terça-feira, 29 de julho de 2008

A minha casa



Distante de você
Caminhei sozinha
Perdida sem seu amor

Mas, estou voltando para casa
Os seus olhos dizem
Estou no lugar certo
O seu coração me acolheu

Eu sinto que estou em minha casa
Nunca mais me perderei na vida
Desejando todo dia o calor do seu amor

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Livros pulsantes

Minhas idéias insones ainda te abortam da cama?
Pulsa a resposta
Mas insisto em suar frio
Quando um livro sádico me grita indiferenças

Para que escrevo se nada digo?
Se o suor mais gela e a língua trava?

Se a pele escapa
E os símbolos permanecem
Nas tuas mãos

Sair da cama não faz sentido
Ainda sonho e meus olhos cerram as cortinas
O real me persegue
E a noite nunca termina
O galo não canta para meu sol

Meus ideais ainda no teu paletó?
Livre-se de nós
Na passagem das náuseas
A coruja não se manifesta na minha paranóia
Nem os livros me fazem carinhos

sábado, 26 de julho de 2008

Profissional Liberal



O fiscal do trabalho sai da casa avermelhada e conclui: realmente não havia profissional mais liberal que a prostituta.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Quase













Quem ousa se aproximar
de uma Balzaquiana?
- Com prazer à flor da pele.
Existe alguma Puritana?

É quase um problema
Contrariar
É quase impossível
Dominar

Sem mutação
Tem o perfil da mais bela

Nem novinha
Nem velha

É quase um problema
Sobre esse assunto falar
É quase impossível
Ela não brigar


Lena Casas Novas

Publicado originalmente na comunidade Poesia Incessante

terça-feira, 22 de julho de 2008

segunda-feira, 21 de julho de 2008

sábado, 19 de julho de 2008

Caminho único.

Dobro aos seus encantos
meus joelhos
pensamentos úmidos e soltos.

Soletraria o sol - raios gemidos -
fosse possível
mesclá-lo meus prazeres.

O que ardo não sabem
os tolos (!?).
Abra-se ao meu segredo:

AMOR!

Eliane Alcântara.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

EXPIRAÇÃO

(Em parceria com o filósofo Marcus Renato)


Onde andará minha inspiração?
parece estar tão apagada
quanto esta caneta
que expõem meu penar

De tão vadia que é
deve estar
em um beco qualquer
(ela diria que está em um beco sem saída)

De tão livre que é
deve estar num vasto campo
coberto de flores
(para ela, um campo de concentração)

De tão louca que é
pensaria estar me inspirando
entretanto, ela não percebe
que sequer estou respirando
(ela pensa que estou dormindo)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Serrarias



Dia e noite, a serra se encontra lá, paralisada como a corcunda de um Quasímodo, gigante e adormecido, ou como um arranha-céu misto de verdes claros e escuros, construído através de milênios. Do outro lado, outra serra irmã gêmea, diferente apenas pelo nome ou pelas posições de algumas plantações e pedras. Entre as serras, com exceção de um tentáculo de pequenas casas subindo a serra com uma ladeira de paralelepípedos, a cidade deita em praças, árvores, igrejas, padarias e mercadinhos e outras casas.

Nela, durante o dia, pessoas acordam, beijam-se e dão o primeiro eu te amo do dia. Então saem de suas moradas pra comprar pão, alguma coisa que falta pro almoço, a sobremesa de um pote de chocolate e doce de leite, ou coisa do tipo. Depois, quem tiver de férias, dorme; quem tiver trabalho, trabalha. Então voltam pra casa, assistem televisão, comem, rezam, fodem e vão dormir.

Nela, ainda, os pardais também lutam pela sobrevivência e disputam o resto da espiga de milho abandonada na rua, bicando cada grão que já perde sua cor amarelada. Assim que saciados estiverem, ou assim que algum mototaxi os assustar, voarão de volta para alguma árvore, assistirão os movimentos da cidade, para, logo entediados, comerem, foderem e dormirem.

