domingo, 27 de dezembro de 2009

Ocorrência 2831/09

— Sabe... os minutos parecem dias, as horas são semanas, o meu viver parece que está suspenso, não planejo mais nada, não penso no futuro, não imagino o que me espera na rua seguinte, comprar um pão a menos todo dia pela manhã é um suplício, só consigo pensar na minha criança, 15 anos... Nunca tinha me dado trabalho, nunca demonstrou estar com problemas, e, de uma hora pra outra, some. Cada um fala uma coisa: um que fugiu com uma paixão que ninguém conhece, outro que foi vítima de seqüestro e tá no estrangeiro, mais um que aposta que morreu nas mãos de um doido, ai... é uma dor forte que aperta o coração, entende? Tenho mais dois filhos, mas cada um é único, a falta de um não é compensada pelos outros... Um mês, oito dias e três horas. Foi a última vez que falei com minha criança... estava normal, sabe? Não parecia estar com problema nem nada. Ia pra casa de uns amigos ver um filme, mas não chegou lá. Oitocentos metros. É pouco, né? Percorro o caminho da minha casa até a desses amigos todos os dias; são cinco ruas que me cruzam o caminho, fico imaginando em qual delas minha criança subiu. Ou desceu... trinta e oito dias de ausência, e não saiu uma nota no jornal, um comentário na televisão, ninguém se ofereceu pra fazer panfletos, página na internet, então, nem pensar. Aqui na periferia não é o primeiro caso, mas quisera que fosse o último, a dor é demais. Sabe, pode até ser estranho falar isso, mas beleza não era seu forte, não chamava a atenção de ninguém, só gostava de ver filme com os amigos e ler as poesias do Vinicius, aquele do “... que seja infinito enquanto dure.” Conhece? Nunca vi alguém com o seu jeito na capa dessas revistas de famosos. Mas era minha carne, meu sangue, minha história, que talvez não tenha continuidade. Ninguém tem conhecimento pela TV, pelo rádio, ninguém se pergunta “onde estará?”, não apareço chorando na frente das câmeras, mas, pode acreditar, a dor é a mesma que a dos parentes dessas crianças bonitas que somem, e cujo rostinho aparece nos cartazes e nos outdoors. É infinita. E pra sempre dura.

Conto premiado com o 2º lugar no concurso literário promovido pela ULBRA (Universidade Luterana do Brasil), com sede em Gravataí (RS).

Conheça o site www.desaparecidos.com.br

2 comentários:

Feijoada no Paraíso disse...

Oi, meu nome é Tiago Xavier, trabalho na Núcleo da Idéia e gostaria de conversar a respeito de uma parceria.Trata-se do novo livro da Editora Record, O Mercador de Lã.
Por favor, me mande um telefone de contato ou e-mail para: mkt4@nucleodaideia.com.br
Aguardo o seu retorno para podermos, conversar melhor

Flá Perez (BláBlá) disse...

esse é terrível!
mto bom.