quinta-feira, 25 de dezembro de 2008


Um natal diferente


Pela primeira vez em toda sua existência, os festejos natalinos a incomodavam; não sentia mais a alegria da escolha dos presentes, a satisfação da gula natalina e, nem tão pouco, o prazer com o último consumismo desvairado do ano, que tomava a todos de assalto.

Naquele ano, aos trinta e cinco anos de idade, solitária e esquecida em um canto qualquer, descobrira, quase sem querer, que papai noel não existia e que todo aquele gasto infundado saía de seu parco bolso, às custas de muito trabalho durante o ano.

Tivera a revelação tardia de que o décimo terceiro salário só servia para fomentar a economia mundial, fortemente auxiliada pelas propagandas enganosas e estratégias de marketing, descobrira ainda que toda família era um núcleo doente por natureza e a sua não ficava para trás- os minutos de festejo não apagariam os problemas que cruzavam seu caminho há vários natais.

Dessa vez não haveria pisca-pisca, tender, chester, árvore de natal, bolas vermelhas, chegada de papai noel, presentes inúteis, família distante reunida e um porre para comemorar a merda de ano que ficava para trás, pois, como de costume, merda maior estaria por vir.

Assim, cambaleante e decepcionada, saíra a esmo pelo pátio, sem procurar, nem esperar nada, quando deparou-se com um papai noel forte, jovial e alegre brincando com os demais convivas.

Lembrou-se dos quinze anos de casamento, dos filhos adolescentes e problemáticos, do sufoco para adquirir a cobertura em que morara, da dureza dos primeiros anos, da falta de amor, da falta de companheirismo, da falta de sexo e da doença que assolava seu corpo.

Olhou firme naqueles olhos, que de velhos não tinham nada e percebeu que sua carência era insaciável; os muitos anos de deserto sentimental a deixara assim- um poço fundo e vazio.

Desejou desesperadamente aquele homem que só deixava de fora os olhos. Apenas os olhos, somente as janelas da alma, bastariam para satisfazê-la naquela noite.

Quando a encenação acabou, aproximou-se daquele homem como uma pedinte faminta a implorar por um pedaço de pão, abaixou-lhe as calças e fez amor com seu membro voraz e seus olhos acolhedores.

Depois, ainda sem pronunciar uma só palavra, foi embora e guardou em sua mente a lembrança dos olhos mais ternos que já vira sobre a face da terra. E o que mais poderia desejar além de um olhar companheiro, já que as tantas palavras, que ouvira durante sua existência, o vento levava para onde bem entendia?

Guardou na memória a lembrança daquele momento até o ultimo dia de sua vida, que se dera antes mesmo do próximo natal; ali, em um hospital deserto e solitário, fechou os olhos para sempre e levou o olhar que nunca esquecera.

Aquele fora o único ano em toda sua existência que um papai noel lhe dera alguma coisa, sem que ela tivesse pago antes por isso!

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