segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Enchente

imagem: Evgen Bavcar


Solta.
A sua propriedade
se afogou.

Desobstrui.
Todos os seus canais
foram derramados.

Tira suas mãos
da minha vida.
O rosto nesse espelho

sou eu.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Convidado Abilio Pacheco

Poemia (fragmentos)
...
VII

A noite arrota no bar
(como um trovão)
e tic do relógio dá tique
no tempo (tac).

...
XI

A noite observa no bar
que os olhos se lançam
olhares em retinas ébrias
por sobre os copos
que beijam lábios dormentes.

sábado, 29 de janeiro de 2011

A triste história da menina que não disse adeus

Desenhava uma vida linda, tinha tudo que uma trama precisa para dar certo. Sabia bem se comprometer, não tomava decisões apressadas, orgulhava-se de não ser capaz de machucar a uma mosca. Despediu-se de muitos caminhos errados, e arduamente talhava sua história nessa vida onde seu sobreviver era viver.

Mas ela não disse o adeus que a libertaria. Não compreendia o tamanho das amarras de suas perfeitas decisões. Teria já idade suficiente para poder culpar seus pais, se rebelar, e seguir em frente; mas ela jamais o faria. Escreveria e seria a personagem principal de uma odisséia de auto-ajuda - na qual, bravamente, sobreviveria às maldições de ser quem era e ainda não despejaria sequer uma gota de sangue. A cada tropeço em seu caminho pré-moldado não culparia o molde; sempre a condutora. Nunca cairia, e a cada obstáculo fincaria seus pés mais e mais profundamente. Sua vida não passaria de uma tentativa de auto-convencimento - testaria sua hipótese em seu corpo, cientista e rato ela mesma, somente para poder dizer: sim, posso confirmar minhas crenças. Sempre as confirmaria.


Nessa história de sempres e nuncas, ao passar por ela uns sorriam, outros choravam.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Sobre o tempo III

Não faz muito que descobri os campos de espaço-tempo curvos.

Em silêncio, reconheço: na verdade, ainda não os descobri.

Que tempo é esse, que me esconde o espaço em que você est(á)(ava)(eve)?
Que dimensão do espaço-tempo escondeu você?
Em que tempo da minha dimensão você se camuflou?
Na dimensão em que você esteve em mim, como me dimensiono no tempo teu?

Quando tempo-espaço seguem juntos, em que lugar-momento está você?
Quantos milésimos de espaço-tempo dura o seu lugar?
Quantos lugares, ao mesmo tempo, você pode ocupar em mim?
De quantos você, em um único tempo, eu posso me ocupar?
Quantos de você tenho em mim?
Que tamanho tenho em você quando me vejo em ti?

Me disseram que o espaço se curva com o tempo. Que isso dilata o tempo.
Que é a relatividade.
E deve ser mesmo relativo.

Por que o tempo nosso não dilatou?
Pareceu tão curto.
Seu espaço, algum dia, vai se curvar sobre o meu tempo?
Tenho medo que a curva do seu espaço sobre o meu tempo me tire do lugar.
O espaço do meu lugar não se curva no infinito com o seu tempo.
O seu tempo curvou o meu espaço no infinito.
O seu infinito tomou espaço demais no tempo meu.
Meu infinito já não cabe mais no seu.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A (re)volta de Policarpo

