terça-feira, 30 de novembro de 2010

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Uma introdução


Fui convidada para me sentar à mesa com vocês, e com alegria aceitei o convite. Perguntei ao Giovani se meu estilo estava bom, ele me respondeu dizendo que o espaço é livre. Sempre tive muitos motivos para duvidar do meu estilo, talvez todos fictícios (mas que existem, existem).

Não sei para quê escrevo, nem como. Sento e escrevo. Não sei por quê quero ser lida, mas quero. Minha escrita não tem manual. Por isso a julgo inevitável – no sentido de que não há muito que possa fazer, a não ser sentar e escrever. À parte disso, não compreendo mais nada, o que me causa uma alegria e ansiedade enormes. Por não compreendê-la, temo que um dia ela se vá, e a fonte se esgote (mas uma voz otimista que me forcei a criar diz: calma, se é sobre a vida, matéria não há de faltar).

Aprendi a escrever enquanto criança, na escola. Meu primeiro livro fiz antes disso. Na minha escola aprendi que pra contar história não precisava saber escrever, e ditei para a professora, palavra por palavra, a fantástica história do melão chorão que fazia xixi. Apesar de tantas faltas de liberdade inerentes à escola, muito era possível naquela, onde aprendi também a fazer amigos e a discordar (às vezes) de (algumas) autoridades. Me lembro de discussões sem fim com o professor de história sobre nosso otimismo ingênuo, e anos depois fui encontrar um pedacinho de papel entre meus materiais escolares que dizia:

Carta para mim aos 21 anos
Eu acredito que se cada um fizer a sua parte o mundo será melhor.

Esse foi o fim de um debate acirrado sobre nossas visões de mundo: os alunos da sexta série A acreditavam que de gota em gota poderíamos mudar o mundo; o professor nos garantiu que aos 21 anos já não pensaríamos bem assim, e nos orientou a escrever esse lembrete para quebrar nossas pequenas caras no futuro. Emputecidos, escrevemos, certos de que jamais mudaríamos de ideia.

Mas ouvíamos atentos. Entre detalhes sórdidos sobre os cintos de castidade e aqueles incríveis desenhos de feudos completos no quadro-negro, via-se naquele professor um leve tom de foda-se para aquilo tudo que nos intrigava. Era interessante porque esse desinteresse se misturava com uma preocupação conosco e com o mundo – só quem se preocupa defende ativamente sua revolta. Aprendemos ao menos que havia debate; nem todos concordariam sempre. Aprendemos o que era anarquia, pois ele dizia ser anárquico. Detestava crianças. E nos prometia que em pouquíssimos anos seríamos amigos, e conversaríamos de igual para igual.

Ainda hoje acho uma loucura conversar de igual para igual com gente grande. Tenho pretensões muito tímidas com relação à minha escrita – tão pequenas que nem sei quais são. Somente escrevo, do jeito que aprendi. Desde a escola. Como aquele professor, me preocupo o suficiente para me guardar o meu direito de escrever minhas baboseiras nas quais não vejo sentido algum. E publico da maneira que tanto me agrada, num blog, porque numa boa conversa você fala e ouve, assim como acontece aqui, no bar do escritor. Para uma boa bebedora que conversa melhor por escrito, quer lugar mais aconchegante?


Mestre Gigio, é um prazer poder, finalmente, conversar com você!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Quereres

o corpo que te quer coberta
a boca que te quer repleta
a pele que te quer atrito
a ausência que te quer conflito
a idade que te quer menina
o gozo que te quer rotina

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cárcere privado



Sobre a calçada
fumegam os resquícios
de um colchão incendiado

Em volta,
dezenas de curiosos
observam as contorções
das chamas que ainda resistem.

Ao avistar de longe esta cena,
encho-me de esperança:

finalmente rebelaram-se
os prisioneiros da rotina.


