quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Convidada Jessiely Soares




















Sobre as estrelas do meio-dia



Ele não disse muita coisa.
Moleque de fim de tarde, chegou calado, malandro. Deitou a cabeça em seu colo e adormeceu.
Não sem antes fazer um arco de anjos voláteis passearem pela neblina.

Era noite quando o sono retirou-se do aposento. Na varanda duas estrelas brincavam com as corujas.

Ela segurou suas mãos, sorriu os olhos de mar naqueles olhos de fruta-madura e penduraram um pano florido de chita na janela.
E foi tanto mistério de chuva fina que a primavera nasceu veloz.

De cílios e sorrisos, varal de noites calmas, nunca mais aquele peito hibernou.


(Jessiely Soares)
(Foto de: »»SCALABITANO«« )


Jessiely Soares
Paraibana que sou, nasci com sangue forte, mas sofrido. Carrego fardo de ser de Sol, abençoada em lua cheia. E quando o Sertão anoitece, vai-se o medo e ficam os vagalumes. Sendo assim escrevo, carregando o verde do umbuzeiro na cor dos olhos.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Convidado Flávio Mello









“AMAR SÓ SE FOR ARMADO”
LANÇAMENTO
Flávio Mello

SINOPSE



“Amar só se for armado” é o segundo livro de Flávio Mello, um dos destaques da nova safra de escritores contemporâneos.
O livro é uma reunião de dezessete contos/crônicas: crontos, que falam do amor em suas diversas manifestações. Com uma linguagem simples, o autor revela o fantástico, os mistérios, as dúvidas e os traumas das relações amorosas cotidianas, em situações que mostram a beleza e os conflitos ao nos relacionarmos com o outro.
Crontos carregados de sentimentos e interrogações, que convidam o leitor a refletir sobre o amor que sente por alguém, pela vida e por si próprio.
Espaço Idea

FLÁVIO MELLO - ESCRITOR E PROFESSOR

Há duas jóias nesse livro: a nota do editor, mais irmão que amigo do que editor, que sintetiza minha obra em uma única estrofe metafísica:

“Então, leitor, se também te enganas ou se enganas..., o amor deste livro é uma sombra. Mas se te declaras, o amor deste livro é uma arma. Se te privas, o amor deste livro é uma pista e se pensa que amas, o amor deste livro é um drama.”
E meu mais novo amigo de pena, pena sem tinta, mas cor, que escreve com o peso da experiência e com a paixão de um verdadeiro gentleman, Hildebrando Pafundi em seu prefácio que nos diz:

“Posso assegurar que o contista Flávio Mello reúne neste livro, Amar só se for armado, excelentes histórias produzidas numa prosa, que possui a beleza da melhor poesia já escrita em prosa. Embora todas as histórias deste volume sejam excelentes, eu destacaria outras três, mais por uma questão de preferência pessoal, além de O Pilão, citado no inicio deste prefácio: O telefonema, O cheiro de frutas de dona Clô e Amor à francesa. Finalizo desejando ao leitor, uma boa viagem nesta prazerosa leitura de contos cheios de sensualidade e sutil ironia.”

fale com o autor:

prof_flaviomello@hotmail.com
escritorflavio_mello@terra.com.br

Sobre o livro Seleção Natural:

“Acabo de ler um ótimo livro de contos, Seleção Natural, de Flávio Mello, Editora Espaço Idea – 2006, 105 páginas, com prefácio de Mauricio Miranda. Trata-se de um escritor estreante em narrativas curtas, contos e crônicas, mas que possui grande potencial para novas obras dos dois gêneros. Eu encontrei no livro, Seleção Natural, a vocação natural do escritor Flávio Mello para o conto e também para a crônica, em especial a narrativa poética.”


(trecho)

Hildebrando Pafundi (www.cliqueabc.com.br)

SITEs:

http://flavio-mello.blogspot.com/

(com maiores informações)

http://vervetente.blogspot.com/

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Meu caozinho


Algo faltava na casa
Foi amor a primeira vista
Chegou tão medroso
Para preencher nossa vida

Todo dia lá vem meu caozinho
E o meu dia já começa bem
Vou te abraçar
Vou te beijar

Vamos brincar
numa incansável diversão
e no seu jeito desajeitado
não me deixa fazer nada

Olha que caozinho mais lindo
lá vem ele tomar um banho de sol
com o olhinho observando o movimento
lá vem ele brincar

Quando fica triste
No seu passinho lento
Fica perto de mim
Que darei o meu carinho

Mas, nada abate esse grande coração
Que só traz felicidade
Lá vem ele todo desajeitado
E o meu dia termina bem

domingo, 28 de dezembro de 2008

Máscara


Era aquela que conhecia o terreno particular das texturas
A que adormecia ofendida
Nas areias dos poços sem fôlego
Existir era um ponto de mácula importado
Nas paredes demolidas de um sonho em preto e branco

Não há perplexidades o suficiente?
Diálogos retos em aerosol?