Pela ausência de grandes e heróicos personagens literários, eis que o velho Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, foi resgatado em carne e osso pela nossa egrégia Academia Brasileira de Letras, saindo de seu “triste fim” para quem sabe um novo recomeço.
Não foram divulgados detalhes sobre o episódio, mas presume-se que a ABL tenha tido a ajuda de um certo mago para trazer o clássico personagem de volta à baila.
Policarpo ressurgiu de manhã, já estranhando de início o que via em volta. Nada mais natural, pois Lima Barreto o colocara na cidade do Rio de Janeiro em fins do século 19.
Saindo com um grupo de escritores para passear pelas ruas do seu Rio, não gostou nada do que viu.
— Bando de gente maluca! Quase nos atropelam com essas carroças de metal e sem animais! Como os cocheiros as controlam?
Enquanto se dirigiam para um parque, lugar mais tranquilo para conversar, explicaram-lhe sobre o desenvolvimento automotivo no decorrer das últimas décadas.
— A cidade está mais desenvolvida, não acha?
— Eu diria mais barulhenta e desorganizada. — respondeu, já perdendo o humor.
— Caro Policarpo — continuou um jovem poeta, talentoso, mas carente de bom senso — és dos personagens mais patriotas que o Brasil já conheceu. Poucos estudaram nossa pátria com tanto amor e competência, não por acaso, tornou-se um clássico na literatura nacional. Por isso te chamamos, para, quem sabe, ministrar um workshop para novos personagens...
— Um o que?? — perguntou Policarpo, estranhando aquele dialeto.
— Uma palestra, um curso. — respondeu outro.
— Bem... sabeis que o Brasil sempre foi minha paixão. O respeito à sua natureza, a sua língua, a sua gente, sempre permearam minha conduta. Terei sim prazer em orientar as novas gerações de personagens. Mas, por ora, encontro-me faminto. Há alguma taberna próxima?
— Sim. — respondeu o jovem poeta —, mas hoje em dia chamam-se restaurantes; ou fast-food, como preferem outros.
— Fésti fud?? Que diabos é isto?
— É comida rápida, em inglês. O pessoal daqui acha elegante a língua de Shakespeare.
— De fato, tem suas belezas. Mas, se não me levaram à sério na proposta de se ensinar o tupi nas escolas, deveriam pelo menos preservar a língua de Camões, também encantadora.
Por fim, resolveram levá-lo numa lanchonete, lugar geralmente mais calmo na hora do almoço, já que Policarpo ainda estava visivelmente incomodado com a enorme quantidade de gente nas ruas. O jovem poeta deu a idéia: levar o velho personagem para lanchar em um shopping center.
Lá dentro, depois de passar em frente de lojas como Golden Joalheria, Kings Coffee e Woodstock CDs, chegaram a praça de alimentação.
Apresentaram ao ufanista Policarpo... o Mc Donalds...
— Róti dóg, xis burguer... Que diabos de comida é essa, senhores?
— Não se preocupe, Policarpo, o nome pode ser estranho, mas o lanche não é ruim.
— As sardinhas da Taberna do João me pareciam mais apetitosas. E pelo menos dava para saber o que estávamos comendo...
Enfim, lancharam todos e uma hora depois estavam de volta à rua. Retornaram para a sede da ABL, onde apresentaram Policarpo a um aparelho inexistente em sua época, a televisão. Nada melhor para mostrá-lo de modo mais dinâmico o que acontecia no país. Foi aí que tomou conhecimento das fraudes em licitações públicas, do desvio de dinheiro, dos votos comprados...
— Bando de néscios, malta de bandidos, quadrilha de pândegos!! A mão da Lei será pesada sobre seus cornos!
Acharam por bem não alertá-lo que a mão pesada dos egrégios tribunais do país tinha por hábito presentear os acusados – a maioria presa em flagrante, com a mão na cumbuca, como diriam os antigos – com providenciais Habeas Corpus...
— Que fazem com meu país, calhordas? — perguntou Policarpo, sem desgrudar os já úmidos olhos da tela.
A notícia seguinte dava conta do desmatamento da Amazônia, da poluição dos rios, e da suprema incompetência governamental não só em prevenir tais problemas, como também em punir os responsáveis.
Depois do intervalo, chegou a vez do caos na saúde pública, das escolas de lata...
— Calhordas, salteadores, biltres, abutres, sacripantas!!! — xingava Policarpo, quase batendo na televisão.
Deram-lhe um calmante à base de farinha que não surtiu efeito. Por fim, preferiram trancá-lo em uma sala, para que pudesse descansar um pouco. No início da noite, mais calmo, Policarpo informou:
— Amigos, agradeço a honra de me considerarem como modelo, como exemplo, mas prefiro retirar-me. Na verdade, caríssimos, não preciseis de personagens clássicos ou de heróis míticos; preciseis de homens de carne e osso, de bom senso, justos e preocupados com o próximo, que saibam dirigir o país com responsabilidade e serenidade.
E foi-se o velho Quaresma, quem sabe passar uma quarentena no consultório do seu estimado amigo Simão Bacamarte, o Alienista, de Machado de Assis. Precisava desabafar um pouco...

“Há quantos anos vidas mais valiosas que a dele se vinham oferecendo, sacrificando, e as cousas ficaram na mesma, a terra na mesma miséria, na mesma opressão, na mesma tristeza.”
Triste Fim de Policarpo Quaresma


Texto premiado no VII Prêmio Barueri de Literatura, em 2010, na categoria "conto, de não-residentes em Barueri".

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

sábado, 22 de janeiro de 2011

Ninho de chupins

Após adentrar a sala, girou a chave da porta quatro vezes e repetiu para si mesma:

- Precaução nunca é demais!

Logo depois de conferir as janelas de todos os cômodos daquela enorme casa vazia, erguida pela própria família, em área hoje cobiçada pela especulação imobiliária, ela programou a televisão para desligar em meia hora, apagou a luz e deitou-se.