E as serras continuam lá paralisadas como corcundas gigantes de Quasímodo e seu irmão gêmeo de nome desconhecido ou como arranha-céus mistos de verdes claros e escuros construídos através de milênios.

Não bastasse a inércia da natureza, por vezes o inverno e o céu as adormecem ainda mais, soprando lentamente um lençol de neblina que vem por trás das serras e vai encobrindo-as aos poucos. Em alguns minutos, eucaliptos e palmeiras imperiais desaparecem num cinza friorento e úmido. Mais um suspiro do vento e a neblina continua a cair vagarosamente. Logo após, são as pedras milenares que tem seu cinza mesclado com o da neblina. .

Finalmente, quando o grande lençol encobre as serras e avança para a cidade, a chuva desaba e tudo fica submerso num mar cinzento flutuante. Da serra, as pedras não vêem nada; das árvores, os pardais ou seja lá quais forem os pássaros; da janela, nós mesmos não vemos nada. É como se desaparecessem de vez do mapa, da estrada que corta a Paraíba, do Brasil, do mundo e, até mesmo, pasmem, dos olhos satélicos do Google Earth.

Mas, ainda assim, tudo está lá, intacto e adormecido.

Inclusive nós.

André Espínola

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Até que a nova morte nos separe


Hoje,
um dia de chuva, um domingo
realizei o grande sonho feminino

E foi do jeito que sempre imaginei
sem padre, sem igreja, sem salão
sem véu, sem grinalda, sem anunciação

Eu, a paixão e ele.

E meu homem é encantador
vejo seu coração pulsar em palavras
nem precisa me dizer que é sedutor
não sou mulher que casa enganada

Não me importa ser só, desde agora
tampouco,inexistir tempo pra nós dois
quem sabe nem disso se precise
e se precisar, deixo isso pra depois

Hoje não penso nisso.

Eu, Barbara Leite
a décima esposa de Vinicius

terça-feira, 15 de julho de 2008

O ÚLTIMO ATO DE UM SACI.

O sacizinho estacou.

Muito sagaz, fitou com seus olhos de brasa o prego caído no relvado.

O moirão era testemunha da azáfama naqueles dias ventosos de fim de agosto. E o elemental então acocorou-se, apontando o prego para cima.

E saiu então, sorridente, entre seus redemoinhos e seus acutíssimos silvos, muito lépido pela travessura que acabava de praticar.

Os tempos inócuos dos dedais sumidos das fiandeiras loucas havia já passado. Nem mais também importava o estrume das reses no caldo em braseiros, as pipocas frustrando o espoucar no azeite, ou o fazer tramas justíssimas nas crinas dos cavalos.

Que tomassem esse mister os hematófagos, os fungos ou o azinhavre, ou a esclerose na intensa atividade nas dobadouras.

O duende entrara intrépido na freqüência nefasta dos mortais, com suas maquinações malignas, seu livre-arbítrio infeliz e nocivo.

E o prego não espetou o pé dos empinadores de papagaios de papel, mas de um garoto que, ao cair do crepúsculo, corria estouvadamente à captura de uma ave pernalta, bodoque em punho, bornal a tiracolo, pouco atento ao carreiro e aos seus perigos.

A ponta oxidada do metal trespassou-lhe a planta do pé. Ele berrou, transido de dor. Um fluxo rubro escorreu medonho pelos interstícios dos dedos, fazendo um rastro de sangue na disparada do menino até à choça paterna.

Não obstante o desvelo dos pais, os parcos recursos do sítio prenunciaram o pior: o menino expirou, no auge da convulsão tetânica.

E o sagaz perneta, filho legítimo dos miasmas mentais afro em solo americano, abandonara de vez os gomos dos espessos bambuzais. Livrava-se do ciclo medíocre de encarnações jungido às forças eólicas. Ganharia perna, ganharia mãos não mais perfuradas, abandonaria o pito e o barrete imundo.