Fui negação por quase todo o intervalo
Entre a punhalada e a carícia
Para me render em drops falidos
Inalações disfarçando laços de fogo
Golpe único
Golpe solitário
Jugulares enterradas na palma da mão
Não querem ser salvas

Era aquela desfigurada
Para roubar versos de lábios roxos
Empacotadas agressividades
Delicados rumores suspendendo corpos ausentes

Era o jardim em que me deitava
Para não saber das urgências
Fluía carne e pó
Uma única delícia
Na santificada tormenta

Deus só de ausências
Meia três oitavos
Um quarto de demência
Tua danação
Reuno-me
Parto

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008


Um natal diferente


Pela primeira vez em toda sua existência, os festejos natalinos a incomodavam; não sentia mais a alegria da escolha dos presentes, a satisfação da gula natalina e, nem tão pouco, o prazer com o último consumismo desvairado do ano, que tomava a todos de assalto.

Naquele ano, aos trinta e cinco anos de idade, solitária e esquecida em um canto qualquer, descobrira, quase sem querer, que papai noel não existia e que todo aquele gasto infundado saía de seu parco bolso, às custas de muito trabalho durante o ano.

Tivera a revelação tardia de que o décimo terceiro salário só servia para fomentar a economia mundial, fortemente auxiliada pelas propagandas enganosas e estratégias de marketing, descobrira ainda que toda família era um núcleo doente por natureza e a sua não ficava para trás- os minutos de festejo não apagariam os problemas que cruzavam seu caminho há vários natais.

Dessa vez não haveria pisca-pisca, tender, chester, árvore de natal, bolas vermelhas, chegada de papai noel, presentes inúteis, família distante reunida e um porre para comemorar a merda de ano que ficava para trás, pois, como de costume, merda maior estaria por vir.

Assim, cambaleante e decepcionada, saíra a esmo pelo pátio, sem procurar, nem esperar nada, quando deparou-se com um papai noel forte, jovial e alegre brincando com os demais convivas.

Lembrou-se dos quinze anos de casamento, dos filhos adolescentes e problemáticos, do sufoco para adquirir a cobertura em que morara, da dureza dos primeiros anos, da falta de amor, da falta de companheirismo, da falta de sexo e da doença que assolava seu corpo.

Olhou firme naqueles olhos, que de velhos não tinham nada e percebeu que sua carência era insaciável; os muitos anos de deserto sentimental a deixara assim- um poço fundo e vazio.

Desejou desesperadamente aquele homem que só deixava de fora os olhos. Apenas os olhos, somente as janelas da alma, bastariam para satisfazê-la naquela noite.

Quando a encenação acabou, aproximou-se daquele homem como uma pedinte faminta a implorar por um pedaço de pão, abaixou-lhe as calças e fez amor com seu membro voraz e seus olhos acolhedores.

Depois, ainda sem pronunciar uma só palavra, foi embora e guardou em sua mente a lembrança dos olhos mais ternos que já vira sobre a face da terra. E o que mais poderia desejar além de um olhar companheiro, já que as tantas palavras, que ouvira durante sua existência, o vento levava para onde bem entendia?

Guardou na memória a lembrança daquele momento até o ultimo dia de sua vida, que se dera antes mesmo do próximo natal; ali, em um hospital deserto e solitário, fechou os olhos para sempre e levou o olhar que nunca esquecera.

Aquele fora o único ano em toda sua existência que um papai noel lhe dera alguma coisa, sem que ela tivesse pago antes por isso!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

domingo, 21 de dezembro de 2008

Domingo de luas



Domingo de luas.
Teu olhar nas nuvens
Decifrando fórmulas
Impossíveis de improváveis mundos,
Desprende-se do meu
Corpo caótico, denso e
Imponderável.
Que tropeça nos próprios passos,
Acorrentado à constantes espasmos
De um passado apagado
Das asas dos pássaros,
Das expectativas dos astros
Ascendentes do destino.
Sobrevivente de um
Quebrado coração amargo,
Qual ramo seco sem seiva,
Sem rio, mar, saliva.
À deriva, tragado pelas rochas.
Sucumbe à doces lembranças ácidas,
Que corroem do ôco das córneas
Às desesperanças.
Que alimentam a angústia
Que se alimenta das vísceras.

Imutáveis transitórios
Jamais recuperarão o que une
O fascínio dos sonhos
Aos delírios impunes.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Trágico (ou cômico?).

Minuciosamente ave
sondo a que persegue
meus olhos no outro.
E por mais simples a noite
continuo vendo dois
no terreno espaço de um.
Isso deve ser amor,
embora eu saiba
da minha obsessão
de amar o desperdício.

Eliane Alcântara.