Antes de fechar os olhos, apalpou a cabeceira para pegar o aparelho celular, esperançosa de encontrar por ali uma chamada não atendida ou mensagem recebida - nunca tinha nada, nem sinal de nenhum dos filhos. Então, ela encolheu-se num canto estreito da velha cama de casal, abraçando os dois joelhos e, por fim, despediu-se mais uma vez da casa - certa de que, um dia, cairiam juntas.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

2 poemas sem título

Cláudio Bettega
(12/06/1971-06/10/2010)

"Encontrei certa vez um verso
Todo esfarrado e sujo
Disse-me não ter passado
E também estar perdido e sem futuro
Pediu-me encarecidamente
Que escrevesse um poema belo
E nele o colocasse
Formando aqui e ali algum elo
Prontamente atendi seu pedido
E dei-lhe vida poética
Aqui está o poema
Mas não vou revelar o verso
Quem quiser que adivinhe
Sem dar significado inverso"

***

"De onde vem tudo?
Quem criou tudo isso?
Deus? Que deus?
O que mantém a energia
dos espíritos que, sei,
me energizam?
O que determina a beleza das palavras,
dos homens, da vida; a dureza
das palavras, dos homens, da vida?
O que gera dúvidas, estas dúvidas todas?
Sou louco, sou mito,
sou pouco, sou muito?
Como viemos, se já vamos?
Por que vamos, se viemos?
De onde, para onde?
Por que o por quê?
Ah! inexplicabilidades...
O que me resta é continuar!"


Do livro "Busca", Curitiba: edição do autor, 2006.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Convidado Louis Alien

À MAIS FIEL DE TODAS AS GAROTAS


Ela liga às 5 da manhã, pra avisar que não vem. A voz rouca e sexy dela me faz arrepiar por inteiro. Adoro a sensação. É como escorregar num tobogã de lâminas e mergulhar numa piscina de álcool.

é ela, que nem precisa se identificar: a mais fiel de todas as garotas. nunca me deixa na mão. mesmo quando não vem, ela faz questão de me avisar. E é sempre esse arrepido elétrico percorrendo meu corpo. nossa história começou há muito tempo atrás, nos tempos de eu menino. ela gosta de mim, eu sei. e eu gosto dela. esse gostar se entende pela aceitação de espaço e tempo.

tem sempre um espaço e um tempo certo pra encontrar essa garota, que anda por aí no meio de todo mundo, que já esteve em todo tipo de lugares, conheceu todo tipo de gente, já bebeu e usou de tudo, já esteve em tudo.

ela me pede pra ir com mais calma:

"babe você sabe que sou louca por você, mas ainda não é a hora. cuida das coisas, diz e faz tudo que deve ser dito e feito antes de eu te abraçar... cada dia é o último, e pode ser mesmo."

o rádio toca um blues dos anos 40, daqueles gravados num take só, eu reflito nisso pela crueza da coisa. a crueza dela está em todas essas coisas cruas e pulsantes. sinto o toque dela através do fone, como um sussurro ao pé do ouvido, e as ondas de choque aos poucos tornam-se calor. o frio lá fora passa subitamente. ela gosta de causar esse efeito em mim.

ela sabe tudo sobre mim.
não me julga por nada.


me aceita exatamente como sou, se estou ou não. se vou e não volto. abro uma garrafa de vinho e a saúdo. pergunto se ela quer, e ela me responde que bebe comigo sempre. que está sempre por perto

ela desce pela minha garganta quando o vinho rola pela minha boca, desce suave, doce, lenta. como o caminhar dela, que já a vi em muitos lugares.

eu a encontro em becos escuros, em ruas desertas. em bares vazios quando o amanhecer não passa de uma promessa nublada e escura. na casa de amigos, ao redor dos inimigos, através dos espelhos claros e embaçados do mundo...

ás vezes penso que ela é meu mundo. ela me diz que isso é uma besteira caótica apoteótica romântica típica dos poetas loucos como eu. rio e isso significa paixão louca, e esse sentimento passando por besteira é a escada pra novos horizontes, novas galáxias e planetas.

ela desliga o telefone. quando acordo, ela já partiu, mas não há solidão, só há aprendizado e uma paixão elástica esperando por preenchimento.

apesar dela estar em tudo que digo, ela é solitária. Eu também. afinal, a Morte parece ser de todo mundo, mas não é de ninguém




Louis Alien

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Trânsito

Foto  de intervenção Urbana de Banksy


Não existe mão ou contra-mão
no transito de minha alma.




