sábado, 29 de novembro de 2008

Numa Dança



Sonho dançar com você
Ser levada nos seus braços
No meio do salão
Deixando o seu sorriso me levar

Sinto estar no anos dourados
No embalo da música
Me encanto com os seu olhos
Sonhando acordada

Me leve para um lugar distante
Num doce momento com você
É no ritmo de uma música dos anos
dourados
É nessa música que eu quero viver

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Aroma
Fonte foto: Jody Hewgill


Evapora de ti
a essência da perdição.

O teu âmbar cinzento
mandei para destilação,

para fixar em mim
teu corpo fugitivo.

E te fazer provar
o verdadeiro absinto

sábado, 22 de novembro de 2008

Defeito perfeito

- Odeio cigarro, da fumaça ao cheiro e, principalmente, o bafo!

- Mas você só se envolve com fumantes!

- É que depois fica mais fácil de largar o vício.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Ausência

Meu silêncio quebrou a vidraça
Urrou para os meus sentidos
Esmurrando espaços vazios

Meu silêncio fez morada na praça
Anda sujo de merda de pombo
Para ouvir o sussurro das águas

Meu silêncio, maltrapilho
Mendiga sons que alimentem
Como a insistência das flores

Meu silêncio, de alma partida em dores
E, intoxicado pelo medo

Em silêncio,
Vomita ferida,
Palavras mal ditas.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Em nome do prazer.

(Continho 'meio' erótico. Aconselho não ler
caso não goste : )


Em nome do prazer.