Minha última postagem do ano : (
O que tenho para dizer?
Obrigada ao dono do Bar, aos Poetas amigos de mesa
e aos amigos de outros lados e visitantes.
Que as Festas do final de 2008 sejam excelentes para todos
e que 2009 nos receba em um abraço.
Espero estar presente aqui novamente e com a agradável
companhia de todos. Valeu!
Beijos!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Ninhos Motorizados

Na visão
Dos pássaros

Carros
São
Pássaros

Voando
Num céu de concreto

Não sabem eles
Que são mais
Como ninhos
Motorizados.

Cada um
Carrega passarinhos
Descansando asas.

Estás num daqueles
Que te leva para casa.

André Espínola

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Só isso


Sozinha
Repleta de poeira,

Senhora
Sem eira sequer beira,

Caminha
Descendo ribanceira,

E chora
Sua vida corriqueira...

Apenas dorme para acordar
Acorda somente pra se deitar
Mas antes do sono sempre precede
Um gemido, uma espécie de prece

“Deus, eis que estou cheia de pó.

Suplico:
-Me leve
Ou traga um aspirador de só”


Barbara Leite

sábado, 13 de dezembro de 2008

A Questão Limoeiro

Tenho-me por sociopata assumido. Ainda melhor, convicto. Árvores, não alcançaria jamais o clímax daquele roqueiro pederasta trepando com elas. Mas decerto que as prefiro. Desisto de corroborar com vivências psicanalíticas. Guardo tal peculiaridade com deferente egoísmo. Em tons do mais indissimulável sarcasmo.

Recém espaçado em nova choupana, me deparei com precariedades. Uma delas, absurda. Inexistiria área de serviço. Tomadas de decisões incumbem reflexão e havia um limoeiro implorando à porta. Esquelético, escroto, instando a estéril. O charlatanismo arquitetônico esboçado vazou-se para o real. Para a tangível dimensão. Direitos à suplicante, enfim, lhes resguardaria complacente telheiro.

Nada ou pouco conheço da arte agrícola, mas ouvira dizer sobre meses que não juntem a letra erre aos nomes. Quase no último, instrumentado com serrote, procedi às amputações. Posso resumir, imodesto, que plástica resultada confundiria especialistas.

Numa dessas madrugadas mal dormidas, que jogam o sujeito para fora da cama sem direito a sursis, me vi perambulando pelo pátio. Já não ardessem os olhos, ainda os incumbi de vistoria: se for pra foder com o dia, faça-se barba, cabelo et cetera. Juntar gravetinho, pedrinha, desenroscar folha morta encravada em galho, essas coisinhas que remetem a putarias da velhice. Porra, ainda estou esticando a segunda e a falta do maldito ronco já me pedindo terceira!

Fora desembaraçando uma dessas tais folhas, que engoliria a vulgaridade do verbo. O raquítico assomara corpo e, copado, resolveu travestir-se. Encheu-se de alegoria. Ofereceu-se, homocrômico. De espinheiro à árvore natalina.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Fragmentos.

A Marcha

os pelotões da brigada militar eram a sensação do dia. muito antes de sua formação Lucas disputava, empolgado, torneios de xadrez num colégio de padres. Figueiredo entrou no jogo e pôs o menino pra marchar. o pequeno estrategista aderiu ao golpe. o cavalo, mesmo dado, não convinha olhar os dentes.


A Ópera dos Garis

a cantoria solitária da avenida só era audível aos varredores de rua. cada esquina, uma nota. a cidade regia sua orquestra sinfônica em aparente desordem. Vivaldi não faria melhor. enquanto suas luzes eram apagadas pelo dia, o espetáculo ganhava força. as vassouras e pás como os violinos e violoncelos faziam-se fundamentos. fim de expediente. o artista maltrapilho dorme ao som da ópera das ratoeiras...

