sábado, 15 de novembro de 2008

AS COXAS DA SENHORA GENEVIEVE

Nunca experimentara tremor tão intenso, como ao ver as coxas da senhora Genevieve.

Não a conhecia até então. Sentada à estação, pernas cruzadas, a mulher aguardava tacitamente o comboio, mergulhada numa leitura, alheia ao mundo ao seu redor.

A senhora Genevieve era desposada. Mudara-se à pouco naquela freguesia. Muito calada. Muito sisuda. Profundamente centrada em si e no seu digno cotidiano.

Já não experimentava as inquietações típicas de uma sexualidade balzaquiana, ainda que contasse trinta e dois anos, num corpo esplendidamente cobiçoso e mergulhada na monotonia de uma vida conjugal que se arrastava à quase duas décadas.

Era recatada. E essencialmente digna. Sem as prevenções acentuadas das mulheres que enxergam um canalha a cada canto.

Mas ele, pobre homem! Apaixonara-se irremediavelmente pelas coxas da senhora Genevieve. Mal recordava-se do semblante dela. Ou dos seus braços, alvos e bem delineados, ou do busto gracioso sob o corpete.

As coxas - essas eram o alvo das suas inquietações.

Agora, pois, já não vivia mais tranquilamente. Mesmo mergulhado em suas atividades diárias, ou em seus sonhos febris, assaltava-o a imagem forte, rebuscada, indelével, das belas coxas da senhora Genevieve, pernas cruzadas, aninhadas pela orla florida do vestido insinuante.

Ela nunca mais cruzara as pernas. Nem mais fôra vista lendo qualquer folheto. Mas não percebera que seu gesto esporádico, casual, estranho a si mesma - o cruzar as pernas - causara tamanha comoção naquele homem. E ele, agora, amava as coxas dela, e somente as coxas dela, mais que a ela, mais que qualquer outra coisa em sua vida.

Mas a senhora Genevieve partiu, após algum tempo; seu esposo fôra transferido dali.

E o que ficara, mesmo tomado de tal monismo, casara, tivera filhos. Mas nunca mais se apagara de sua mente, o regozijo, o deleite, o estado nirvânico que lhe transmitira a imagem das coxas da senhora Genevieve, pernas cruzadas, sentada à estação.

E morreu amando-as.

Um comentário:

Deveras disse...

Ah, as coxas de Geni... também eu, morro de saudades dela.

Beleza, ficanapaz