Identidade e prática de escrita em blogs



Em uma pesquisa pelo google, acabei deparando-me com o seguinte estudo:

MENDONÇA, Marina Célia. IDENTIDADE E PRÁTICA DE ESCRITA EM BLOGS: REFLEXÕES SOBRE O FAZER LITERÁRIO NA INTERNET. (clique aqui ler o material)



O artigo, fruto da pesquisa de uma professora da área de linguística da UNESP, baseado nos fundamentos bakhtinianos da análise do discurso, aborda o tema da criação de identidades - e também de subjetividades - através do fazer literário nas ferramentas conhecidas como blogs.

O website utilizado para a análise foi este aqui, o blog do Bar do Escritor. Entre os escritores citados especificamente como exemplo no estudo, constam: Pablo Treuffar (dia 09), Robisson Sete (dia 07), Lena Casas Novas (dia 24) e eu, Rodrigo Domit (dia 22).

Vemos, neste estudo, o BdE e a criação literária virtual repercutindo no meio acadêmico. Espero que vocês apreciem o artigo, postado aqui com a intenção de incentivar os colegas a continuar construindo suas identidades e subjetividades literárias.



sábado, 20 de novembro de 2010

Convidado Renato Saldanha Lima

agora


Em sua caixa de correspondência encontra ele um convite ao final de uma semana mal dormida e, também por isso, extenuante. A palhaça do convidado logo bate forte: que esquisito ser eu, um bebum herege extraviado até da heresia, convidado por escrito para aparecer lá pelas cercanias do bar. Do bar em que parei de ir depois de já ter feito por lá as minhas estrepolias. Por que parei, por quê? Convite instigante esse da porra! A quantas andará o pestilento boteco cujas latrinas rescendem à poesia? E em que as as louras, ruivas e pretas eram refrigerantemente fortes e quentes? Em que rolavam soltas as línguas, entrelaçando-se em verborragias aparentes? Esquisito pra caralho! Esquisito porque estranho. Esquisito porque delicioso. Rememora o convite aquilo tudo vivido em meio à vida ensandecida. Lembra-se deste ébrio o próprio dono do bar. Logo o próprio dono do bar! Estará o estabelecimento às moscas? Se estiver, as moscas certamente esvoaçam sobre estrume fecundo. Deu-me uma sanha de novamente pairar sobre aquelas bandas. Saber do velho e do novo. Ser novamente coberto por essa merda diamantina. Pois bem, aceitarei o convite. Comparacerei lá por aquelas cercanias porque meu tempo é agora:

Agora,
eu quero agora,
pois nada me adianta fiar
pela hora das coisas.

Não sou coisa
que dura infinita no tempo,
mesmo que partida,
estilhaçada,
aparentemente destruída,
mas cujas moléculas persistem,
testemunhas particulares
da existência dela, da coisa.
Ou melhor, de uma coisa,
qualquer coisa,
uma coisa qualquer.

Não sou coisa,
já disse.
Mas também não sou qualquer um,
um qualquer,
em fileiras imensas
de uns quaisquer
igualmente iguais
a outros quaisquer uns,

As coisas são assim,
iguais nos íntimos de si
e eternas porque
para sempre
e desde sempre
já mortas.

Eu não.
Nós não.
Somos seres vivos,
por isso, vez por outra,
temos as carnes inflamadas em fogo,
a alma esvaziada porque exala gases cáusticos,
ao preço de carnes calcinadas,
reais e verdadeiras,
tornando a fuligem cinza
o olhar dos olhos próximos
distante
e gélido.

Com a urgência dos desesperados,
lanço sobre o rubor mínimo e derradeiro
tudo que tenho,
tudo em que em mim posso transmudar
em mim mesmo,
mas melhor,
mais eu,
fiel à minha estranheza original
que se vai construindo
e que jamais se conclui.

Eu quero agora,
porque logo ali,
quase aqui,
um nada além de agora,
tudo se acaba para nós,
seres lindos,
quase divinos,
porém mortais,
parêntesis que se abrem
e dividem
o todo nada de antes,
de um lado,
e o todo nada de depois,
do outro.
No meio, nós.
Nós e o pouco que podemos,
mas que pode ser tudo
se o fizermos.