sinais vermelhos só para o egoísmo




sinais verdes para novos amigos e antigos amores




FotoSensores de sonhos e desejos




Multa por excesso de ausência


Não existe mão ou contra-mão
no transito de minha alma.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Meu Reino




meu reino
teria uma casa velha
de madeira,

uma senhora bonita
de olhos verdes
e dois herdeiros
pentelhando pela sala,

seus sorrisos
ecoando
pela eternidade
de nossas vidas.

eu estaria bebendo
cachaça na cadeira
de balanço,
coçando a cabeça
de um vira-lata velho
e pulguento,

olhando para o céu.
como um soberano
orgulhoso.

mas desse meu reino
uns já se foram
e outros nem chegaram
a existir.

tanto melhor assim.

sem herdeiros,
meu reino fenecerá
logo depois de mim.

André Espínola

sábado, 15 de janeiro de 2011

Anoitecido


meus pés desejam pisar silêncios
de um alvorecer grisalho e calmo

não é pretensão, é despojo
despir-me das escamas de um tempo
atingir nuvens em dois saltos
sorver mares profundos
despetalar um poema e aspirar sua essência

mas desconheço e desmereço o segredo do Sol
permaneço em penumbra

de manhã lírios brincarão na brisa

até quando aquela estrela me consolará?

(Celso Mendes)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Atemporal

Eu te amo como os seres com mente se amam
mas também com amor de mamífero, de cabra e tamanduá.
Te amo como os pássaros mergulhando no vento,
nas reticências escuras dos tempos,
antes de um eu existir -
com o eros pré-amoroso dos répteis e a fúria fria dos dinossauros
que perdem tempo se matando sem saber que o mundo vai explodir.

Te amo em eras glaciais,
em desastres naturais
e na areia da praia antes de você nascer.

Te amo como os peixes na substância comum das águas,
como os pólipos, os corais, as algas
com o amor que a esponja tem pelo mar
e as plantas pela atmosfera.

Te amo em todas as histórias
em cada éon e era,
com o contágio inevitável dos virus
e a matéria reunida de todas as bactérias.

Te amo no microscópio, meus elétrons e seus prótons.

Te amo cosmogonia,
Eros órfico, Big Bang:
O meu amor antigo é gritado
no chuvisco das tevês.

Te amo além dos limites da ciência
e dos sonhos que não são lembrados.

Te amo na minha pressão sanguínea
e na sua pele invadindo minhas células olfativas.
No buraco vazio do peito,
no saco cheio da vida,
na voz que sai da barriga.

Te amo na realidade da gente: sua delicadeza às avessas,
que corta a floresta de espinhos para ver a primavera,
o seu peito de toureiro, o seu preto e o seu vermelho,
eu amo você inteiro.

Amo te alisar feito um gato
forjar um frio exagerado
e te puxar pra baixo do meu cobertor.

Amo e amo viver de amor.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Nunca Mais

Ao sonhar demais me perdi,
Enlouqueci em devaneios inventados
por uma mente que sozinha jurou amor eterno.

Imaginação fértil em terrenos impróprios,
plantações de frutos raros
que nunca serão colhidos.

A beleza que floresceu não terá cor
pois os olhos de quem as plantou estão vendados

Só restam os aromas que penetram na alma e
se fixam no coração que palpitante grita
Tudo que poderia ser mas por medo não foi e,

Cala-se.

Para nunca mais.

(Ro Primo)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Convidada Cris Linardi

Conto Vaginal


Minha provável simpatia com o nada mantém meus lábios murchos, neste corpo cuja capacidade de se estimular já foi perdida. Ultimamente os rijos membros que em mim adentram já não causam assombro algum, este mesmo que se faz necessário para que de fato eu me interesse. Formas diferentes, tamanhos variados e minha insatisfação equipara-se à monotonia do momento, uma reunião formal em que o encontro se dá por convocação e não convite.

Embuste. Uma arte tão sórdida e tão ácida que me arrepia, mas se somente isso me excita, creio que sou o mais sádico e preguiçoso dos órgãos, pois talvez meus dois únicos desejos sejam o vislumbre do desapontamento – duas burcas negras, perdidas num céu obscuro, a velar minhas reações à distância enquanto a língua procura desesperadamente umedecer um cáustico deserto – e um banho morno, depois de fugir deste embaraçoso momento.

Pêlos finos ou grossos, todos se mostram bastante interessados quando me veem adornada com enfeites, mas a verdade é que não me lembro o que fazer quando despida. Enrugo-me e fico tímida, a ponto de me ocultar por detrás das carnes e o que sobra é uma luta, sim, uma batalha, tentativa sôfrega de reanimar um corpo morto.