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A Ferro e Fogo

Waldemar era Flamengo até morrer. Flamenguista daqueles emotivos, de não faltar a um clássico no Maracanã, de atormentar a vizinhança ouvindo o jogo pelo radinho em volumes cavalares, de assistir compenetrado as mesas redondas nos finais de domingos televisivos ou ainda discutir com argumentos passionais cada lance das partidas no boteco da esquina. Tudo em honra ao querido mengão. Waldemar era fanático até as pontas das unhas.
Apenas um sentimento era capaz de igualar-se em calibre com o seu amor a equipe rubro-negra: o imenso ódio que Waldemar nutria pelo Vasco da Gama. Era algo irracional, um tanto infantil, fugindo a salutar rivalidade futebolística onde um sujeito gozava o amigo no trabalho ou no bar após uma goleada aplicada por seu time no maior adversário. As máximas que Waldemar cunhava a respeito do clube odiado assustavam seus interlocutores. “O caráter de um homem se mede pelo time que ele torce. Ser vascaíno é uma deficiência de caráter”, costumava dizer, solene, durante a roda de chope. Ao redor da mesa não se ouvia uma voz clamar em protesto contra tamanha afronta, talvez por que Waldemar fizesse questão de não cultivar amizades que porventura torcessem pelo Vasco.
Solange, a esposa, muito fazia para diminuir tanto a ira vascaína quanto a idolatria flamenguista que o marido semeava. Lembrava a Waldemar os episódios em que conhecidos haviam se afastado do casal, sobretudo os que torciam pelo clube de São Januário e, sem esconder sua irritação, alertava não estar em condições de disputar o amor do esposo com um time de futebol.
— Você liga mais para este Flamengo do que para mim.
— Será que eu não posso ter uma diversão? Trabalho feito um mouro durante a semana. Não posso nem curtir o meu mengão aos domingos? – contra atacava o esposo.
Ela tolerou seu fanatismo durante anos, mas quando Waldemar a presenteou com uma camisa do Flamengo em seu aniversário, Solange decidiu procurar um homem que lhe desse mais carinho e atenção.
Há algum tempo ela andava de olho em Claudinei, um desocupado do bairro, portador de um sorriso sedutor, bom de conversa fiada, que vivia zanzando pelos bilhares e pontos de jogo do bicho das redondezas e, segundo ouvira falar, vascaíno. O sujeito sempre a olhava com intenções devoradoras, cara de “tô querendo” e, na primeira oportunidade, surgida quando os dois se esbarraram dentro de um ônibus em direção ao Centro da Cidade, Solange se deixou fisgar pelo malandro.
Marcaram encontro para o dia seguinte em um motel vagabundo na Praça da Bandeira. Mal chegaram ao quarto, Solange foi logo perguntando:
— É verdade que o gato é vascaíno?
Em resposta, Claudinei, armado do seu mais caricato olhar sem-vergonha, livrou-se da camisa e exibiu o torneado braço esquerdo onde reluzia um imenso escudo tatuado do Vasco da Gama. Encantada, Solange languidamente lambeu aquela tatuagem para deleite de Claudinei que a tomou nos braços e a possuiu com voracidade. O malandro nascera para o ato sexual e fez coisas inimagináveis com Solange que, extasiada, cantarolou durante o gozo alguns versos do hino vascaíno que ensaiara de véspera para a ocasião. “Vamos todos cantar de coração, a Cruz de Malta é o meu pendão, Tu tens o nome de um heróico português, Vasco da Gama, a tua fama assim se fez”.
E os encontros dos amantes tornaram-se diários, sob o próprio teto do Waldemar. Bastava ele sair para o trabalho e Claudinei embiocava-se sem cerimônias casa adentro.
O flamenguista se descobriu traído no dia em que uma indisposição gástrica o fez voltar mais cedo do trabalho. Da sala Waldemar escutou grunhidos amorosos vindos do seu quarto e não precisou usar de todos os seus miolos para entender o que se passava por de trás da porta. Invadiu o quarto aos berros e a única cena testemunhada foi a da esposa tentando vestir-se atabalhoada e um vulto, só de calças, disparando quintal afora para em seguida pular o muro divisor do terreno vizinho. Do tal homem, Waldemar guardou em sua retina tão somente a imagem do distintivo vascaíno tatuado no braço.
Não conseguiu distinguir que dor o lancinava mais: a traição escancarada ou o fato do amante de Solange torcer pelo Vasco. Diante de uma esposa semivestida, descabelada pelos carinhos do desconhecido, paralisada pela vergonha e pelo medo de sua reação, um atônito Waldemar sentou-se mecanicamente em sua cama de lençóis em desarranjo e cheiro de sexo recente, contemplou o quadrado da janela que testemunhara a fuga do sujeito que dormira com sua mulher e, munido de uma inacreditável fleuma, talvez por conta do choque, disse com a emoção de um zumbi dopado.
— Mulher... Me arranja um remédio pra dor de barriga. Hoje eu estou que não me agüento. Não sei o que comi!