O corpo astral traria agora o lastro das sandices humanas, na justa lei de causa e efeito, sob o império obscuro das primeiras incursões humanas no globo.

sábado, 12 de julho de 2008

Fragmentos VI a X

A Primeira Vez em Sampa
São Paulo tem mania de cativar forasteiros. a prata corrente parece tecer certa atração magnética nos olhos deles. nada comparado ao cheiro de bosta de vaca grudado na sola da bota. Maria tinha certeza de que os bichos eram escassos. no circo só haviam palhaços e rouxinóis. um espetáculo.

O Encontro com Velho Chico
velho Chico disse que raízes fortes crescem longe da terra em que é semeada. Maria profanou o dito por ter crescido numa só vila. tive certeza daquilo quando pousei no lugar de onde parti. dividido entre a serra e o mar, entre o sertão e a cidade, a voz soa contra a própria língua. fechei a porta do alpendre. era hora do adeus. outra vez.

Vandré
nem Chile, nem Uruguai, nem Europa. o único lugar que Vandré se exilou foi nas estrelas. nunca me senti tão só nessas andanças. parei de fumar e de perguntar. entrei numa cabine telefônica e liguei pra Maria. a velha viola desafinou. vai se difícil esquecer o gosto amargo do chimarrão falsificado. disse eu a ela. ela não respondeu. o patrulheiro estrangeiro me esperava lá fora.

Mulher de Bandido
a pior coisa do mundo é o abandono. feito crias de mulheres de bandidos abatidos, criam a própria lei. conversei rapidamente com Josué, um traficante de 14 anos. nunca mais veria aquela arara. depois vim saber, por um major do exército que uma taturana pesa mais que um jabuti. na hora não entendi. ele riu da rede que armava. o candeeiro apagou.

Na Selva
a selva é o último refúgio de um guerrilheiro. perseguido pela indústria parlamentar, o pequeno espécime sobrevivia às custas do próprio Estado. o atoleiro não segurava o jipe. tive surto de malária e febres regionais. achava que o Brasil seria um país melhor por me sacrificar. Maria ria das piadas que contava. mesmo que não entendesse. lembrei de Diana, uma cadela vira-latas, e dormi.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Kubrick, bosta e vomito

Estou com sono e estou amando. Vai um remedinho? Alice é o nome da cadela. Sobrenome Groves. Alice Groves. Parece nome de transformista bissexual de anúncio de jornal. Por isso é só Alice. Conheci-a numa festa de roqueiros, hippies pós-modernos e cangaceiros ultra-vanguardistas. Um destemperado acaso bem no meio da madrugada. Cicuta vai, cicuta vem, maconha cá, maconha lá, e o meu parceiro Dedinho Joplin me chama para um canto melecado de bosta e vomito e me apresenta Alice. Dois beijinhos, Oi, como vai, Vou bem, E você, Ótima, ahhh! Então ta tudo em cima, Ô se não!

Sentamos em um sofá de espuma também melecado de bosta e vomito, tudo naquela maldita festa parecia melecado de bosta e vomito. Por um momento tive a impressão que Alice também fedia à bosta e vomito. Não entranhei, a maioria das garotas que conheço também fedem a bosta e vomito.

Duas horas depois do segundo baseado, Alice põe suas mãos aveludadas sobre minhas pernas magras e diz, Olha, andré, isso tava escrito, Não, Alice, não tava, Tava, andrézinho, posso te chamar de andrézinho, É claro, todo mundo pergunta se pode me chamar de andrézinho, E você, deixa que te chamem assim, Nem sempre, uma vez um viado perguntou se podia me chamar de andrézinho... você sabe, né? viado é viado, tudo safado, Eu sei, andrézinho.

Alice é vidrada em tarô, carteado, reencarnação, pomba gira e batizado. Alice tem dezenas de sonhos. Sabe, andré, tenho dezenas de sonho, foi a terceira frase que Alice me disse. A primeira e a segunda eu não lembro. Nunca se leva uma mulher suficientemente a sério para considerar suas duas primeiras frases.