Ultimamente meus deleites têm sido coisas de velhinhas e suas maquinarias perfeitas, observando os namorados na rua. Contudo, escondida, me enlevo com outro tipo de manipulação. Não sei se os paus antes comiserados de meus amigos andam fugindo em surdina, como ladrão que desiste do roubo, mas a verdade é que não ligo. Me entrego ao alcool e à insatisfação e fumo um cigarro doce, cujo aroma é mais saboroso do que qualquer coisa viscosa descendo a garganta.

Viro pro lado e nem peço para fecharem a porta, pois já o sabem. O amargor que lhes fica na boca é como veneno, amarra. Devem ir lavar-se, já imaginei, pois são leves como plumas depois de uma tempestade de necessidades. E eu fico morta, olhos semi-cerrados, a ver a parede do meu quarto que pede, há meses, um novo reboco.



---
Cris Linardi
blog|twitter|facebook

domingo, 9 de janeiro de 2011

Lançamento de A DOENÇA É A DESCULPA DO CARÁTER de Pablo Treuffar. Dia 11/01 às 19h



Dentro de Pablo Treuffar existe um espírito indômito, irreverente e irônico a gritar conceitos e impropérios através de versos livres (de métrica, inclusive) que nos chegam como flagrantes do cotidiano e das emoções do autor. Isso de escrever sem apoio das delongas Pablo Treuffar aprendeu com os mestres que orientam suas leituras – Rubem Fonseca e John Fante, por exemplo. Sem pressa, mas com alguma urgência, o jovem poeta faz uso do pensamento/discurso na primeira pessoa para oferecer fúria e revolta sempre contundentes. A indignação em primeiro lugar. Os versos de Pablo Treuffar são – não de forma unilateral, pois existem outros atributos – revigorantes de uma energia perdida pelo leitor num passado recente.
Toninho Vaz (autor de Paulo Leminski, o bandido que sabia latim e Pra Mim Chega, a biografia de Torquato Neto)


Eu lia contos e poemas no Bar do Escritor (comunidade no Orkut para troca de experiências em literatura), quando um novo nome surgiu: Pablo Treuffar. Abri seu texto e me deparei com uma prosa poética sem correspondência com outro autor contemporâneo. Suas linhas eram fortes, marginais e muito engraçadas. Elogiei sua história, disse que via ali uma inovação bastante curiosa e interessante. Outros membros do BDE discordaram, disseram que o Pablo era um louco, sua crônica, que até falava de amor, mais parecia coisa de um beatnik alucinado. Ri. A crítica que o imputavam soava como rock´n roll para mim. O tempo passou e me familiarizei com a maneira peculiar de Pablo em se expressar. Eu gostava tanto da forma quanto do conteúdo. Ele falava dos tesões em viver na Cidade das Maravilhosas, cercado de tentações de biquíni e obrigações não tanto necessárias. Cada nova história me dava mais a impressão que aquele autor tinha algo de especial, sabia onde queria chegar e como queria ser percebido. Em alguns momentos, eu ficava até com inveja de sua sinceridade lírica e sensual. Um dia, li um comentário do escritor Edson Bueno de Camargo, que dizia conhecer um escritor do Rio de Janeiro que o lembrava a mim, pelas ideias libertárias e a forma pessoal e marcante de escrever. Ele falava do Pablito. Eu me envaideci. Muito. Já era fam do cara, uma voz que soava como se estivéssemos confessando nossos próprios pecados, mas sem vergonha ou arrependimento.
Giovani Iemini
(autor do livro Mão Branca, entre outros talentos)


O Treuffar tem uma coisa bem explícita: escreve como um carioca nascido depois do Rebouças... Isso fica claro no ritmo que ele impõem (sim, ele faz isso), reverberação do Baixo Gávea, da Prado Júnior... Um carioca irrecorrível escreve e pensa assim: Vai cuspindo idéias rápidas, que na verdade, pensou durante anos sobre cada uma delas. E vomita... Vomita porque a cidade partida, recém cerzida (em parte) pelo Capitão Nascimento (ironic mode on, please, tá?) exige certa ausência de lógica para funcionar. A Zona Sul carioca pede pelos sons das favelas para auto imolar-se de seus complexos de culpa. E o Pablo sacou isso já há tempos. Desanca putinhas patricinhas, mas as ama. Pensa na morte, teso por viver um pouco mais.
Eduardo Perrone
(escritor "quando dá na veneta" participou de antologias entre outros projetos)


Pablo Treuffar é violência. É sexo. É cotidiano urbano furioso. Dentre leblonetes, estampidos na favela, cadelas, sejam elas Shitsus ou pejorativas, a sensibilidade do autor sobressai. A métrica? Foda-se! Importante é estilo, e isso, transborda neste escritor talentoso. Inale Treuffar e descubra as facetas do Rio de Janeiro.
Guto Correia
(jornalista)