Por semanas Waldemar catou em todo o bairro aquele que possuía impresso no braço a marca cruzmaltina de sua humilhação. Vasculhou nos pés-sujos, sinucas, mesas de carteado, campinhos de pelada, puteiros e nada. Claudinei, prudente e desconhecedor de que não fora identificado, pôs asas nos calcanhares e buscou exílio em outras bandas.
Os dias seguintes ao incidente transcorreram com Solange dominada por um estado de perplexidade aliviada, pois Waldemar continuou tratando-a como se o flagrante nunca houvesse se consumado. Não fosse a tristeza construída em seu olhar e o abandono da obsessão pelo Flamengo, a esposa juraria que ele era o mesmo de sempre, inclusive nas noites de sexo burocrático debaixo dos lençóis e tendo como única testemunha o brilho da lua invadindo o escuro do quarto. Nestes momentos de amor mecanizado, Solange quase chegou a admirar Waldemar, que escolhera por manter seu casamento ao invés do escândalo do adultério. Entrementes, debaixo de seu marido, ouvindo seus arfares, consumia-se em saudades de Claudinei. “Por onde andaria o safado?”
A pergunta que Solange se fazia, Reginaldo Meia-Bunda tinha a resposta. Seu apelido politicamente incorreto resultara de uma poliomielite contraída na infância que atrofiara toda a musculatura da perna esquerda, deixando-o manco. Desprezado pelas mulheres e objeto de chacotas dos homens do bairro, Reginaldo Meia-Bunda pouco tinha de distração além do exercício da maledicência e o prazer pela intriga. Ouvidos apurados, captou notícias aqui e acolá a respeito de uma possível traição da mulher de Waldemar e, como percebera o sumiço do vascaíno Claudinei por aquelas bandas, juntou as peças do quebra-cabeça e, deleitoso por um escarcéu, decidiu encontrar o fugitivo. De fuxico em fuxico Meia-Bunda logo chegou ao paradeiro de Claudinei, morando em uma cabeça de porco nas franjas do bairro de Santa Cruz.
E numa mesa de boteco, tendo por testemunhas parcas rodelas de salame como tira-gosto e duas tulipas de chope, Reginaldo Meia-Bunda revelou ao flamenguista o nome e endereço do amante de sua esposa. Waldemar, se perturbado pela notícia não demonstrou, pesquisou em sua mente alguma referência ao tal de Claudinei e encontrou uma vaga lembrança, meio desbotada, de uma inflamada discussão travada tempos atrás com um fulano sobre quem fora o melhor: Zico ou Roberto Dinamite? Não tinha certeza de tratar-se do mesmo personagem, mas isto não vinha ao caso agora. Perguntou a Meia-Bunda o porquê da delação.
— Por quê? – Reginaldo cutucou um pré-molar com a unha para livrar-se de um fiapo de salame preso entre os dentes antes de responder. — Por inveja! Pela mais pura e avassalarora inveja do sucesso de Claudinei com as mulheres. Algo que um manco de perna seca como eu nunca há de conseguir.
Uma torrente de desprezo invadiu Waldemar. Aquele dedo-duro, sentado a sua frente, a revelar choramingando agir movido apenas pelo sentimento de inveja, provocou-lhe náuseas. Reginaldo Meia-Bunda era pior do que sua mulher e o amante. Sujeito vil, X-9 de merda, que nada ganharia com a sua delação. Um cara mau, covarde e mau. Waldemar teve ímpetos de esbofeteá-lo ali mesmo, mas sabedor que necessitaria do manco para a realização do plano maquinado em velocidade recorde enquanto ouvia a sua nojenta cagüetagem, conteve-se. Apertou o braço esquerdo de Meia-Bunda e, portando cínica ternura no olhar, pediu:
— Reginaldo, meu querido, nem tenho como agradecer sua preocupação. Você demonstrou ser meu amigo. Quando eu morrer, vou arrastar para dentro do meu túmulo a consideração que você teve comigo. Nunca esquecerei seu gesto e, em nome da nossa amizade, peço um último favor.
— Claro, claro, como negar?
— Preciso que você escreva uma carta para minha mulher, de preferência datilografada ou escrita num computador, se você tiver um, como se fosse o Claudinei marcando um encontro com ela, prá daqui uns quinze dias, lá na casa dele...
Reginaldo assustou-se diante da possibilidade de ser o responsável por um crime passional. Não imaginara que sua intriga pudesse ir tão longe.
— Tú vai matar o cara Waldemar? – perguntou em murmúrio aterrorizado.
O marido traído, sem largar o braço do manco, falou tranqüilamente.
— Dou minha palavra de honra. Por São Judas Tadeu de quem sou devoto e pelo Flamengo, juro que não.
— Jura que nem vai capar?
— Juro...
Um par de dias após sua conversa com Reginaldo, Waldemar testemunhou uma certa alegria incorporada ao semblante da esposa e, concluiu, satisfeito, que o Meia-Bunda cumprira o combinado. Ao anoitecer, enquanto Solange tomava banho, remexeu os pertences da mulher descobrindo a carta. Ao correr os olhos pelas linhas datilografadas, o marido traído percebeu em Reginaldo dotes românticos e literários, tanto que chegou a enciumar-se do estilo do manco, cheio de mesuras e algumas pitadas de erotismo nas metáforas dirigidas a sua mulher. Mais uma vez controlou-se, anotou data e hora do encontro, devolveu a carta ao lugar onde a encontrara, tomou um comprimido inteiro do seu calmante predileto e deitou-se para dormir o sono dos justos. Ao sair do banho, Solange encontrou Waldemar a roncar, portando um estranho sorriso em sua face adormecida.