Alice não toma Álcool. É uma pena. Fuma maconha, já experimentou êxtase, mas, cachaça, nana-nina-não. Titio morreu de cirrose e eu procuro evitar, sabe como é, né, andrezinho, Meu avô morreu em um cabaré e nem por isso eu deixo de freqüentá-los, Você não entende, não tem coração, seu coração está nos bagos.

Alice não sabe nada sobre mim, nunca soube. Mas é bem possível que eu queira uma mulher assim, como Alice. Alice é meu tormento e meu principal tema. Noventa e nove % dessa bobalhada que escrevo têm origem em Alice e em seus olhos de ameixas murchas dentro de uma lata de conserva. Mesmo quando escrevo sobre Panquecas ou sobre Uísque dezoito anos, é em Alice que estou pensando. Tudo me remete a Alice. Qualquer gozo meu é dentro do buraco estreito de Alice, não importa qual buraco seja. Toda ofensa que disparo é contra Alice, não importa contra quem. Preciso urgentemente de Alice. Preciso surrá-la. Preciso mantê-la em cativeiro, pão, água, duas punhetas diárias e três beijos molhados, Antes, Durante e Depois do pôr-do-sol. O ápice do amor dá-se durante o espancamento. Nunca surrei Alice. Talvez seja isso o que falta em nossa santa-sagrada-ecumênica-afinidade entre dois putos apaixonados. Alice é o bueiro onde sempre sonhei malocar meu rato peludo e malcheiroso. Tragam-me Alice, viva ou morta, não interessa, tenho um freezer enorme nos fundos de casa. Alice é o tipo de mulher que empina mais o nariz do que a bunda, o tipo de puta que suporta mais que três semanas sem duas trepas distintas.

Certa vez ela me convidou para assistir laranja mecânica em sua casa. Papai e mamãe tinham ido fazer comprinhas e Alice tava afim de kubrick e uma bronha.

- esses caras dão pro gasto.
- é verdade, são uns putos de uns filhos da puta!
- não, não é. glauber rocha, gordard? tem coisa melhor.
- ah! larga de bancar o intelectual, andrezinho. glauber ou gordard seriam incapazes de produzir um tapão na cara... imagina essa zorra toda.
- deixa de titití, doidinha. antes antonio das mortes a esses retardados de uma ova.
- preciso de maconha em pílulas. meus pulmões estão cheios de catarro.
- quem mandou levar chuva às duas e meia da madruga?
- levei chuva porque você é um fudido e não têm carro.
- cala essa boca. se eu tivesse carro eu pegava coisa melhor que você.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Prelúdio de Uma Saudade