O Pablo Treuffar não é um poeta fácil de engolir, sua linguagem suja, me lembra algo como um beat tropical, sob o sol escaldante do Rio.
Edson Bueno de Camargo
(autor de Cabalísticos e De lembranças & fórmulas mágicas, entre antologias e outros livros)


Entrevista de Pablo Treuffar
http://www.pablotreuffar.com/



HHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH

ELE É O CARA


ELE É O CARA

Vou falar
Doa a quem doer
O William Bonner
O Zeca Camargo
O Luciano Hulk
O Faustão
Infinitos sem fim outros
São a legitimação da hipocrisia humana
Eles sabem
Facilitam as negociatas nas politicagens empresariais
São coniventes
Corrompem o Brasil
Seus sorrisos amarelamentem falsos vendem nosso país em promoção
Alienaram sua alma por milhões
Infinitas prestações
Monstros destruidores de um Estado Maior
Ciência exata da representação de suas palavras
Estão aniquilando a sociedade com seus programas
Garotos de programa
Não aceito em hipótese alguma a palavra inocência pra eles
Não são inocentes
São filhos do dinheiro sujo
Não estão nem aí
Muita gente boa morre, servindo como moeda na troca das elites.
Dou de cara com o moleque, saindo do Beco de Eduardo Marinho.
Sua pistola cromada
A verdade de um menino boleiro, abandonado na serventia do crime.
Não por acaso
Não se tornou um craque
É triste
Que vencedor, que nada.
Anos de convívio desumano
Escassez de pessoas interessantes
Eu não sou tão atraente
Sim
Falo mal da nata da sociedade
A simbiose dos meus escritos é descrever essa realidade cruel
Contudo
Escrevo tudo do meu apartamento no Leblon
Bebendo uma coca-cola gelada
Ou
Saboreando um uísque
Sinto-me mal por isso
É difícil assumir-me parte da elite por mim criticada
O passo na estrada dos invisíveis sociais de Luiz Eduardo Soares eu não dei
Fazer parte do resto, com tudo, é pra poucos.
Eduardo Marinho faz
Ele é O CARA

Licença Creative Commons
Based on a work at http://www.pablotreuffar.com/.
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

sábado, 8 de janeiro de 2011

SIBILA


SIBILA

* Escrito para Lanóia depois de alguma conversa sem sentido e o pq alguém tinha me pedido um conto que incluísse um pacto e meias sete oitavos.


Era uma noite fria do começo de junho. Meu carro havia parado no meio de um imenso nada, o celular não tinha sinal e eu esperava na estrada, sozinho, desempregado, falido e mal pago. Depois de quinze minutos de raiva e recriminação, parei de pensar e apenas esperei. Preparava-me para desistir daquela tolice, quando Sibila surgiu das sombras e ficou um momento imóvel, a silhueta recortada contra o céu.

Nenhuma luz brilhava além do clarão mortiço da lua minguante que delineava as curvas que eu conhecia bem. Estava na mesma encruzilhada onde dez anos atrás eu a invoquei pela primeira vez.

— Pontualidade. Gosto disso num homem, especialmente quando ele é meu.
Meu coração começou a bater tão forte que meu peito doeu. Tive esperança de que ela não viesse. A saia balançava suavemente, respondendo aos movimentos do vento, mas ela não se afastava do ponto onde as estradas se encontravam. Atravessei a distância que nos separava tremendo, enquanto Sibila me saudava com um aceno e uma rajada de chuva fina e gelada, um truque bem típico dela.

— Você não me deixou muitas escolhas, deixou?
Sempre que pensam em seus demônios, as pessoas pensam em calor. Eu penso em frio, mas tinha esquecido que, ao voltar àquela encruzilhada, sentiria muito frio todo o tempo e não só pelo clima.

— Não reclame. Foram dez anos felizes que te dei. Uma família bonita, bom trabalho, grana. Tudo que me pediu, sem tirar nem pôr.

— Você se esqueceu de dizer que me tiraria tudo, assim.

Ela sorriu quando me aproximei e abriu os braços.

— Vem fácil, vai fácil. Você sabe que não sou nenhum anjo.

A pálida luz da lua brilhando em seu rosto produziu o resultado de sempre: uma quebra na linha de pensamentos infelizes. Aquela mulher era uma festa para meus olhos. Sorri, esquecido por um momento da razão do reencontro.Ela sorriu também, antes de me envolver num abraço, antes que eu me perdesse em seu perfume, antes do beijo. Era uma velha amiga que, com o passar dos anos, havia se tornado inimiga, mais uma na imensa lista de amigos a quem eu havia traído. Uma das muitas pessoas dedicadas a arruinar minha vida.
— Tá, sou seu, mas deixe minha família em paz. Eles não te devem nada.

