto do livro Colcha de Retalhos

sábado, 21 de julho de 2012

Conseqüências da crise na Grécia...



1. Zeus vende o trono a uma multinacional coreana.

2. Aquiles vai tratar o calcanhar na saúde pública.

3. Eros e Pan inauguram um puteiro.

4. Hércules suspende os 12 trabalhos por falta de pagamento.

5. Narciso vende os espelhos para pagar a dívida do cheque especial.

6. O Minotauro puxa carroça para ganhar a vida.

7. Acrópole é vendida e aí é inaugurada uma Igreja Universal do Reino de Zeus.

8. Eurozona rejeita Medusa como negociadora grega: "Ela tem minhocas na cabeça".

9. Sócrates inaugura o Cicuta's Bar para ganhar uns trocos.

10. Dionisio vende vinhos à beira da estrada de Marathónas.

11. Hermes entrega currículo para trabalhar nos correios. Especialidade: entrega rápida.

12. Afrodite aceita posar para a Playboy.

13. Sem dinheiro para pagar os salários, Zeus liberta as ninfas para trabalharem na Eurozona.

14. A Ilha de Lesbos abre um resort hétero.

15. Para economizar energia, Diógenes apaga a lanterna.

16. Oráculo de Delfos apaga os números do orçamento e provoca pânico nas Bolsas.

17. Áries, deus da guerra, é agarrado em flagrante desviando armamento
para a guerrilha síria.

18. A caverna de Platão abriga milhares de sem-teto.

19. Descoberto o porquê da crise: os economistas estarão falando grego!

(Tullio Stef. Sartini)    convidado

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Convidado Breno Brites

Coisa de Homem 99

Não sei lidar com a tristeza que sinto, esta pedra em meu peito dói há anos, esta fraqueza eu disfarço com todo o sarcasmo que consigo destilar e falar sobre o assunto não fez a menor diferença. Estou cansado de mim e sou incapaz de me perdoar por ser deste jeito. Esta tristeza é visível no reflexo do espelho, nas canções que toco na varanda de casa, nos textos que aqui deixo, no meu jeito desleixado, no cabelo sujo, na barba mal cuidada, nos dentes tortos que escondo, porque sorrir é pesado e dormir é um favor que faço às poucas pessoas que me toleram. Eu me sinto péssimo.
É insanidade da minha parte achar que esta sensação vai sumir porque não falo sobre ela; é  infantil esconder este desconcerto das pessoas que amo. Eu me afasto dos meus porque me sinto diminuto, um trapo. E falo um bando de merda para esconder a tristeza que sinto há anos. Insanidade.
Respiro fundo e seguro o choro, estou tremendo em silêncio dentro deste escritório, sinto frio. Acho que bebi café demais, estou inquieto, irritado, sinto que estou emocionalmente frágil, debilitado. É um esforço inútil torcer para que a luz desintegre toda a mofina que estraga a minha mente, é triste começar a semana com este pesar. É muito solitário ser um babaca.
Leio as palavras acima e me acalmo, espero um dia ter coragem para dizer em voz alta que estou triste há anos e que são longas as noites em que esta dor implacável me ataca, estou cansado de fugir da minha consciência, estou cansado de justificar minha existência e de fingir que não me importo. Putz, eu me importo demais, eu fico triste, me fecho e entristeço as pessoas ao meu redor. Eu preciso tanto de alguém que me perdoe, porque sou incapaz de me perdoar. E sem perdão eu me distancio da luz. Sem perdão, eu não existo.
Eu aceito suas desculpas, Breno. A sua tristeza agora é minha também, este pesar também é meu. Você não precisa carregar este fardo sozinho, pode contar comigo, eu te ajudo. E te perdôo.
E lembre-se: o mundo não é justo, mas você pode sê-lo. Até logo.
P.S.: um passo para trás foi o suficiente para eu notar o abismo em que me encontrava.