Andavam sempre juntas: Isabelle, Lana e Cynthia.
Lana era a mais comum das duas ou dentre todas as moças da sua idade. Sei que por algum motivo era ela que me chamava atenção. Apesar de estar na moda garotas mais novas se interessarem por homens mais velhos eu não nutria nenhuma esperança de que ela se interessasse por mim com meus 44 anos.
Quando saía do meu consultório gostava de sentar na varanda e observá-las passar com a juventude nos sorrisos. O jeito de andar e jogarem os cabelos era uma bela visão.
Sexta a noite Lúcio ligou convidando para uma partida de carteado na casa do tio. Não estava muito a fim, mas sem opção aceitei o convite.
Já na chegada ele avisou para que eu não assustasse, pois a filha de Lúcio estava realizando uma festinha com alguns amigos. Uma garotada entre 18 e 22 anos, muita bebida, fumo e casais agarrados na piscina. Dei uma rápida passada de olhos.
Ao entrar a surpresa de conhecer as três garotas. Lana era a filha do tio de Lúcio. De toda a noite observar as voltas do corpo de Lana com uma meia arrastão, short curtinho, camiseta decotada e saltos nos delicados pés foi o que mais me agradou. No trajeto para casa pensava em seu corpo e na loucura de possuí-la. Nunca me interessei por mulheres tão jovens, porém o frescor da pele de Lana excitava-me até o pensamento. Pensei em contar para Lúcio, mas certamente ele me chamaria de tarado. Guardei para mim.
Durante toda a semana evitei sentar na varanda e forcei para não pensar em Lana. Lúcio tentou sem sorte alguns convites para noitadas só que final de semana é final de semana e lá fui eu.
No local marcado Lúcio estava sentado com as três garotas. Não era possível. Outra vez Lana de quem eu havia fugido. Cumprimentei a todos e pedi um uísque. Lana brincava com um canudo dentro da lata e deu uma longa chupada antes de responder ao meu cumprimento. Sentei já de pau duro e quanto mais a olhava mais ele crescia. Precisei jogar o guardanapo despistadamente por cima do membro assanhado.
Durante conversas saíram para dançar e comentei com Lúcio o que sua prima estava conseguindo provocar em meu corpo. Ele riu e disse que ela era apenas uma menina mimada perto das duas amigas.
Fui ao banheiro e Isabelle tocou minhas virilhas com a mão cheia agarrando meu caralho e disse que eu tinha um material convidativo. Enrubesci e segui direto ao mictório. Meu Deus não era possível que aquilo estivesse acontecendo.
Voltei e contei para Lúcio que afirmou que ela e a amiga eram ninfomaníacas.
Assim que retornaram Lúcio nos convidou para irmos para uma boate. Lana disse que não queria ir e se eu não fosse ela poderia pegar uma carona comigo para casa. Eu disse que estava cansado. Saíram. Lana começou a contar coisas que eu nem ouvia bem, o seu hálito deixava-me alucinado. Tomamos mais alguns uísques, algumas coca-colas e ela quis sair. Muito calados no caminho perguntei se ela gostaria de conhecer minha casa e a resposta foi sim. Eu a deixei na sala para buscar algo para tomarmos e não a encontrei. Subi as escadas, abri a porta do quarto e Lana estava nua em minha cama. Pernas bem abertas e os dedos na boceta lisa e molhada. Eu fiquei de pé não sei por quanto tempo. Minha vontade era de penetrá-la profundamente só que olhá-la deixava-me ainda mais louco. Ela apertava as pernas, escorregava os dedos para dentro e gemia mordendo os lábios. Fez sinal para que eu aproximasse, tirou os dedos molhados da boceta e enfiou-os em minha boca. Eu os mamei e fui diretamente impulsionado para sua boceta e comecei a chupá-la. Minha língua entrava em sua caverna e ela jorrava mais e mais alimento. O cheiro que exalava dela era algo inexplicável e quanto mais eu a sugava e acariciava com a língua mais os meus sentidos a buscavam como algo necessário a minha sobrevivência instintiva. Sentia suas unhas levemente arranhando minha nuca. Puxou meus cabelos, olhou-me nos olhos e jogou um beijo. Parti para cima assim meio animal faminto, ela arrancou minha roupa e beijou meu corpo fingindo a todo momento que abocanharia meu pênis inchado. Veio para cima abriu bem a boceta e engoliu meu pau com ela. Quando levantava era possível ver meu caralho todo arregaçado dentro daquela boceta úmida, morna e escancarada.
Senti que aquilo era melhor que qualquer coisa no mundo. Ela saiu e veio no mesmo momento mamar. Engolia, apertava com os lábios, tocava o saco, sugava, alisava o prepúcio, lambia a glande bem exposta e masturbava meu caralho esfregando-o em sua face. Eu segurava o gozo e os testículos doíam. Ficou de quatro e a penetrei fundo e com força. Seus gritos enchiam a casa e eram o meu delírio maior. A chamei de mil nomes, puta, vaca, ordinária, cadela e ela repetia palavrões e pedia mais. Quando paramos ela levantou pegou um gel na bolsinha alaranjada e safadamente fez uma massagem com o corpo rebolando no meu.