---
Renato Saldanha Lima

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

o poema fujão

Ilustração Talles Azigon 


As vezes, assalta-me de repente um poema.
Corro em desespero a procura de um papel
que o prenda na eternidade.porem, como gostam de liberdade.
logo voam apresados
para ficarem livres, para sempre.
em outra eternidade


Talles Azigon 

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Escolhas

a rasgar pétalas
apanhadas do vento
giro, giro
entonteço, entorpeço
mas toda lágrima tem um preço
e sal

rimas, nem as busco
tenho andado um tanto dispersivo
talvez pelo pólen que me brilha nos olhos
por isso me agarro a grãos de areia

não é o vinho
nem sua mancha

fantasmas habitam em árvores
e nas paredes mora um passado
percorro olhares como um instante
mas instantes não existem mais

pássaros, sim os pássaros

então me distraio com livros e formigas
há dois contos e um menino perdido na página trinta

nuvens, sempre as nuvens

eu calo por não saber gritar
mas minha arma está carregada de palavras
agora entendo aqueles trens
que percorrem trilhos de cristal
e sempre partem

ingresso nessa frágil viagem

caminhos
quantas vezes precisei deles

(Celso Mendes)

sábado, 13 de novembro de 2010

Trinta e três

E quando relaxam-se os músculos tensos
que travam o intenso e apertam o ser?
E quando a respiração se expande em 3 D?

E quando se acorda do sonho, memórias no caleidoscópio?
O que berra o alpinista no pico do Taj Mahal?

- Não clama por uma escada, ingênua ambição vertical:
nota que o céu é o mesmo,
seja no vale ou na serra, visto da terra ou do sal,
e que o tempo é o rio nadando entre o vazio dos dedos
enquanto se apontam estrelas e se inventam constelações
(formas míticas, humanas, animais,
espelhos, paixões
e batsinais).

O que se grita de dentro é o silêncio de entranha,
definição solitária para o infinito momento:
berra-se o todo no agora - o verdadeiro, o Nirvana

o aleph de Borges,
os vinte e dois arcanos,
a pasárgada, o paraíso, shangrilah
o olimpo, terra prometida:
trinta e três anos.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

***


Distraída,
perdeu sua face no espelho do quarto
Em cada reflexo uma promessa
Em cada olhar lânguido, momentos vagos
vivenciados na noite...

Tem a mania de
transformar amores não vividos em estrelas
Sabe exatamente a localização de cada um.

Colecionadora de sonhos
Criou sua própria constelação

Inatingíveis !

Alguns desapareciam
ela nem tinha tempo de perceber...

A cada dia um novo brilho
Pedaços da noite, estilhaços no chão.

Aprendeu que feridas cicatrizam
E segue pisando firmemente.

A dor não incomoda,

Satisfaz.

(Ro Primo)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Convidado Nazareno de Sousa Santos

Teatro Maldito

(Legítima defesa)


Noite calada,

Escura e fria.

Beco fechado,

Rua vazia.

O palco está sempre montado,

E, as personagens fazem, de fato,

Novas cenas do mesmo ato.

No elenco,

Como é constante,

O experiente

E a iniciante.

O silêncio pesa,

Quase não há luz,

Ela soluça,

- essa é a deixa -

Ele introduz.

Ela se esforça,

Tenta gritar.

Com a boca ocupada,

Por mãos e língua,

Somente pode chorar,

Enquanto seu sangue

Escorre e pinga.

Em sua mente,

Pensamentos desordenados

Passam como um furacão.

Ela é só dor,

Ele todo tesão.

No desempenho de seu papel

Ele se acha o melhor do planeta.

Ela já não se acha nada.

Sente, apenas, muita dor

E o horrível gosto de gameta.

Ele estremece e relaxa,

Outra explosão.