Foi no Beco das Garrafas que eu a conheci. O piano do Luis Carlos Vinhas comboiava a doce voz de Sylvia Telles quando, logo na entrada da Ma Griffe, uma garrafa vinda do alto de um edifício explodiu em minha cabeça. Os treze pontos na testa foram até abençoados pois, graças a eles e a curta paciência do pai de Eulália com a nova bossa musical que o beco irradiava, eu encontrei a mulher da minha vida.
É claro que retirei a queixa na polícia, fruto da garrafada certeira do meu futuro sogro, quando dei de cara com aquela formosura de pequena, redondos olhos negros, cabelos de mel e pele tostada pelo sol de Copacabana.
Meu sogro de princípio deu do contra: “Onde já se viu? Namorar um boêmio?”. Tranqüilizou-se um pouco quando descobriu meu status de colunista famoso da “Última Hora”. Mesmo tendo certa ojeriza pelos membros da imprensa, seu Peçanha viu que por Eulália eu havia posto de lado as noitadas e os excessos. Acabou por aceitar o nosso namoro.
Namoro de moça de família, de pegar na mão como maior ousadia. O pessoal do jornal até estranhou e os camaradas do Beco das Garrafas deram por minha falta mas, meu sentimento por Eulália era paixão, das boas.
Casamos na Igreja de Nossa Senhora de Copacabana. Ela de véu, grinalda e flor de laranjeira, como rezava a tradicional família carioca. Fomos morar nesse apartamento na rua Rainha Elizabeth, até hoje nosso lar, e onde no momento ouço o violão de João Gilberto sair do aparelho de Cd, invadindo os cômodos, dedilhando “Chega de Saudade”. Nosso casamento tinha tudo para ser tranqüilo mas a droga da boemia falou mais alto. Em pouco tempo lá estava eu de volta às noitadas, às boates, às mulheres soltas por esta Copacabana que eu tanto amo.
Eulália agüentou tudo espartanamente. Criou nossos filhos, suportou meus porres, a falta de dinheiro, os sumiços no carnaval. Mulher de verdade.Porém, tudo deve mesmo ter um limite pois Eulália estrilou em ódio quando descobriu o meu moleque, já com cinco anos, resultado do o meu rabicho com uma guria lá dos pampas, trinta anos mais jovem, largada em Copa e que fazia ponto num inferninho chinfrim na Avenida Princesa Isabel. Não agüentei a barra pesada da situação e meu coração apitou, avisando do infarto.Uns dias no CTI e agora me recupero aqui em casa. Minha esposa decretou como forma de punir-me pelas minhas travessuras de homem na terceira idade o ultimato mais dolorido que a dor dos enfartados. “Vou cuidar de você até o doutor lhe dar alta. Depois, o divórcio”, diz ela todo dia, mal despertamos. Assim, deitado nessa cama, vivo um dilema: permaneço doente ou morro de uma vez. Sem Eulália não posso viver. A cura significa o abandono. Mal penso no restabelecimento das minhas forças e já vem um prelúdio de saudade, um sofrimento de véspera. Lá na sala, João Gilberto castiga meus ouvidos com os versos: “Não quero mais esse negócio de você longe de mim”, acirrando a angústia. Não, Eulália! Não te quero longe de mim! A doença ou a morte!