Ela sorria enquanto deslizava a unha afiada e vermelha pelo meu rosto, deixando uma trilha de sangue. — Deixo. — Lambeu o sangue suavemente.

— Vamos terminar logo com isso, então.

Ela tirou o vestido e ficou ali, no meio da estrada, vestindo apenas suas meias sete oitavos e os sapatos de saltos intermináveis. O tempo passava denso e escuro. Fechei os olhos. Não precisava ver para saber que ela tinha uma tatuagem em forma de estrela na virilha, ou de como seus seios eram perfeitos. Na última vez, tudo me foi dado depois de um beijo. O beijo de agora seria o pagamento. Minha alma e tormentos menos suaves pela eternidade.

— Tic TAC tic TAC tic TAC... Vamos, querido. Tenho outras almas para tomar.
O tempo passava. Eu lutava para encontrar uma saída, mas não havia, a menos que fosse um bom exorcista. Desajeitado, beijei-lhe a tatuagem na virilha; ela contorceu o rosto num esgar de prazer, enquanto eu murmurava minhas últimas preces, as orações mais sentidas e verdadeiras que jamais fiz. Sibila gargalhou, ergueu-me pelo queixo e gritou alguma coisa que não pude entender, numa língua gemida, língua que já devia ser velha e esquecida antes que eu sonhasse em nascer; e, mesmo sem ter entendido o conteúdo das frases, senti meus pelos se eriçarem enquanto ela as dizia.

Antes do beijo final, ouvi um rosnado baixo, um desafio, vindo das margens da estrada, de onde surgiu uma figura negra e graciosa. Sibila largou meu queixo e disse algo suave e gentil à sombra escura e lhe estendeu a mão. A sombra respondeu com mais frases na língua morta e cravou os dentes no braço da minha bruxa, que cuspiu em sua direção.
Então, Sibila olhou para mim, e se eu duvidei por muito tempo que ela fosse o que dizia ser, agora tinha certeza: seus olhos vermelhos chisparam sobre mim, depois se torceu e se retorceu até virar algo que lembrava um gato, para desaparecer na noite. A sombra que viera em minha defesa desapareceu também e eu fiquei ali com o coração aos pulos.
Então, um ronco de motor à distância quebrou o encanto: um caminhão descia a estrada buzinando para o louco parado na encruzilhada. Caí no acostamento vendo o vermelho das luzes traseiras do caminhão, depois os insetos, depois as estrelas, depois mais nada. Corri para o carro, fechei os vidros e esperei por algum socorro.

Isso foi há uma semana. Sibila ainda vem à minha casa cobrar a dívida. Não aparece todas as noites, mas vem na maioria delas. Entra pela janela do banheiro e murmura coisas naquela língua estranha, desliza a língua pelo meu corpo e desaparece quando ouve o rosnar das sombras. Não sei o que fiz para merecer a ajuda, e egoísta e amedrontado, tento ser bom para que ela não suma.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011













Vênus saiu das águas numa manhã de Sol muito forte em Copacabana. De repente, algo ocorreu em na praia, algo peculiar. As pessoas homens e mulheres começaram a observar aquela moça. Tão bonita em sua beleza irretocável, era algo simplesmente diferente, extasiante. Ela era muito mais bonita do que qualquer banhista, modelo, atriz ou vizinha de condomínio. Um corpo perfeito, um cabelo que começou a secar ao sol e que formava um volume que realçava seus olhos e rosto. Ela era o desejo em pessoa. Ao ser vista, pensamentos ardentes se materializavam no ar. O seu jeito era febril. Ela era etérea e significava simplesmente, tudo. Era impossível não olhá-la ao caminhar atravessando a areia quente.


Ajoelhou e disse a um rapaz. Atônito, ele tremia.

Posso pegar seus chinelos.

São da minha mulher... mas pode sim

E a canga?

Claro, leva.


Continuou seu desfile, num gingado sublime.

Passou na barraca e pegou uma água de coco. Ela apenas tocou o balcão e sorriu aos freqüentadores. Ao chegar ao calçadão, o trânsito foi seu mar na cidade. Distraída, passeou seus chinelos e dedos delicados pelos vista dos retrovisores e vidros fumês, e os motoristas – ah! os motoristas !!! – eles começaram a descer dos carros, parar e filmar. A claridade da manhã incidia sobre o caos fazendo tudo ficar leve pueril e simples. As mazelas os defeitos as raivas os pecados os segredos e as desgraças, e também os medos, tudo se dissipava ali, na instância daquela mulher.