Nossas peles grudentas insistiam em querer corromper-nos em sexo vadio e eu só sabia comê-la. Seu cheiro era o principal afrodisíaco. A verdade é que eu estava nas nuvens com tudo o que ela fazia. Voltou a chupar meu pau continuamente e com mais força - boca salivada. Eu contorcia, dizia que iria gozar e ela apertava com a mão e retinha o gozo. Subiu rapidamente até meus lábios e beijou forte sussurrando que agora sim nossos gostos se misturavam por completo. Meteu a cara novamente, aprofundou e senti a língua roçando o meu ânus a causar um calor de fazer inveja ao inferno. Eu suava feito tampa de chaleira, ela cheirava as partes íntimas e parecia uma gatinha no cio entregue aos dengos do macho. Deixei a cama e ajoelhei. Ela ficou de pé com uma perna no colchão. Comecei por suas pernas e meti a boca. Ela massageava os peitos, alisava o rosto, pescoço e voltava a manipulá-los. Nunca havia chupado tanto uma mulher.
Com carinha de anjo sacana ela pediu que eu deitasse. Voltou a ficar por cima, eu beijava os mamilos salientes, apertava e olhava enquanto ela cavalgava lenta com curtas paradas para abrir a rosa e eu entalar o caule. Não sei quantas vezes fizemos juras de amor eterno um ao outro. Eu poderia ficar trancado por dias naquele quarto com ela. Ela era uma fera e um animalzinho domesticado que sabia quando virar o jogo.
Meu caralho duro e muito molhado não parava de entrar e sair daquela boceta deliciosa até que não aguentei quando ela movimentou-se mais rápido e o gozo chegou em um êxtase divino. Ainda dentro dela eu beijava sua boca e senti algo mais escorrer em nosso corpo... Ela estava a fazer xixi em nós dois. Bizarrice ou não eu amei.
Depois, desfalecidos ela adormeceu em meu peito. Com muito cuidado peguei o telefone e liguei ao Lúcio para dar uma desculpa por não tê-la levado para casa e ele disse que ligaria aos pais dela avisando que ela dormiria na casa das amigas.
Fiquei a admirá-la por umas duas horas quando ela despertou. Nos beijamos e ganhei um convite ao banho. Dentro d'água mais bonita ficava. Disse que queria tomar banho só, mas que eu poderia ficar ali e olhá-la. Mil coisas passavam em minha mente e eu só sabia que a queria sempre ao meu lado. O sabonete espumava e ela brincava com a espuma no corpo. Disse que a queria novamente. Ela empinou o bumbum. Comi sua boceta por trás. Minutos e outro gozo fabuloso. Terminamos o banho juntos. Ela saiu primeiro e quando cheguei no quarto ela já estava vestida e pediu que eu a levasse para casa. Falei que os pais sabiam que ela dormiria na casa das amigas, mas ela quis ir embora.
Na segunda-feira quando cheguei no consultório lá estava ela e mãe. Acenei para elas e entrei. Pensei por alguns minutos o que diria a mãe dela. Pedir a mão da filha em casamento? Decisão tomada. Era isso o que eu queria. A secretária interrompeu meu raciocínio. Lana já entrou junto com ela. Elas haviam marcado um exame ginecológico. Lana não disse nada sobre nós dois. Sentou e perguntou se deveria se despir ali. Tentei beijá-la e ela recusou. Disse que estava ali para um exame. Falei que a amava e dos meus planos. Ela disse não. Falou que tinha sonhos e que não iria abandoná-los. Seria Sexóloga. Implorei. Disse que poderia estudar casada comigo e ela disse não. Recusei examiná-la. Ela saiu e em seguida a mãe entrou. Não tive como fugir. Fiz o preventivo com profissionalismo, mas com a cabeça em Lana.
O dia foi estressante e foram dias sem sinal dela até que liguei para Lúcio marcar um carteado na casa do tio. Semanas seguidas e nada de Lana. Tomei coragem e perguntei pela filha. A mãe orgulhosa disse que ela havia feito o exame e aquele dia mesmo havia embarcado para o exterior para estudar. Tive uma tontura, empalideci. Perguntaram se eu estava bem. Inventei uma dor no estômago e me retirei.
Depois de certo tempo acabei tendo um envolvimento com Cynthia que resultou em altar e dois filhos. Uma relação comum sem grande ou nenhuma aventura.
Muitos anos depois reencontrei Lana em uma Conferência no México. Uma mulher deslumbrante. Tomamos uma Pinã Colada, uma bebida tradicional feita com 2 doses de rum, 3 doses de abacaxi, 2 doses de leite de coco, pedaços de abacaxi e gelo.
Ela esclareceu que a mulher ainda possuí uma voz fraca dentro do sexo, pouco conhecimento até do próprio prazer e que ela havia se dedicado inteiramente a lutar para modificar tal fato e que casar seria aceitar as amarras para que a sua voz fosse ofuscada, afinal poucos são os homens que entendem uma mulher na posição dela, mas que poderíamos nos ver algumas vezes.
Trocamos números... A vida é uma surpresa!