domingo, 6 de julho de 2008

Penosa Paixão


Era uma vez Jorge Ferrão, um indivíduo da espécie dita humana, do tipo tremendamente malvisto por ser afeito àquilo que virou moda execrar à boca grande: macheza. Sim, um espécime macho da espécie que não mais admitia o uso público e notório de tal designativo, relegado às distantes e jecevaladanianas décadas de setenta e oitenta. O mundo, virado do avesso como estava, à vista de tão hedionda aberração, não tardou a virar-lhe a cara, as costas e, por vezes, a lançar torpedos escarratórios ao chão à sua passagem. Não que o mundo dotado fosse de cara, costas e sistema produtor de catarro, já que aqui me refiro a seus ilustres, preeminentes, ínclitos, conspícuos e - por que não dizer? - nobilíssimos habitantes, defensores ferrenhos dos valores basilares da moral, dos bons costumes e, em especial, do que se convencionou chamar de "o politicamente correto" ou "A Nova Ordem". O fato é que Jorge Ferrão, ou apenas Ferrão ou Ferrabrás, como era mais conhecido, era macho até a raiz dos cabelos, macho à moda antiga, como gostava de alardear quando degustava seus pés de galinha regados a cachaça no Bar do Tião, cabeça-de-bode cuja freguesia era composta basicamente pelos integrantes da classe "ralé", também denominados párias, indivíduos considerados "lixo irreciclável" pela classe dominante: a "magna" ou os neoaristocratas. Jorge não estava nem aí nem aqui nem acolá: coçava o saco, visivelmente e despudoradamente, a cada dois minutos. Via uma mulher atraente, mandava logo um "gostosa!". Brigava por qualquer motivo com qualquer um. Ria-se e pilheriava, troçando dos que repreendiam seu comportamento com palavras ou olhares reprovadores. Referia-se a eles como os "BBB" - bando de babacas boçais. Jorge "Ferrabrás" Ferrão era o último dos machões do século XXI.
Mas o que poucos sabiam é que Ferrão, lá no fundo, nos recônditos penumbrosos e secretíssimos de sua alma-espírito, escondia algo que poria todo seu auto-cultivado, auto-cultuado e auto-estimado prestígio a perder: apreciava Bossa Nova. É isso aí: Jorge, o Ferrabrás, era fã de Vinícius, Jobim, João Gilberto e Cia. Mandara forrar as paredes de seu quarto com uma grossa camada de cortiça para não correr o risco de ser flagrado por algum vizinho mexeriqueiro enquanto imerso estivesse em seu musical e muito particular êxtase. Jorge era um paradoxo ambulante. Jorge, indubitavelmente, e a despeito das opiniões contrárias, era humano, bastante humano.
Certo dia, Jorge caminhava a passos largos com destino ao retromalfalado botequim, quando deparou-se, numa curva da estrada, com aquela que seria a razão de sua perdição: a galinha. Sua visão turvou-se, sua face enrubesceu-se, seu corpo acalorou-se, seu coração palpitou-se: o que fora não mais era, era a mais nova vítima da frechada do Cupido. Lá estava ela, linda, deslumbrante, com seu ar altivo, sua crista carnuda encarnada, suas belas penas negras-brilhantes, seu pequeno bico amarelo. Jorge estava apaixonado. Apressuradamente, tratou de arrebatar e levar para sua casa a nova e penosa dona de seu coração. Deu-lhe o milho mais caro que achou no mercado, a melhor água mineral, trocou os travesseiros de penas por outros, sintéticos. Chamou-a Efigênia – gostava desse nome e, ao que parece, ela também gostou pois cacarejou e olhou para Jorge. Tratou-a como uma deusa, uma rainha, mas não fizeram sexo. Tinha receio de estuporá-la considerando as desiguais dimensões de seus órgãos genitais. Jorge, enfim, era um homem plenamente feliz, feliz e transformado: não mais coçava o saco, não mais cantava as mulheres na rua, não mais freqüentava o Bar do Tião. Vivia para Efigênia, para agradar Efigênia, para amar Efigênia.
Entretanto (sempre tem que ter um entretanto, contudo, mas, todavia ou porém), alheia a todos os mimos e agrados do (pensava ele) amado, certo dia anuvioso-chuviscoso, Efigênia bateu asas e voou não se sabe para onde nem por quê. Perplexo, Ferrão a procurou em todos os cômodos, em todos os cantos e recantos internos e externos da casa. Nada de Efigênia. Ela partira, fugira, escafedera-se. “Aquela ingrata. Depois de tudo que fiz por ela, depois de tudo que vivemos juntos...” Ferrabrás pensou em traição, seqüestro, estupro, assassinato, abdução, migração e, por fim, conformou-se com a hipótese do nada simples, nada puro e todo doloroso abandono. Já a refletir viagens de vira-e-revira-mundo e idéias suicidas, eis que ouve um ruflar de asas advindo da janela da sala. Volveu os olhos na direção do ruído e foi tomado novamente pelo êxtase, desta feita, mais intenso: lá estava sua amada, adorada e idolatrada Efigênia, em carne, ossos, bico e penas. Correu a abraça-la, quase esquecendo-se da fragilidade do corpo da galinácea. “Meu amor, você voltou! Onde você estava, por onde andou, digo, voou?” – dava beijos e mais beijos. A galinha retrucou com regulares e breves cacarejares. Jorge não pensou, agiu: trancou todas as janelas e portas, depositou suavemente Efigênia na cama, acendeu o fogão e colocou o caldeirão com água para ferver. Quando a água borbulhou e começou a evaporar, com lágrimas nos olhos, pegou delicadamente Efigênia, olhou fixamente para seus olhos ariscos e disse: “Não quero mais esse negócio de você longe de mim.” Afundou-a no caldeirão e tampou, segurando com toda a força, as lágrimas a gotejar e vaporizar tamborilando sobre a tampa. A agitação no interior da grande panela foi breve. Foi o melhor jantar da vida de Jorge Ferrão, jantar à luz de velas. Doravante, ele e sua amada Efigênia jamais se separariam novamente, estavam juntos, fundidos, seriam um só, eternamente.

