sábado, 8 de agosto de 2009

A LÍNGUA NA INTERNET
Betty Vidigal

Até começar a circular pela net eu tinha – embora inconscientemente – a certeza tranqüila de que o modo como nós sudestinos falamos é que era o jeito “certo” de se expressar coloquialmente em português. (Nunca entendi por que razão se diz "nordestino", mas não "sudestino".) Claro, todos sabemos que não é o modo correto do ponto de vista formal, mas quem fala de qualquer outro jeito nos parece estar errado.

Na página de atendimento do iG, há a mensagem: “Estamos prontos para te atender. O iG valoriza você.” É assim que se fala, em São Paulo e no Rio. Não chamamos ninguém de “tu”, mas dizemos “te”. Dizemos “você”, mas não dizemos “lhe atender”. Para nossos ouvidos sudestinos, está certo misturar “seu” com “te”. O “lhe” é que soa muito estranho, para nós. Não pronunciamos os erres finais dos verbos no infinito, e se alguém pronunciar achamos que soa pedante, preciso demais.

A frase “vamos te dar um presente” é pronunciada por nós como “Vâmu tchi dá um presentchi”. E se alguém pronunciar todos os “e”, “o” e “s” corretamente, como se faz na fronteira dos estados do sul, achamos engraçado. Dizemos “cê vai?” em vez de “você vai?”, mas se alguém disser “ocê vai?”, isto soa a nossos ouvidos como fala inculta, caipira, embora a palavra “você” tenha sido menos corrompida e esteja mais próxima da forma correta.

Eu tinha essas certezas sudestinas tão internalizadas que nem percebia como eram preconceituosas.

Quando entrei nas salas de internet, em 1997, tomando contato com a forma de falar de todas as regiões do Brasil (porque, afinal, na net cada um escreve como fala), me espantei quando vi alguém perguntar a um gaúcho que estava conversando comigo: “Por que tu está falando como paulista?”. E eu que não tinha notado nada de diferente no modo dele falar! Ou de teclar, como se diz na net. Ele estava me imitando, brincando comigo... e eu não tinha percebido nada, parecia tão natural... Os outros gaúchos é que notaram.

Hoje, depois de tantos anos de convivência, soam-me tão naturais os “lhe” dos nortistas quanto os “tu vai” dos sulistas.

Está bem: antes que algum gaúcho reclame, reconheço que há gente no sul que diz “tu vais”. E que usa todos os imperativos direitinho, tanto os negativos como os positivos.
Mas há muita gente que diz “pegues com cuidado”, ou “olhes bem”, como tenho visto com freqüência, usando a forma do imperativo negativo como se fosse positivo. Errado pra caramba...! E tente convencer disto às pessoas que falam assim! Enquanto isso, no sudeste, dizemos “pega” e “olha”, quando o certo seria “pegue” e “olhe”, já que não nos dirigimos a ninguém como "tu".

Aí entra um ingrediente engraçado: para paulistas e cariocas, o verbo imperativo na segunda pessoa soa doce, como se embutisse um “por favor” subliminar. Não tem aquela conotação dura de ordem. Por que será? Se digo: “Não fale assim comigo”, por exemplo, soa como ordem. Se digo “Não fala assim comigo”, dá até pra ver as reticências de súplica na voz...

Então, a primeira coisa que a internet está fazendo pela língua é isto: criar um conceito democrático de que todos os coloquialismos estão igualmente corretos, ou igualmente errados, e talvez, com o passar dos anos, unificar mesmo a língua com naturalidade, sem que seja preciso forçar quem quer seja a grandes ajustes artificiais, como os que as academias dos diversos países de língua portuguesa querem promover.

Vejo professores a debater se os jovens escrevem e lêem menos hoje do que há alguns anos. Dizem que mais, por causa dos chats e dos e-mails. E há quem ache que isso os faz escrever pior, embora quantitativamente mais do que antes.

Certamente, em qualquer língua, e não só em português, criou-se uma grafia de abreviaturas e estilizações para tornar rápida a digitação. Vi num site de bate-papo francês a expressão “kes se k” em vez de “qu'est-ce que”. Claro que coisa equivalente acontece na nossa língua o tempo todo.