---

Breno Brites

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Sobre a tolerância


Foi assim: estava sentada na sala de espera quando ele entrou pela porta.
Usava um colete apertado, sem blusa alguma por baixo; uma bermuda, até o joelho, rasgada; uma sandália imunda; e, cruzada pro lado esquerdo do seu corpo, uma bolsa de pano, meio encardida. No peito, um cordão feito artesanalmente.
Aquele primeiro momento foi irreparável.
Foi um choque. Recuperada, em parte, percebeu que ele vinha em sua direção. Foi quando se sentou ao seu lado.
Aquilo mexeu com ela mais uma vez. Sentiu o impacto daquela presença. Como ele poderia entrar ali, daquele jeito? Não percebera sua inconveniência em estar daquela forma? Achava incompreensível.
Ficou observando-o.
Ele cruzou as pernas. Depois, abriu a bolsa e tirou de lá um sanduíche. Os olhos dela se arregalaram. Não acreditou. Desviou o olhar, tentou se ajeitar na cadeira. Não conseguiu: levantou-se e saiu andando. Tentou massagear as mãos, pra se acalmar.
Descontrolada, entrou no banheiro. Diante da pia, abriu a torneira e lavou o rosto. Olhou no espelho durante alguns segundos. Por que tudo aquilo estava acontecendo com ela? Enxugou o rosto e pensou naquilo tudo mais uma vez. Não acreditava ser possível alguém se vestir e se comportar daquele jeito.
Ela apenas queria ir ao médico.
Andava nervosa, queria se consultar com um especialista. Mas e aquilo ali, agora? Como agir? Precisava de uma sessão de meditação urgente. Ou da instrutora de ioga, quem sabe.
Saiu do banheiro.
Foi em direção a sala de espera de novo. Lá estava ele sentado, comendo seu sanduíche. Ela senta. Tenta se manter sob controle. Entretanto, essa não era uma realidade possível. Pouco a pouco, seus músculos iam enrijecendo.
Estava tensa. Tinha vontade de espancar aquele sujeito ali mesmo, naquele instante.
Levantou.
De pé, meio instável, caminhou até a janela. Estava fechada, mas chegou o rosto bem próximo ao vidro. Foi como se pudesse estar um pouco lá fora. Tentou puxar o ar, mas faltava. Voltou em direção à cadeira em que estava, mas não sentou. Passou por ela e foi em direção ao corredor. Baixinho, entoava um mantra.
Desistira da consulta.
Aflita, correu para o elevador. Com a mão, impediu a porta de se fechar e entrou. Sentia-se um pouco melhor. O elevador desceu e, ao chegar ao térreo, ela saiu correndo dele em direção à rua. Enfim, respirou.
Estava livre de toda aquela opressão da sala de espera. Apesar disso, ainda restava um aperto no peito. Não sabia bem o que era. Pensava em cores calmas. Imaginou um quarto azul e respirou fundo.
Foi até a esquina e sentou em um café. Pensou. Tomou um chá. Queria se acalmar. Mas sempre esbarrava em um pensamento: e se ele voltasse? E se encontrasse com ele outra vez? E se, andando pela cidade, ou numa sala de espera qualquer, estivesse frente a frente com aquele ser, mais uma vez?
Não aguentaria.
Pensou, então, na única solução possível: acabar com ele. Ajeitou o corpo na cadeira. Não lhe restava dúvida alguma. Era necessário eliminar aquele sujeito. Não podia perder a oportunidade de resolver a situação. Fixou o olhar na saída do prédio. E esperou.
Esperou até ver seu objeto de ataque. Atravessou a rua rapidamente e foi atrás dele. Discretamente, seguiu o jovem até a esquina. Sinal aberto, carros passando. Esperou o momento exato. Viu o sinal amarelo e o ônibus vindo. Percebeu a aceleração pra tentar cruzar antes do sinal fechar. Foi quando ela tropeçou suavemente, esbarrando nas costas dele. O corpo dele foi pra frente. O ônibus não parou. O corpo dele ganhou o espaço.
Gritos ecoaram pela esquina.
O corpo parou alguns metros a frente. Sob ele, sangue. Ninguém percebeu o que ela havia feito. Ninguém. Ela sorriu discretamente e olhou em volta, tentando ter certeza de seu segredo. Ligou para a emergência.
Estava aliviada.
Ainda na esquina, ouviu quando alguém do lado disse que viu o garoto se atirar na direção do ônibus, que achava ser um suicida. Outra, no meio da confusão, dizia ser sensitiva e que aquilo havia sido um suicídio com certeza. Havia cumprido sua missão naquele dia. Ninguém seria mais incomodado por tamanha indelicadeza como o comportamento daquele jovem. Não encontraria mais aquele ser pela rua. Não mais.
Estava em paz.