Eliane Alcântara.

Crianças sempre embaraçam a gente

— Por que eu tenho que colocar roupa?
— Por que o papai tem de trabalhar e você não?
— Por que a sua mão treme?
— Por que suas fotos, quando criança, não são coloridas?
— Por que isso? — Por que aquilo? — Por quê?
— Por que essa menina faz tantas perguntas?
Todo sábado é a mesma coisa. Ainda bem. Filho e nora deixam a netinha aqui em casa e saem para o cinema, vão a algum casamento, se reúnem na casa do Vinícius ou recebem alguém em casa. Eles sempre têm alguma coisa para fazer e deixam a pequena aqui em casa. Fazem isso por eles e por nós, avós corujas.
Ana Beatriz é um doce, muito quietinha. Chega de pijama de flanela, pede colo e uma historinha antes de dormir. Os olhinhos fecham, a cabeça cai e a levo para a cama. Aninha é querida. Não levanta no meio da noite, não faz xixi na cama, nem pede por papai ou mamãe. Apenas dorme profundamente, abraçada ao travesseiro.
Acredito sinceramente que, à noite, um duende verde confunde a menina com um brinquedo e dá corda. De manhã, junto com o canto dos passarinhos, Aninha acorda serelepe, matraca e perguntadeira.
— Vô? — pulando na cama — Posso deitar na sua cama? — cutuca a sola do meu pé com o dedinho — Por que você não tem cócegas no pé? Cadê a vó? Ela tá fazendo pão de queijo?
— Você não ia se deitar na cama? — Pergunto, enquanto estalo um beijo na testa despenteada.
— A gente vai para o zoológico depois do café? — Correndo para o banheiro.
— Vamos ver a girafa, o elefante, o jacaré e os macacos.
Aninha já estava no banheiro espremendo a pasta de dentes.
— A pasta de listrinhas vermelhas já acabou?
— A vovó comprou essa azulzinha especialmente para você.
— É verdade que a vó usa dentadura?
— Não. A vovó não usa dentadura. Ela pode morder a sua bochecha.
— Hoje de manhã ouvi a vó rezando na hora de levantar. Você não reza?
— Algumas pessoas rezam em voz alta e outras rezam baixinho.
— Eu nunca vi você rezar. Você tem um terço?
— Não querida. Eu não tenho terço. Aquele ali é da vó.
— A bisa me ensinou a rezar em alemão. Ich bin klein. Mein Herz ist rein. Soll niemand drin wohnen als Jesus allein*.
— Que bonitinha. Fale de novo, mais devagarzinho, senão o bom Deus não compreende.
— Deus fala alemão ou português?
— Deus entende todas as línguas.
— A tia da escola disse que os índios falavam uma língua que ninguém entendia.
— Os índios falavam uma língua que os portugueses não entendiam.
— A tia disse que os índios não acreditavam em Deus.
— Muitos não acreditam em Deus.
— Por que alguns acreditam em Deus e por que outros não acreditam?
— O deus dos índios é diferente daquele em que nós acreditamos.
— A mãe do Felipe não é índia. E não acredita em Deus.
Fugindo da pressão, segurei a mão da Aninha e a levei para a cozinha.
— Bom-dia querida! Olha só quem eu trouxe! O pão de queijo já está pronto?
Ana agarrou-se ao pescoço da avó e tascou um beijo lambuzado de pasta de dentes.
— Vó, por que alguns acreditam em Deus e outros não?
— Meu anjinho, vista uma roupinha. O pão de queijo está quase pronto. Alfredo, ajude sua neta.
A menina olhou para mim e fez beicinho de quem não recebeu a resposta nem comeu o pão de queijo.
Fui com ela até o quarto onde estava a sacola com a roupa.
— Hoje nós vamos ao zoológico. Você tem medo de lobo mau?
— Eu não. Lobo mau não existe.
— Tem alguma coleguinha que tem medo do lobo mau?
— O Rodrigo tem medo.
— Então, ele acredita em lobo mau?
— A Maria Alice também acredita.
— Então, Aninha, é assim: alguns acreditam e outros não acreditam. Como em Deus.
A menina abriu um enorme sorriso, correu para a cozinha e eu fiquei aliviado.
— Vó, Deus é como um lobo bom. Não é?
Ainda bem que o pão de queijo ficou pronto.

* Versão para a oração infantil:
Sou pequenino. Meu coração é puro. Nele mora Jesus menino.

domingo, 16 de novembro de 2008

Panorama


No tempo que assistia o mundo
dependurada nos pés de ameixa

Eu rodopiava canções bonitas em companhia do meu amado e saboreava maças do amor nas festas juninas e tinha um estoque de bilhetes apaixonados...

Contudo,
o tempo nada deixa

Onde estão as paisagens
que eu ria do arvoredo?

Pra ser só, me sobrou coragem
desisti do uso do amor placebo

sábado, 15 de novembro de 2008

AS COXAS DA SENHORA GENEVIEVE

Nunca experimentara tremor tão intenso, como ao ver as coxas da senhora Genevieve.

Não a conhecia até então. Sentada à estação, pernas cruzadas, a mulher aguardava tacitamente o comboio, mergulhada numa leitura, alheia ao mundo ao seu redor.