De repente, uns passos rápidos às suas costas.

Ei ei minha mulher quer os chinelos dela de volta, e a canga

Os chinelos...?

É sim, sim


Ela o olha, ele não resiste

Ele a beija eles se beijam

Que isso você ta beijando essa mulher, que porra é essa


Eles se separam

Que putaria é essa porra

Nada ... nada... você é linda demais hehebahua meu Deus


Ele se ajoelha e pega sua mão

ela sorri

Ele treme sua mulher o bate

ele sorri


Que que ta acontecendo aqui (um mortal pergunta)

Essa mulher aí ta tirando a roupa no calçadão, ta doida ficando pelada (uma outra mortal diz)

Essa mulher ta mexendo com o meu marido ( a mulher dele diz)

Os olhos esbugalhados da multidão e o sorriso de Vênus se degladiam. E venceu a multidão.

Todos querem se aproximar, ver de perto, sentir o cheiro, poder observar detalhes, nuances, pintas, formas. Ah muitas vozes no ar (mortais), um turbilhão de pessoas toma o espaço em volta dela, e Vênus é tocada, beijada, acarinhada, arranhada, esmurrada, quebrada e feita em pedaços, em poucos minutos.


Alguns saíram com nacos do seu corpo envoltos em suas camisas, correndo pela avenida e sendo perseguido por outros menos afortunados, uns levaram ao mar e nadaram até o meio do oceano atlântico pra morrerem loucos apenas pra ficar na exata solidão com seu pedaço ideal dela; fosse uma mão apodrecendo do sal quente do mar, ou um parte do seu lábio inferior e queixo, cova e pele morta.


Isso foi numa manhã em Copacabana...

O fato não repercutiu.

Foi hedonismo supremo.

Todos os envolvidos negam e ficou o pensamento pra quem não conseguiu sua parte da deusa; mesmo se indignando com os estupros e casos de pedofilia nos telejornais, a vaga idéia “- mas dela eu devia ter arrancado um pedaço”
#

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O Outro

Sou outro, outra vez
refletido em um rosto que não reconheço
não sei onde me encontro
não sei qual é o preço
da sanidade que não controlo
da ingenuidade que me consola
da concordância com o mundo
ou da revolta que ainda guardo
há na mente tantos quartos !
Tantas lembranças, tantos fardos
mas vou à luta novamente
erguendo-me da lona
onde atirado estava
no fundo da minha vala
que cavei para me defender
dos assaltos ao coração
da covardia e da traição
da minha própria condenação !
sem defesa e sem juiz
me acuso continuamente
por teimar em ser feliz
por sorrir serenamente
enquanto o caos me consumia
levando os socos ainda sorria
fingindo ser tão poderoso
inatingível e inalcançável

Era outro eu que se valia
da bravura e covardia
que dissimuladamente exibia
Estóico !
era o brado que retumbava
nos caminhos onde passava
Heróico !
feitos meus que não contei
que nem mesmo acreditei
terem sido obras minhas...

Mas isso é passado de um outro
que guardo longe dos olhares
e me acompanha aos lugares
sem ser visto por ninguém...

Mesmo comigo ele insiste
quer provar que ainda existe
quer provar que é alguém

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

das coisas belas e sujas

essa face rasa respinga
no concreto
é o asco que abarca seres
rancorosos e magoados
iguais a você

surge com suas mãos
seus dedos sobre olhos
máscaras de esconder
com toque nocivo
que desdenha o que
mais quer

feche o punho que a vertigem
é mais soco que miragem
reflete o que há de belo
e aceitável

é imiscível com o que trago
sou suja, incurável
muco e substância
fétida

não vivo em seu mundo
e se sou uma qualquer
não sou para seus olhos

o que há de mais precioso aqui
é o que não pode alcançar
ou ao menos perceber.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Joio



Pra ser sincera:

sei que te assanho
e tiro o sossego.

Às vezes me entrego...

Mas na maioria,
é só brincadeira
e se aperta,

eu espano.

Tenho um escudo
à prova
de perdas e danos.
--------------------

Em janeiro, no dia 21, estarei no primeiro sarau do

que acontecerá no Bagaça Botequim, em Sampa.
Nos vemos lá!

sábado, 1 de janeiro de 2011

jack daniels

hei, jack
I am back
after you try give me a tack
I said: hangover is a sack

---
poemeto ridículo que fiquei repetindo no dia primeiro, após agradecer aos deuses da bebida a falta de ressaca. viva jack!