Tarde da Noite


Tarde da Noite

Há um tempo repleto de sonhos
Um tempo onde todos que dormem podem sonhar
Mas há aqueles que abandonaram os sonhos
E ficam acordados sentindo o vento do coração

Há um tempo para matar sonhos mortos
Que sempre renascem como as estrelas do céu
Eles estão sempre lá, mas imóveis, intocáveis
E de alguma forma se sabe que o tempo vai passar
E eles vão embora para voltar algum dia

Nesse tempo não se vê o horizonte
O frio e o escuro levam a esperança embora
O silêncio e a solidão machucam seu coração
O passado preenche o presente em sua mente

Você sabe que não há resposta até que seja o fim
Mas você sabe que vai se perguntar mil vezes
Será deixado para o destino e voltar ao sonho
Um novo sonho, pois é necessário deixar para trás os sonhos mortos
Um tempo onde você queria andar para trás ao invés de para frente

É quando há luta para não acontecer de novo
E ao fim de cada noite, ao despedir-se da lua
Sempre há um novo dia
E você sabe que aquela parte de você vai voltar tarde na próxima noite

E no último minuto de brilho das estrelas
De novo é necessário decidir entre sonhar ou acordar
Entre noite e dia
Entre lento e rápido
Entre ação e oração
Entre futuro e passado....

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Antirreflexo II (tabula rasa)

Constrói a história do tempo
O tempo que se inicia após o fim inesperado
Já que juntos cursam por toda a eternidade
E combatem o antirreflexo da felicidade

Feliz seja tudo que lhe convém
E o que não...amadureça longe do seu quintal
Seja feliz mesmo que não convenha
Pois o que se colhe verde apodrece no final

Grandes novidades no museu da alma
Pinturas, musas e esculturas...de carne
A entrada é franca...ou quase nada
Apenas deixe para trás a tinta já usada

Somos tabulas-rasas prontas
Prontamente inconscientes do que nos espera
O certo é que o preenchimento é inevitável
Inevitavelmente recobre as manchas de outra era

Uma semente cresce em seu jardim
Florestas voltamos a ser
Pois mesmo em terrenos inóspitos ouve-se o toque do clarim
Proclamando que voltamos a ter...o que nos faltava...ser

Hoje, nem tintas afiadas
Nem tabulas-rasas
O preenchimento inevitável aconteceu
Assim é você...assim sou eu

terça-feira, 10 de julho de 2012

Convidada Viviane Vasconcelos

espelho náufrago


além do papel perfurado (como borda de naufrágio)
seus olhos vociferantes como o azul da distância
feridas selvagens de unhas cheias
supercedem o momento em que nossas mentes voltam à trilha
(por terra, por mar)
os sons da lua crescendo (tinta no oceano)
seu corpo assaltado pela fúria da areia
nossos corpos envolvidos por palmas e árvores
o afundar de dentes em fendas salgadas
um piscar veloz (como asas de beija-flor)
o gosto em sua pele um prelúdio (àqueles todos beijos que eu guardarei
pra um dia de chuva)
um espelho, os destroços, molduras finas como papel
impulsos insasciáveis (por manhã, por tarde, por sempre)


---
Viviane Vasconcelos


segunda-feira, 9 de julho de 2012

O NAMORADINHO DO BRASIL

O NAMORADINHO DO BRASIL 

Aos 15 anos eu já me prostituía 
Nunca fui bonito
Não tenho pau grande
Muito pelo contrário
Bichas velhas mamam rolas sem ligar pra nada
Múmias paraliticas e devassas chupam até pau mole
Claro que tive que chupar uns paus e dar o cu
Não gosto de lembrar
Aos 20 anos, um cliente bambambã da Rede Bobo de Televisão começou a chupar-me com frequência.
Ele era O Cara da Oficina de Atores
Daí pra frente foram cinco anos de relacionamento
Orgias e drogas a todo tempo
Arrumei outros vários otários, ganhei um bom dinheiro.
Comecei a malhar
Alisei o cabelo
Arrumei um emprego, um papel secundário em Sarados da Tarde, uma novelinha pra adolescentes.
A bicha velha que me arrumou essa mamata foi encontrada morta na sua cobertura
O caso foi investigado, mas não deu em nada.
Eu continuei botando coroas pra mamar até conseguir um papel na novela das sete
Desde então só faço programas à surdina
Esquemas ultra-compensatórios ou nada
Hoje sou protagonista da novela das oito, fiquei até bonito.
Sou o namoradinho do Brasil, o genro preferido das elites.
Como todas
Eu sou o cara

- Hoje estou dando-me alta, Doutor.