A senhora Genevieve era desposada. Mudara-se à pouco naquela freguesia. Muito calada. Muito sisuda. Profundamente centrada em si e no seu digno cotidiano.

Já não experimentava as inquietações típicas de uma sexualidade balzaquiana, ainda que contasse trinta e dois anos, num corpo esplendidamente cobiçoso e mergulhada na monotonia de uma vida conjugal que se arrastava à quase duas décadas.

Era recatada. E essencialmente digna. Sem as prevenções acentuadas das mulheres que enxergam um canalha a cada canto.

Mas ele, pobre homem! Apaixonara-se irremediavelmente pelas coxas da senhora Genevieve. Mal recordava-se do semblante dela. Ou dos seus braços, alvos e bem delineados, ou do busto gracioso sob o corpete.

As coxas - essas eram o alvo das suas inquietações.

Agora, pois, já não vivia mais tranquilamente. Mesmo mergulhado em suas atividades diárias, ou em seus sonhos febris, assaltava-o a imagem forte, rebuscada, indelével, das belas coxas da senhora Genevieve, pernas cruzadas, aninhadas pela orla florida do vestido insinuante.

Ela nunca mais cruzara as pernas. Nem mais fôra vista lendo qualquer folheto. Mas não percebera que seu gesto esporádico, casual, estranho a si mesma - o cruzar as pernas - causara tamanha comoção naquele homem. E ele, agora, amava as coxas dela, e somente as coxas dela, mais que a ela, mais que qualquer outra coisa em sua vida.

Mas a senhora Genevieve partiu, após algum tempo; seu esposo fôra transferido dali.

E o que ficara, mesmo tomado de tal monismo, casara, tivera filhos. Mas nunca mais se apagara de sua mente, o regozijo, o deleite, o estado nirvânico que lhe transmitira a imagem das coxas da senhora Genevieve, pernas cruzadas, sentada à estação.

E morreu amando-as.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Fragmentos

Dona Risoleta

Dona Risoleta tinha mágoa indisfarçável por Salim. véspera do pleito em ninho de vespas. encomendas para o luto por telegrama. O jantar à mineira com suco de manga. pretexto a discutir os talheres postos. Logo ela, a prata da casa. Os generais, anfitriões, pagaram o pato. Fim de luta, dois lados mortos. Um corpo, um país. A desova de um valeu por todos. Demorou, mas o riso cobrou seu preço.


Nascer e Viver em Lugar Nenhum

Lugar Nenhum é um lugar desconhecido por todos. Lá é bem provável que não exista civilização. Nem teatro, nem cinema e muito menos um bar com escritores dentro. E quem liga pra isso? A única coisa que se sabe é que quem vive por aquelas bandas acaba por padecer de uma cefaléia aguda e amnésica todas as manhãs ao raiar do dia. Lugar Nenhum é sem dúvida o lugar mais populoso do mundo.