Confesso que configurei meu Word para substituir automaticamente as abreviaturas usuais por palavras completas. Digito como escrevo nos chats, e o Word faz o trabalho de alterar “q” por “que”, “vc” por “você”, “qdo” por “quando” e “msg” por “mensagem” – entre outras alterações. (Para conseguir deixar as abreviaturas, neste texto, tive que torturar um pouco a máquina.)

Quais os padrões para essa evolução, se é que se pode chamar de evolução?

E a língua dos e-mails? Pode ser a mesma que a das salas de bate-papo?

Nos e-mails, como não existe o recurso de substituição automática, as abreviaturas ficam como as digitei. Afinal, são “apenas” e-mails... (ah, se quero caprichar, digito em Word e depois colo o texto no e-mail. Só para assuntos importantíssimos! Se alguém recebeu de mim algo sem abreviaturas, saiba que era um assunto crucial pra mim... Não envio em doc atachado, porque eu mesma não os abro... não gosto de abrir nada atachado... E não é por ter medo de virus.)

Dia destes li numa revista algumas “dicas” de como escrever corretamente e-mails. A autora, uma professora de português, dizia: “Maiúsculas existem para ser usadas”. Isso porque ninguém escreve em maiúsculas na net e o vício de escrever em caixa baixa acaba se estendendo: a primeira letra das frases e até dos nomes próprios passa a ser escrita em minúscula. Considera-se que escrever uma frase inteira em maiúsculas não é de bom-tom, equivale a gritar... é agressivo... então por preguiça abolimos de vez as maiúsculas...

As dicas da professora continuavam: “Pontuação não é enfeite!” Verdade: não é, ou não devia ser. Mas na net há muito tempo os três pontos das reticências deixaram de ser três: há quem use dois pontos seguidos, em vez de três, e quem use miríades de pontos: quanto mais reticente for a frase, mais pontinhos. Pensando bem, as duas atitudes fazem sentido. Afinal, por que razão usamos três pontos, e não dois? Como sempre foi assim, e é assim em todas as línguas, ninguém jamais questionou isso. Mas, se a intenção é tornar a entonação da frase o mais clara possível, a gradação da quantidade de pontos é muito conveniente.

Entre internautas, usar duas, três ou mais vírgulas é comum, e é característico do estilo de teclar de algumas pessoas. O mesmo vale para ponto-e-vírgula. Uma coisa que ainda não inventaram é a vírgula de interrogação: e não dá para inventar por conta própria, porque dependemos do teclado para isso. Antes de passar a escrever só em computador eu andava usando vírgula com interrogação embaixo, em vez de ponto, em situações do tipo: “Você sabe, não sabe, que vou me atrasar?” Esse “não sabe” pede aos gritos uma interrogação que não pode ser um ponto. Claro que a grafia pode ser “Você sabe – não sabe? – que vou me atrasar.” Mas o ritmo imposto pelos travessões pode não dar a entonação que gostaríamos de dar.

Asteriscos, parênteses, aspas... abusamos deles nos chat, por diversão, para chamar a atenção, para dar ênfase, para abraçar, para sorrir... Fora as interrogações e exclamações usados em número equivalente ao tamanho da dúvida ou do entusiasmo, mas isso sempre se fez.
A autora das regras de bom-tom nos e-mails também acreditava que abreviaturas só devem ser usadas em mails informais. Mails de negócios devem conter todas as palavras na íntegra. Certamente, é mais seguro... Imagine se você escreve “recebi vossa msg” e alguém interpreta como “recebi vossa massagem”!

(obs: não sigo as dicas dessa professora...)

Li uma reportagem sobre um desses colégios bem informatizados em que o professor de português está aceitando “q” e “vc” nas provas e nos trabalhos, assim como outras abreviaturas usuais. Tenho certas dúvidas quanto ao acerto disso... Parece-me que é como autorizar o uso de calculadora eletrônica antes de as crianças aprenderem a fazer contas no papel. Mas são apenas dúvidas, não certezas.

E definitivamente incorporei à minha escrita, mais que os emoticons [essas carinhas que usamos na internet, como :-) ou :-( para indicar alegria ou tristeza], os símbolos de riso *r para risada e *g para gargalhada... Muito úteis!

Que alterações isso tudo vai gerar na comunicação escrita, no futuro? Boa pergunta, que talvez deva ser feita com um ponto de interrogação repetido enfaticamente – trúzias de vezes!!!!

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