Na manhã seguinte Waldemar saiu bem cedinho de casa e, ao invés de ir ao trabalho, zarpou para uma serralharia lá pro lados da Piedade. Encontrou a loja fechada em virtude da hora e gastou alguns minutos do outro lado da calçada, esperando a abertura do comércio. Mal o estabelecimento ergueu suas pesadas portas de ferro, lá estava Waldemar falando com um sujeito gordo e suarento, aparentando ser o gerente.
— O que o senhor quer vai custar caro. É quase um trabalho artístico.
— Sem problemas. Eu pago.
— Não é comum uma encomenda dessas.
— Dá ou não dá pra fazer?
— Sim, é claro. É que eu fiquei intrigado. Nunca me pediram uma coisa assim.
— Sempre há uma primeira vez. Quando fica pronto?
Reginaldo Meia-Bunda andava tenso por aqueles dias. Desde a sua deduragem no boteco e o envio da carta a Solange, Waldemar não mais se manifestara. Meia-Bunda aguardou, preocupado, pela passagem dos quinze dias combinados para o encontro, fiando-se na promessa do flamenguista que não iria matar ou ainda castrar o rival. “E se ele fizesse algum mal a esposa?” perguntou-se agoniado, afinal, Waldemar não jurara pela integridade da mulher. Concluiu que não poderia confiar plenamente em juras ou promessas. “Quem mantinha sua palavra nos dias de hoje?” lamentou.
Dormiu um sono picotado na véspera do dia marcado. Acordou em sobressalto e mal raiou o dia, armou tocaia na porta da casa de Waldemar. Escondido, Reginaldo, presenciou o flamenguista sair para o trabalho e, quando duas horas depois uma perfumada e rebolativa Solange botou o pé na rua, certamente em direção a Santa Cruz, o manco pensou em aborda-la, fazer uma confissão, revelar-se um crápula, evitar que ela rumasse para uma suposta morte, mas ao imaginar a tríplice ira do marido, esposa e amante se abatendo sobre ele, na sua visão um pobre aleijado, preferiu calar-se e, resignado, acompanhou com as vistas uma Solange metida em um sensual vestido colante irradiando alegria pelos poros dirigir-se para o ponto do ônibus.
As horas custaram a passar e Reginaldo viveu aquele dia atormentado pela culpa do assassinato anunciado. Trancado em sua casa, de súbito, foi tomado pelo pavor de ter que se explicar à polícia caso Waldemar relatasse como descobrira a traição. Em sua mente pairou mil enredos acerca da morte de Claudinei. Waldemar usaria uma faca? Revólver lhe pareceu clichê. Infidelidade se resolvia na ponta de uma faca, cara a cara com o traidor, imaginou. No cair da noite, tentou espantar os pensamentos sanguinolentos de sua cabeça ligando o radinho de pilha mas, obra do destino, a estação sintonizada transmitia um popularesco programa policial.
“aonde vamos parar minha gente! É o império do crime, da maldade, do sadismo! Honra antigamente se lavava com sangue, agora honra é marcada a ferro e fogo, literalmente queridos ouvintes. Caso você duvide, preste atenção no drama acontecido hoje, no bairro de Santa Cruz. Waldemar Cristiano de Souza, 35 anos, vendedor, descobriu que sua companheira, Solange Maria Pinto de Souza, 30 anos, dona-de-casa, estava tendo um romance com Claudinei Adalberto Ribeiro da Silveira, 27 anos, sem profissão definida. Enfurecido, Waldemar invadiu a casa do Claudinei em Santa Cruz e flagrou o casal de pombinhos, digamos, namorando. Portando um revólver, ele amarrou e amordaçou os adúlteros e, com um ferrete de marcar gado, queimou todo o corpo do pobre Claudinei. Vingança planejada friamente ouvintes! Waldemar mandou fabricar o tal instrumento em uma serralharia da Piedade, como já confirmou em depoimento Antonio Sacramento, dono do estabelecimento. O mais inusitado ouvintes, foi o tipo de marca que Waldemar encomendou. Torcedor do Flamengo, o marido traído marcou em ferro incandescente o escudo do seu time de coração por todo o corpo do amante de sua mulher. E por qual time Claudinei torce? Pelo Vasco!!! O maior adversário do Rubro-negro! Claudinei está internado na unidade de queimados do Hospital do Andaraí e, segundo os médicos que o atenderam, irá sobreviver mas terá que conviver para sempre com o escudo do Flamengo cicatrizado por quase todo o seu corpo. Solange, ainda chocada com os acontecimentos, relatou aos policiais que Waldemar foi particularmente cruel com a tatuagem do emblema do Vasco que Claudinei trazia em seu ombro esquerdo, ferindo-o diversas vezes. O monstruoso Waldemar encontra-se foragido...”
Pálido, Meia-Bunda desligou o rádio. O único pensamento alojado em sua mente foi que Waldemar cumprira a palavra. Não matara, nem castrara...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