domingo, 9 de novembro de 2008

INRI

Quando Nico Abadia deixou meu consultório levando nas costas aquele seu jeito de hiena tristonha, eu juro, Cristina, que minha consciência profissional quase me fez revelar a verdade por ele tão ansiosamente procurada. Mas o sentimento de compaixão que sua alma sofrida emanava, a despeito do sucesso, falou mais alto. A verdade seria por demais dolorosa, provocando feridas que talvez jamais cicatrizassem, minha cara. Nico Abadia veio a mim à procura de respostas e não em busca de novos tormentos.
É claro que eu sei das minhas responsabilidades profissionais enquanto terapeuta de vidas passadas, Cristina, mas, entenda: as circunstâncias do "Caso Nico Abadia" são sobremaneira especiais. Nem tudo o terapeuta deve dizer ao seu paciente sob pena de abalar definitivamente a sua estrutura emocional. Você, por exemplo, caso houvesse sido uma sanguinária homicida em outra encarnação, um Nero ou um espécie de Hitler, receberia tal notícia com tranqüilidade de uma monja budista?
Não, Cristina. Nico Abadia não foi um genocida histórico, apesar de haver deixado para sempre sua marca na humanidade. Não se trata de fazer suspense, querida, contudo, todo este episódio de certa forma também me abalou.
Nico me procurou desejando saber o porquê da melancolia crônica que o abatia. Afinal, o homem tem tudo que um pobre mortal desejaria na vida: fama, dinheiro, uma bela família, realização profissional e poder. Sim, Nico Abadia é poderoso no meio em que milita. E fico admirado por você, meu amor, ser ingênua a ponto de não perceber tal fato.
Ok, tentarei ir direto ao assunto. Após as preliminares de praxe, Nico Abadia deitou-se ai mesmo, no divã que agora você esta sentada. Parecia amedrontado, como certos doentes que temem uma cirurgia contudo anseiam por ela na esperança de se curarem. Expliquei os procedimentos ao meu paciente e iniciamos a sessão com um relaxamento da mente. Aos poucos Nico Abadia foi entrando no estado hipnótico e, passados alguns minutos, estava sobre o meu domínio. Quando julguei ser o momento exato de começarmos a regressão, perguntei onde ele se encontrava. "No meio de uma multidão. Vejo pessoas gritando, xingamentos, deboches", ele disse. "Como você está vestido?" perguntei. "Como um soldado romano. Sou legionário.", foi a resposta que emergiu daqueles lábios grossos tão conhecidos do público. Já tinha uma base por onde começar, uma trilha no inconsciente daquele homem por onde seguir até alcançar o problema que o afligia quando, inesperadamente ele desatou a falar. Vou ler este trecho transcrito da fita gravada para você.
"O condenado segue no meio da turba enfurecida. Sustenta, amarrado aos punhos, horizontalmente por detrás do pescoço, a trave da cruz. A base é carregada por um outro homem, por ordem do Centurião. O condenado, cabelos compridos à moda nazarena, segue resignado. O semblante transmite serenidade apesar do sangue que escorre pelo rosto, fruto dos espinhos em forma de coroa ferindo a cabeça. Chegamos ao monte, chamado de Gólgota. Deitamos o condenado. Um dos soldados finca um cravo de ferro no punho direito do homem. Ele emite surdo gemido. Repete-se a operação no punho esquerdo e nos pés. Erguemos a cruz. Não foi trabalho árduo. O nazareno tem estrutura esquálida. Algumas pessoas choram em desespero. Na certa parentes do crucificado. O nazareno pede água. Encosto uma escada na base da cruz, subo e, jocosamente, ofereço vinagre. Ele cospe. Nossas gargalhadas inundam o Gólgota. Enquanto disputamos no jogo de dados as vestes do tal de Jesus, duas outras cruzes são erguidas, ladeando o nazareno. Os outros dois condenados despossuem da dignidade do homem chamado Jesus. Lamentam sua sorte, urram desesperados pelo sofrimento. Súbito, uma idéia invade meu cérebro. Pego um pedaço de madeira perdido no chão e, com ajuda do meu pequeno punhal, esculpo as palavras "Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus". Subo a escada e fixo a placa acima da cabeça do condenado. Novas gargalhadas eclodem. Ao lado do nazareno, rio sonoramente a ponto de quase desabar da escada..."
Permita-me interromper o relato, querida Cristina. Pelo resultado da sessão já se pode notar que, Nico Abadia, o maior humorista brasileiro de todos os tempos, mestre do riso, é um homem triste pelas reminiscências de outra vida. E que vida! Sim, você tem razão. Já na época do Cristo, Nico Abadia era dono de um humor peculiar, ainda que mais negro que a asa da graúna...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

La Fuga



Recorrí las playas de arenas ardientes
quemando las plantas de mis doloridos pies
Enfrenté las olas del mar bravío
mi cuerpo azotado por el látigo hecho de agua
Subí a la cumbre de la montaña más alta
las heridas de mis manos bañaron las piedras
coloreándolas con el rojo de mi sangre
Me perdí en la selva verde y húmeda
llena de musgo y sonidos amedrentadores
Al fin, agotado por la caminata escabrosa
Me senté al suelo y sonreí
Intenté dejarte a lo lejos
escapar de tus presas de mujer felina
pero no pude resistir a tus encantos y encantamientos
ni al amor que devora mi corazón
que late, desesperado, siempre cuando mis ojos miran
tu cuerpo
Carlos Cruz - 08/10/2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

On the road (ou uma pequena prece para Kerouak)