O Doutor não respondeu
Saí da sala e fechei a porta
Uma plaquinha dizia:
“Dr. Gustini Victor Strasser – Psicólogo”
Dentro do consultório, deitado no divã, com a garganta cortada, morto, ele concordou.
Ninguém pode saber o meu passado
De agora em diante vou sumir com todos os coroas que comi
Daqui pra frente tudo vai ser diferente
Sou um homem sério
Eu sou pra casar


Pablo Treuffar
Licença Creative Commons
Based on a work at http://www.pablotreuffar.com/.
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

domingo, 8 de julho de 2012

demônios nunca riem



oca
sem bandeiras,
sem música,
 nem rima

ficavas perdida

um bando de folhas tremulavam
pálidas e plenas de  palavras
tartamudas e nuas
na quina do espelho

o espelho
o vazio
os cacos
a dança

tudo

- menos o riso -

era antigo quando vim
fantasmas  vintage

vim enrodilhada num visco
tropeçando nos versos
aqueles que não vias

eram imensos

nos teus olhos só havia o espelho
o vidro
frio e tenso

e ele me sabia

tremia num canto
velho e sombrio

conhecia o inferno

eu sorria e sabia

– demônios nunca riem

sexta-feira, 6 de julho de 2012

O Raul Cortês


nem sei de quando
         vem
nem por que
                    vem
ou veio, ou véio, gol
          veia
ou velocino da preta
                    véia
sem dente de
       ouro
                de tolo
amassa bolo
        de musgo de
         aveia
                  quac!
de olhos de
                  baleia
de óleos de
       rícino
                    rico
                    oco
       rente

o grilo falante
besuntado de hidratante
lá do cume do hidrante
profeta, profetiza
precoce, preconiza
exorbitante, exorbita
exegeta, exige a nota
cheio de banca e de pose
distribui amiúde e
de graça, conselhos de graça
sábio artrópode sapiente

sê cortês!
se és o boi de piranha
se és a bola da vez
se és o bode, a rês, o cabrito montês
se o salário não chega ao meio do mês
se o chefe dá sempre razão ao freguês
se te vendem paraguaio por escocês
se a patroa te troca pelo rico burguês
se sonhas recorrentes sonhos de embriaguez
se dois mais dois sempre dá três
se o cachorro do vizinho comeu teu gato siamês
se à tua volta se agiganta a humana pequenez
se só o que vês é cega estupidez
sê cortês!

mandou ver e mandou bem
a boa e redonda letra
que somente iletrados
e letrados sem letra
e letrados não bestas
entendem e compreendem

na birosca do Tião
pedi uma com limão
outra e mais outra
e mais outra e mais

pus rima com cuscuz
avestruz e jesus
eu vi a luz! (porque luz
tem que rimar com jesus
assim como dor deve rimar com amor)

ô tião, sangue bom,
manda mais uma, então!
senti próximo o momento
de praticar o ensinamento
veio vindo lá de baixo
o indomável furacão
poderia despejá-lo
no chão, banheiro, balcão
mas não era de bom tom
jorrei volumoso e terno
no enternado
na calça de linho
na camisa de seda
no sapato de crocodilo
desalinhado e irado
pretendeu racionalizar o desagrado
célere, desarmei o desalmado
desacelerei o celerado:
se quiseres, podes me bater
mereço ser castigado
dês a primeira porrada
se não tiveres pecado
o soco veio firme, forte, pungente
primeiro, a inconsciência
o regozijo, a seguir
constatação, revelação:
cortês fui - me dei bem - aleluia!
vi o túnel negro, vi a luz
Vi o sempiterno Jesus!
(reforço: luz, obrigatoriamente, rima com Jesus)

Carlos Cruz (cruz também, saliente-se) - 27/08/2008


* Gravura: Easter and the Totem, Jackson Pollock.

terça-feira, 3 de julho de 2012

a sintaxe da realidade

mal as coisas se pronunciam
e já declinam sobre o real
deixam de ser
tento em vão perpetrar
mas é o fim que propago
é o fim

meus sentidos pedem a inércia
me enganam e morro pelo inimigo
o mais próximo que se diz amigo
que só me fere por ter entrado
pela porta da frente que eu abri

toma-me sem pedir o que a princípio
deveria ser apenas meu
e por fim aniquila-me sem morte
seja lenta ou honrosa
e as palavras se calam

todas

vi que mal preciso das palavras
antes muda e cega
para não interagir com esse mundo cão
se acho favo é mais que amargo
o diáfano da leveza pálida e viscosa
é mesmo o silêncio.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Masoquismo


Tem uma faca na boca


e com ela me sangra
- mas depois de cortar,
me estanca -

Essa faca tem força,
busca sempre o pescoço
me esvai e cega,
expõe nervo e osso.

depois desce assim pelo corpo


misericordiosa e precisa.

Sem perguntar
trata-me como fruta madura

e me cauteriza.

domingo, 1 de julho de 2012

Segredo para ser feliz



Se há segredo pra ser feliz
É comer com fome
Beber com sede
Dormir com sono

Mas pra isso precisa

Trabalhar com vontade
Lutar com utopia
Amar com verdade

O segredo para ser feliz
É viver com esperança