25 de dezembro


Morreu em São Paulo, no dia de Natal.
Não precisava ter ido pela Marginal,
mas era a última entrega do dia
e ele queria
estar em casa a tempo para o almoço.
Era tão moço!
Dezenove anos recém-feitos
e o coração daquele jeito,
dos muitos jovens, com muitos planos.

Em casa, a mãe e a namorada
preparavam rabanadas na cozinha,
entre segredos e risadas.

E ele que não vinha?

Na sala o pai lia o jornal,
sob o pinheiro iluminado em pleno dia:
“Esse menino! Eu bem dizia
que ele ia se atrasar... E hoje é dia
de trabalhar?”

Pernambucano esperto,
viera pra São Paulo no momento certo,
década de 70,
quando a cidade explodia em construções.
Ele, pedreiro caprichoso e atento,
toruxe consigo
garra e talento,
cresceu junto com as obras.
Hoje o dinheiro sobra
para fazer a festa dos amigos.

Soa a campainha:
é a vizinha
que vem trazendo a farofa do pernil.
“Que coisa, seu Libório. Onde já se viu?
Ninguém trabalha no dia 25!”
E chacoalhava indignada os brincos.

Aos poucos chegam todos.
Junto da árvore, um grupo canta um hino:
Toca o sino
pequenino...


– Onde estará, meu Deus, esse menino?

O menino dormia docemente
sobre o asfalto quente,
rosto coberto por uma camiseta
que um cara de lambreta
tirou do corpo, fazendo o sinal da cruz antes de ir.

Na camiseta estava escrito
(achei tão bonito):
“Natal! Paz na cidade
aos motoqueiros de boa vontade”.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Eterno Retorno

Ano 2536. Episcípedes, na segurança de sua casa-redoma feita de vidro
ultra-resistente, observa a chuva ácida. A paisagem lá fora é
desoladora: só negrume, só fumaça,só morte. Só. Episcípedes
sentia-se aflitivamente só. Tomou outra dose de alcahol, outra
cápsula de ilusionithium. Drogas permitidas pelo Estado. Controladas
pelo Estado. Estado que controlava os cidadãos. Cidadãos que
consumiam as drogas controladas pelo Estado para que não perdessem o
controle de si. Episcípedes sentiu o formigamento nas mãos, o suave
torpor, a leveza do corpo. As substâncias faziam efeito, cumpriam seu
papel no organograma estatal. A paisagem lá fora transmutou-se. O
árido tornou-se fértil. O negro tornou-se verde. O morto reviveu.
Episcípedes viajou. Para dentro, para longe, para trás.

Ano 1210. Episcípedes era homem. Tinha a cabeça raspada em forma de
halo, trajava uma túnica grossa de lã, amarrada por uma corda na
cintura, e sandálias. A corda tinha três nós. Os nós tinham nomes.
Pobreza, Obediência e Castidade. Ao seu redor, animais, muitos.
Parecia que todos os animais da floresta tinham vindo lhe fazer
companhia. Episcípedes estava feliz, muito feliz. O estrondo da
trovoada fez os animais debandarem. Episcípedes correu atrás deles.
Não queria que aquele momento pleno de felicidade terminasse.
Chocou-se contra algo invisível. Uma barreira invisível. A chuva
desabou. Episcípedes, desesperado, viu os animais contorcerem-se,
dissolverem-se, transformarem-se em uma pasta de carne fumegante. A
relva verde ardia sem fogo. Fumaça. Muita fumaça. O verde tornava-se
negro. Episcípedes tateou a esmo a barreira invisível. Encontrou um
botão. Premiu. Uma porta invisível abriu-se na parede invisível.
Episcípedes transpôs. Saiu. Correu sob a chuva. Gotas ácidas
penetrando sua carne. Agulhas de fogo líquido. Queimando. Súbito, seu
corpo em brasas planou no ar. Levitou. Braços invisíveis
arremessaram-no violentamente contra a madeira. O madeiro. Grossos
pregos cravaram-se em suas mãos e pés. Cravos. Coroa de espinhos na
cabeça. Estigmas. Gotas ácidas. Queimando. Derretendo. Martirizando o
mártir. O homem humano. Super-humano. Não era Episcípedes. Não era
Francisco. Era a massa. A massa de carne sem vida. Morto. Estava morto.

Ano 3023. Episcípedes era uma célula nervosa implantada em um chip. Um
chip implantado em um andróide. Não sentia. Não pensava. Não amava.
Era só uma célula. Só um chip. Só um andróide. Só. Sempre só.
Operário na usina de reciclagem de lixo, encontrou, certa vez, uma
gravura antiga dentro de um livro antigo: Uma cobra engolindo a
própria cauda. Algo dentro de si reagiu. Talvez uma mitocôndria
anarquista. Familiaridade. A gravura era familiar. Aquela vaga
lembrança foi o foco inicial daquela que ficou conhecida como a
"Revolução dos Humanóides". Milhões de andróides foram
neutralizados. Episcípedes, crucificado na cruz de metal, exposto
durante meses como um lembrete. Depois, desmembrado, esquartejado e,
por fim, dissolvido em ácido. Era o fim de outro ciclo. Outros viriam.
A cobra engoliria o próprio rabo. Sempre.