Era novamente eu e a estrada. A vastidão do nada à frente e a mesmice do que ficou para trás, os horizontes que atravessavam as janelas do veículo, celerados, assustados e velozes. Não, acho que era eu quem corria demais. O pé direito afundado no acelerador dava-me uma vaga suspeita disso. Tentei  lembrar do que havia me levado ali: a) um ano dedicado aos estudos e um concurso que no fim das contas, não deu em nada; o que leva invariavelmente a um b), estar tão deslocado no seu próprio eixo, devido ao isolamento para estudo e às profundas meditações transcendentais e sem sentido, que a melhor forma de se recolocar é sair por um tempo e depois voltar, acertadamente ao seu lugar, ou fingindo metodicamente estar.
Então, meu irmão fechou animadamente um negócio com um primo meio trambiqueiro, que mora no extremo norte do estado. Era para trazer um carro para minha mãe, um Honda Civic 2007, com todos os apetrechos que um carro deste porte deve ter. O transportador seria eu, que iria de ônibus e voltaria guiando. Não me perderei nestes detalhes. Até porque não lembro muito bem de nada depois disso. Fui colocado ou direcionado ao meu assento no banco do ônibus por algum funcionário da viação; como houve um senhor atraso no embarque, passei meu tempo ocioso na lanchonete mais próxima do embarcadouro, cervejas e Whisky falsificado fazendo companhia. Podem não ser as melhores companhias do mundo, mas te ajudam a passar o tempo. Daí que a ida foi um sono contínuo, uniforme e vomitado. Acredito que ganhei alguma antipatia dos outros passageiros. Talvez tenha tido isso do motorista também, a contar pelo jeito que me empurrou porta afora, quando chegamos na cidade do meu destino. – E que destino! – exclamei. Sob um calor que no mínimo cento e cinquenta graus, a rua principal esturricava abandonada. Olhei quase no fim dela e vi a garagem de meu primo, ao lado de um agradável botequim, um oásis de calma e beleza rodeado de palmeiras - Melhor pegar o tal carro e me arrancar daqui, ou corria o risco de ganhar raízes profundas.
Cheguei com cara da ressaca encarnada, ainda não havia comido nada, depois de uma noite de solavancos e sonhos entrecortados. Carlos, o parente vendedor de veículos, me deu um abraço mais falso que uma moeda de dois reais:
- Grande Juliano! Como é que tá o cara mais famoso da família Werneck?
- Até que vou bem, mas não sou o mais famoso: o primo Alceu é quem tá bombando nas manchetes agora, depois daquele caso de desvio de dinheiro público.
- Ah, mas isso é ficha. Em pouco tempo o povo esquece disso, vai por mim. Mas no teu caso, você é um artista, um escritor, daí que não dá para esquecer.
- Isso se você escrever. Como não ando escrevendo, dane-se. É este o carro?
Ele fez um sim desconfiado, como uma raposa na porta do galinheiro. Deixei que o desdém do meu olhar demonstrasse que não me animei nada com o escolhido. Olhei em volta e todos os outros automóveis tinham o mesmo ranço estético; vários outros sedans alinhados, juntamente com alguns hatchs econômicos e algumas pick-ups monstruosas. Nenhum conversível, nenhuma motocicleta endiabrada, nenhum escape de duas ou quatro rodas. Foi então que o vi. Parado no canto, chamando, quase ordenando que o ligasse. Era um carro de sonho. Na verdade, uma lenda. Deixei o escolhido de lado.
- Roda?
- O quê, aquele ali? Você deve estar brincando, não é para sua mãe?
- É, mas a gente divide o carro. Daí que acho que ele ali é perfeito. Pega a chave.
Girei o segredo no tambor e senti o motor explodir: aquilo sim, é que era o som verdadeiro de uma engrenagem em movimento, o bom e velho carburador, não aquela coisa insossa da injeção eletrônica. O barulho do motor impedia de ouvir o que meu primo teimava em gritar ao lado do carro. Ele apontava alguma coisa para dentro do veículo e eu somente acenava a cabeça, sorrindo maquiavelicamente como se entendesse tudo. Por fim, ele se aproximou e conseguir distinguir:
- ... fora isso, tá tudo beleza. Fiz o motor, o câmbio e a suspensão, o bicho tá tinindo! Mas ainda acho melhor você colocá-lo em uma cegonha ou levá-lo sobre um caminhão.