Ela percebe, movimenta rápido,

O brilho metálico troca de mão.

O novo quadro surpreende,

Ela não está mais no chão.

Ele, paralisado, quase se arrepende,

Experimenta algo novo,

O medo trocou de coração.

O dedo, tenso,

Pressiona o gatilho.

O coração dispara,

O dele pára.

Ela, nua, corre, chora e grita.

Mas está aliviada

Caído e sem vida,

Ele interpreta, brilhantemente,

O final, definitivo, daquela história,

Que ele próprio estrelou,

Em tantas outras madrugadas.


---


E do Fernando, o meu livro de cabeceira
Basta abri-lo
E meu quarto se enche de “Pessoas”

---

Nazareno de Sousa Santos

terça-feira, 9 de novembro de 2010

ENCONTROU JESUS É O CARALHO


ENCONTROU JESUS É O CARALHO

Evangélicos aterrorizam
Não eximo a Igreja Católica
Pelo contrário
Mãe de toda desgraça
Todavia
Contudo
Entretanto
Evangélicos
Fiéis
Silgas Malfalares da vida
Esses
Com tetos de vidros
Templos desabantes
É!
A casa caiu
Ruiu
O telhado
Ploft
Em outros tempos
Chutavam Santas
Brããbouos e whatevers
Em seus iates
Helicópteros
Jatinhos cheios de putas
Vivem rindo fiéis
Depositantes de dízimos
Rasgando dinheiro
O próprio dinheiro
Favelados pagam não tendo
Para serem perdoados
Perdoados do quê
Se ganha muito dinheiro em nome da fé
Jesus me ama
Jesus me ama é o caralho!
Não venham com papo de Jesus
Não preciso de intermediários, interpretando em causa própria.
Tiro na testa dos Silgas Malfalares
Pastores
Pastores de cu é rola
Coitado de Jesus, o verdadeiro!
Livre arbítrio
Eu acredito em livre arbítrio
O Jesus usado pelas Igrejas para fins contrários a tudo que o próprio pregou
Esse Jesus eu quero que se foda
...Eee...
Os sociopatas
Usam Jesus para dissimular sua essência
Pagam dízimos
Pronto
Agora são melhores do que eu
Escondendo-se no falso sublimar
É mole
Eu mato
Estupro
Roubo
Pago o dízimo

Silgas Malfalares diz eu ter encontrado Jesus
É
Seus problemas acabaram
Mate hoje
Encontre Jesus amanhã!
Tudo certo
Tá de sacanagem!
Canalhas a um piscar de cu pra sucumbirem
Convencer-me...
Nunca!
Preferia mil vezes quando a professora da academia assumia-se vadia
Tinha dois namorados
Chupava meu pau
Ela era feliz
Agora encontrou Jesus
Vive lendo a bíblia
Pregando
Cabisbaixa
Isso resolve tudo
Hahaha...
E o meu vizinho
Tinha um esquema de roubo de carros
Todo mundo sabia
Falava com geral
Vivia rindo
Sempre com lindas mulheres
Também encontrou Jesus
Vive na Praça General Osório
Pregando
Sozinho
Tenho medo desses sociopatas regenerados
Eram mais honestos antes de encontrar Jesus
Não se negavam
Por isso digo e repito
Encontrou Jesus é o caralho!

Licença Creative Commons
ENCONTROU JESUS É O CARALHO de Pablo Treuffar é licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported.
Based on a work at http://www.pablotreuffar.com/.
A VERDADE É QUE EU MINTO

A VERDADE É QUE EU MINTO

AULA DE EX(DIS)TORSÃO DE DEUS



UNÇÃO R$ 12.000,00



ROUBANDO OS DESEMPREGADOS



O DINHEIRO DO CULTO


COMO EU DISSE:
ENCONTROU JESUS É O CARALHO

domingo, 7 de novembro de 2010

um postal do fim do mundo

Um dia
quando sobrar nesse mundo só o som das coisas que não existem mais
e as nossas pegadas rasas na areia
e o som das nossas vozes afligindo os últimos répteis resistentes
sob o sol de 50 graus
e
meus ossos esturricando no chão árido d'onde antes foi cerrado ou inverno
me lembrarei de você
e de mim
tomando banho de mangueira no meu quintal

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

J´accuse

Hoje era para ter poema, prosa ou notícia ou verso. Hoje era para ser diferente. Mas farei o inverso. Pois aconteceu o que acontece sempre: a roda da vida esmagou mais um inocente.