Carlos Cruz - 20/11/2007

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

EXPIRAÇÃO

* Em parceria com o filósofo Marcus Renato
.
.
Onde andará minha inspiração?
parece estar tão apagada
quanto esta caneta
que expõe meu penar
.
De tão vadia que é
deve estar
num beco qualquer
(ela diria que está num beco sem saída)
.
De tão livre que é
deve estar num vasto campo
coberto de flores
(ela, obviamente, diria estar num campo de concentração)
.
De tão louca que é
pensaria estar me inspirando
entretanto, ela não percebe
que sequer estou respirando
(ela pensa que estou dormindo)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A mulher no jantar de fim de ano

A mulher no jantar de fim de ano

Tinha um olhar forte, mas distante, rosto quadrado, que mais lembrava feições masculinas, não havia fragilidade nela, trazia um jeito simples, vestes sem grife, ou ostentação, mas parecia ser fina, educada. Caminhava altiva sobre os tapetes vermelhos que minha avó colocava para o Natal.
Suas olheiras salientes poderiam indicar noites mal dormidas, ou que perambulava pela casa a noite, olhos inconformados. Possuía algo que não sei explicar, era diferente, observei a noite toda, a maneira que acendia o cigarro, sua delicadeza ao levá-lo a boca, sempre muito formal, parecia isolada dos outros convidados e também atenta aos detalhes, como eu. Por vezes a vi divagando com a fumaça do cigarro, sempre aceso.
Até que em um momento percebeu que eu a observava, deu algumas voltas na sala, dirigiu alguns sorrisos a minha pessoa e eu retribuí todos, acomodou-se ao meu lado, no sofá em que eu estive sentada desde o começo da festa. Quando se sentou, parecia que aquele grande sofá tinha diminuído tão pequena era a distância que tomou de mim. Apertou minhas bochechas dizendo, menina linda, esse laço de fita foi a vovó quem te deu? Respondia afirmativa com a cabeça, parecia que minha voz não queria sair, mas eu sorria, ela era tão cheirosa, seu perfume, misturado ao odor do tabaco não me incomodava, de certo modo parecia-me familiar, embora nunca tivesse visto aquela figura antes.
Tocou minha mão com suavidade e chamou-me para passear no jardim, minha avó tinha uma videira, que naquela época do ano se enchia de cachos viscosos, se esticou e pegou um para mim, eu disse a vovó vai ralhar, não gosta que mexam nas frutas dela e prontamente me respondeu, “um cacho só, saboreie menina, sinta como estão doces, nada daria mais prazer à vovó do que te ver comendo as suas uvas!”
Olhava aquela mulher desconhecida e tão familiar, parecia-me linda.
Seus cabelos caiam sempre do mesmo lado do rosto e ela os prendia atrás da orelha, instintivamente, seu olhar profundo parecia roubar minha alma. Dizia que a fruta que mais sentia falta era o cacau, e sabia que já tinha passado o tempo deles maduros, disse, eles nascem sempre tenros, debaixo daquela caixa d’água lá no quintal do fundo. E deveria conhecer bem a casa, pois muito poucos sabiam do cacaueiro da vovó.
Depois de caminharmos ali ela disse agora tem que entrar, irão sentir sua falta, eu já vou, deixe só terminar o cigarro, olhei para trás mais uma vez e a vi conversando com a fumaça do cigarro e ainda soltou-me um sorriso quase confidente.
Não a vi no brinde do “Feliz Ano Novo”, nem nos cumprimentos, ela e a fumaça de seu cigarro desapareceram por algum tempo.
Mas parecia estar presente em todos os momentos importantes da minha vida, foi ao meu casamento, me visitou na maternidade, quando tive minha única filha, em todas as dificuldades me ajudando e dando-me bons conselhos, sempre um ombro amigo.
Hoje, já com o corpo cansado, minhas pernas já não têm aquela agilidade de menina, ela veio me amparar, olhou-me profundamente, como da primeira vez e me disse que ia me conduzir, deixei-me levar, mas não tinha mudado, nenhuma ruga em seu rosto, nenhum cansaço nos olhos, entendi que a minha hora havia chegado. E finalmente vi que aquela figura havia me acompanhado era a minha face mulher, meu rosto de balzaquiana, os mesmos cabelos, a mesma expressão, o mesmo carinho. Deixei-me levar.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

...



Quando as águas fumarem
Os ventos pingarem
E houver fogo no céu

Quando perdermos o sentido
E almejarmos vazios dourados

Quando os amores findarem
E o desespero for a regra

Socorramo-nos!

Podemos também ser heróis
Lembremo-nos dos sonhos infantis
Queremos fazer a diferença
Ao menos por um dia

Esta data pode ser hoje
Então preparemo-nos
Haverá guerra antes da paz

Acordem os santos
Chamem os heróis
Avisem os paladinos da justiça

Levantem os mortos
Acudamo-nos de nós mesmo.

Para salvar o amanhã
Devemos evoluir hoje

Não há tempo
Nem para sempre