- E perder o melhor da festa? Nem na bala.
Acertei a papelada com Carlos, comi alguma coisa que pedimos diretamente do botequim e comecei o meu retorno para casa. Não via a hora de cortar o espaço com aquela máquina. Atravessei a cidade com controlada ansiedade, louco para chegar na rodovia e começar verdadeiramente a rodar. Quando as rodas de liga leve começaram a desfilar na estrada, vi o brilho do olhar dos fãs de motores chegando a corroer as fortes latarias. Meu ser começou a se integrar com o veículo logo após os oitenta por hora. Senti o volante se tornar uma extensão de minhas mãos e os pedais grudarem-se aos meus pés, o coração correndo em uníssono com o motor e minha força sendo repassada pela transmissão daquele carro dos sonhos.
Era novamente eu e a estrada. Foi quando percebi o que meu primo tentara desesperadamente me mostrar. O painel de instrumentos, vez por outra perdia o contato, ficando estático, sem fornecer informação nenhuma. Isto me fez gostar ainda mais daquele carro, pois suas falhas em muito se assemelhavam às minhas: sem marcador de RPM, nem ele nem eu sabemos a própria força ou potência; isto geralmente atrapalha muito coisa, seja em um aclive acentuado ou em um relacionamento conturbado; sem o controle do combustível, nunca sabemos até onde teremos gás para podermos ir, seja na estrada ou na vida, mas dane-se, quem perde tempo com isso? Um dia tudo acaba mesmo. A falta do velocímetro me impede de saber a que velocidade estou indo, mas algo dentro de mim me assegura que estou indo no tempo certo, no momento exato, e que em mais ou menos tempo chegarei em algum lugar; já a falta do marcador de temperatura é grave, pois assim como o motor pode fundir devido ao excesso de calor, sua falta na vida nos deixa sem saber se nossas relações estão próximas da ebulição ou em total e completo congelamento.
Todas estas conjecturas ajudam a despertar mais uma companheira de viagem que me acompanha desde muito. Minha velha e conhecida sinusite. A dor que se espalha pela cabeça se assemelha a milhares de pequenas e pontiagudas facas distribuídas pelo crânio, com uma raiz profunda que desce por detrás do olho direito e se esgueira pela orelha, chegando a sussurrar coisas obscenas em meu ouvido; não tomo analgésicos pois eles causam dependência e a pior coisa do mundo é estar dependente (de algo ou de alguém). Por esta razão me apeguei a esta dor como um náufrago a uma tábua.
Mas acho que me enganei. A pior coisa do mundo não é a dependência, mas sim viver frustrado. É pior que morrer duas vezes; uma porque se sabe que ainda vai morrer, outra, porque realmente todo o sentido da vida se esvai com aquela imagem de quem você deveria ter sido. Neste exato momento vejo um eu bem sucedido sentado no banco detrás, rindo amigavelmente para mim, tentando me passar alguma confiança. Foda-se.
Enquanto devoro quilômetros rodas abaixo, com o pensamento solto e livre, tentando decifrar o código secreto da vida, ao lado sempre aparece um ou outro apressadinho tentando apostar corrida comigo; ao adentrar um carro poderoso (ou se destacar de qualquer outra maneira) você sempre verá as pessoas (pelo menos as pessoas mais idiotas) te chamarem para um racha, uma aposta ou uma desafio qualquer. Ao não aceitar, estarão todos te avaliando por questões de valentia ou medo, mas ninguém (salvo raras exceções) perceberá que não procedeu daquela forma justamente para não fazer aquilo que as pessoas esperem que você faça.
Acredito que exatamente por isso que trouxe este maravilhoso Maverick V8, e não o tal Honda... Apesar de meu irmão quase ter enfartado, fico sempre tocado ao saber que minha mãe é, aos quase sessenta anos de idade, a feliz proprietária de um autêntico muscle car. E sinto-me como um garotinho, toda vez que Mamãe, dirigindo seu V-oitão pelas ruas, vai me buscar em mais um sarau de poesia, enquanto vou bebericando meu Jack Daniel´s madrugada afora... A lei seca pode ter me privado de um dos meus passatempos prediletos (direção ébria pós encontro literário), mas ao menos serviu para melhorar meu relacionamento familiar.