Carlos, um brasileiro, pagou com a vida, aquilo que os descrentes não vêem: que aqui ainda tem saída, que aqui ainda convem, ser um cidadão honesto.

Pois não tinha lado nem bandeira, não tinha inimigos nem trincheira, só a luta labor diário de quem batalha a vida inteira.

Carlos tinha sonhos...

Que foram cortados ao meio, raptados. ABATIDOS. Por algum salteador de meia pataca

Vida perdida, justiça ingrata...

Eu acuso este clima eleitoreiro que bate boca de quatro em quatro anos e deixa tudo como está; essa farra de visões vendadas que tenta mascarar o quão perdidos estamos; divididos entre os gomos, federal, estadual e municipal de merda, que nunca resolvem nada...

Eu acuso essa justiça lenta, letárgica e leniente, que passa a mão na cabeça do meliante, enquanto as vítimas gritam para o nada...

Eu acuso nossa própria inatividade, em quedarmos queixosos e aflitos, sem termos ao menos o princípio, de buscar um país melhor...
Eu acuso o Destino, que fez de mais um menino, o mártir da vez e a razão do pranto...

E, Céus! Até quando?!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010





Ave de ventre
fraco
na ânsia
do gozo
dar-te-ei
o sonho
que é verve
desse engodo.









(imagem de minha autoria)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Papo sério de sujeito homem


Sempre me incomodei com filmes que o narrador relembra o passado comentando neste dia aprendi alguma coisa. Pô, eu nunca aprendi nada. Quer dizer, não entendia na hora que acontecia, só depois de muita pestana é que atinava para as verdadeiras motivações e conseqüências. Se aprendesse no momento, como nos programas, teria seguido caminhos absolutamente diferentes, minha percepção teria sido mais madura. O alento nisso é que nunca me arrependi do que fiz, só de como.

A introdução tá parecendo um desses seriados, mas não é.

Um amigo me contava suas safadezas:

- tu sabes como são essas coisas. Tu és sujeito homem.

Parei ali, nem registrei as informações das peripécias sexuais.

- como é um sujeito homem.

- tu sabes. - ele riu. - é macho de raça, que encaçapa toda boceta que dá mole, mas segura a onda na perversidade.

Gostei de saber que minhas fraquezas eram comuns. Achava que tivesse algo de errado comigo por ainda pensar com a cabeça do pau. Mas isso era ser sujeito homem, um cabra honrado.

Ainda feliz com minha condição de sujeito homem, reuni-me com a namorada a um grupo de amigos em viagem ao litoral para o réveillon. Casa à beira mar, coqueiros no jardim, pessoas compartilhando a mesma tranqüilidade, ótima oportunidade para dar merda. Big brother da vida real.

Uma lambisgóia se engraçou comigo. Desprezou completamente a presença da minha garota e caiu matando numa sedução à la operário da construção civil: “hum, dá para perceber as veias do seu bilau com essa sunga”, Eu escapulia como dava, minha educação nunca poderia ser confundida com retorno.

O outro homem da casa, também com namorada, me chamou:

- mermão, a madame mim tá pulando no teu pescoço.

- impressão tua. xapralá.

- pô, maior pilantragem. tua mina vai pirar. vou pedir pra minha mulher falar pra madame se tocar.

No outro dia, tudo diferente. A sedutora mal me olhava nos olhos. Parou de oferecer os seios e nem mais tentou ver meu pinto. Mansinha. A praia até ficou mais bonita.

- tua mulher falou com a madame mim, não é? – Perguntei - tudo está diferente.

- não foi ela. - Ele estava emburrado, mas como falei, eu não percebia esses detalhes na época, só hoje, pensando nisso. - fui eu. tá tudo bem.

Acreditei. Ficou tudo por isso. Era o que eu pensava, pois nada tava bem. A conversa com a lambisgóia foi em tom de acusação, você tá agindo como uma piranha, insinuou que ela ameaçava a estadia de todos na casa por sua conduta vulgar. Hora alguma pediu ajuda à namorada. Do jeito que aconteceu, até acharia que houve ciúme dele, mas isso é só especulação e, como disse, eu nunca percebo nada na hora.

Voltamos para Brasília na maior paz, eu e minha namorada. Os outros passavam por conflitos velados: o namorado brigando com a madame mim, que descontava na amiga, influenciando-a negativamente em relação ao namorado. A moça fingia que não via tensão alguma.

Já na cidade, a canoa virou. A namorada chamou o cachorrão na xinxa e perguntou o por quê dele se importar tanto com a amiga. Ele disse que era para me proteger, pois, no fundo, eu havia gostado da sedução e estava dando corda pra safada. O papo furado colou, a moça sempre foi meio ingênua, ela concordou com aquilo para simplesmente esquecer a desconfiança de algo entre o namorado e a amiga e eu é que fiquei como o canalha da história, mesmo sem saber.

Até um dia num futebol, em que perguntei sobre o sumiço da sua namorada.

- ela tá meio puta contigo. por conta daquela treta com a madame mim na casa da praia.

- como é?

- pô, tu gostou da peituda dando em cima, até era todo educado. foi isso que expliquei pra minha mina: que briguei com a madame mim para te proteger.

- mas... eu não fiz nada. foi você que me alertou sobre aquela louca.

- tu gostou da peituda. Foi isso que expliquei. - e saiu trotando atrás da bola. Lembro bem da cena pois me senti apunhalado. Só então eu percebia que ele era sujeito do tipo contrário, daquele que fode os amigos para papar alguma mulher. Como é que ele tinha coragem de me escrotizar para sair bem na fita? Nana-na-não. Não sou um cara de muitos bens, um dos poucos que me importa é a limpeza do meu nome.

Dai, fiz a besteira que não faria se já tivesse aprendido algo.

Um tempo atrás fiquei enraivecido com um broder. Escrevi um email direto explicando meu incômodo. Como resposta recebi uma lista de impropérios seguida por outra com meus defeitos e fracassos. Fiquei chateadão, não conhecia a reação dos falsos. O cara já me tinha um monte de raiva, mas se fingia de próximo meio que de inveja. Na primeira ingrizia, despejou fel e amargura.

Nesta nova situação, tentei resolver escrevendo uma crônica em que dizia não me importar em perder amigos. Esperteza sem tamanho. Obviamente o namorado nunca mais falou comigo, todo emburradinho. Mais uma vez fui precipitado e confuso, mas o resultado foi o melhor que poderia ter acontecido, mesmo se eu não tivesse perdido o broder. De que me adianta amigo traíra?

Sempre escolhi minhas amizades pelo prazer em estar com elas, nunca por interesse, status ou qualquer outro motivo. Se aquele amigo, e também o outro, não queriam mais partilhar minha companhia, bem, no fundo, acho que a vantagem foi minha, pois não sofreria novamente alguma traição ou reação nervosa.

Nunca aprendi as coisas, na verdade. Se aprendesse, não escreveria esta história, relembrando estes fatos, mas entendo a literatura como explanação dos medos e angústias, como percepção das visões de uma época, como alicerce filosófico para novos pensamentos e idéias, tenho que escrevê-la no mínimo para resolver a questão na minha visão e superar os acontecimentos.

O sujeito homem não precisa ser um bom sujeito, mas eu preciso de caras bons como amigos.