Carlos Cruz - 23/05/2008

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Perpétuo Mobili

Na noite dos pedidos vazios
empenhamos sonhos
irrealizáveis,
doamos almas
que nem são nossas;
corpos que dispomos

Quem nós somos?

Seres formados de nada
que nunca compreendemos
mesmo insistindo
em tentar saber

De onde viemos?

Somos a eterna pergunta
a questão sem resposta
que move esse mundo
sem saber

Para onde vamos...

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Carta ao Dr. Antônio, Psiquiatra - Juliano Guerra

- Doutor, acabou a farra. Agora seremos só eu e o ornitorrinco, até o fim. Um dos dois vai acabar morto.

Meus amigos são santos espalhados pelo mundo. Temos São Denser de Pernambuco, padroeiro dos clubes de incesto e gordas que invadem pesadelos. São Rodegheiro Poeta, santo mais requisitado nas rodas de sexo sem proteção em Pelotas. Esses meus santos estão tomando muita porrada. “E na gente deu o hábito de caminhar pelas trevas”. O melodrama é embutido e ninguém cobra a mais pela entrada. Em São Paulo temos São
Anderson Henrique, protetor dos que tomam LSD com a mãe sentada na sala. Nós – aqui já me incluo entre eles, antes do que esperava – somos santos úteis. Quase tão bons quanto São Sebastião, que agora é santo gay.

Dostoiévski foi melhor do que Jesus Cristo. Em primeiro lugar porque não escolheu a saída mais fácil e foi se fuder na Sibéria ao invés de virar mártir. Depois porque escreveu seus próprios evangelhos, o que por si só demonstra alguma competência e boa fé. O problema – e onde ele me tange, principalmente – é que é muito mais fácil plagiar o Henry Miller. Insira aqui um solo de saxofone a sua escolha.

São Luiz Corinthiano de Natal: que tal ser multimídia? Adaptar-se aos novos tempos, malandragem. Que nada. O espelho veio de brick e já foi de Rimbaud. Põe-se meia dúzia de citações no lugar da alma e toca-se a diante. Até quando? São Zoppa das Gerais certamente que não vai me responder. São Denser pára de conceder milagres até que seja solucionado o problema da finitude. “Até quando?”, os santos resmungam.

Quando, depois do terrível acidente que nos concedeu a canonização, eu e São Anderson Henrique estivemos na tenda de Jimi Hendrix – o São Pedro dos que buscam santidade –, ele nos falou dessas mazelas. Estamos de alerta. “Há de ser pura com o riso mais profano”, eis aí a literatura como deveria ser. E a vida, subsequentemente. Posto que a vida deriva da literatura, estou convicto. Uma prosa cristalizada no “não”, a mais evidente negação do próprio ato de contar histórias. Ainda há histórias a serem contadas? Até quando? Por que e para quem?

Bobagem. Escritor não deve jamais fazer essas perguntas. Estou generalizando, claro, mas torcendo por sua simpatia. A santidade consiste... em quê? Creio que um bom jeito de descrever seria “se desnudar as navalhadas”. Céline fez isso e se fudeu. Miller dizia que era o homem mais feliz do mundo e não tinha sequer o que comer. Não há um destino comum, portanto. Essa porra tem plano de carreira? Plano de saúde? Então qual é a vantagem de entrar?

Medusa já é mitológica e portanto não pode ser santa. Mas dá na mesma. Ela é a gárgula de um cemitério e protetora dos que nunca uivaram pra lua cheia por achar que é cafonice. Eu creio que o ingresso foi pago de antemão. Daí que a gente diz algo feito “iluminação” ou “arrebentação putrefata” e faz o que pode. O trem descarrilou, mas a diversão está na iminência da colisão. Uma ontologia que morde o próprio rabo.

O que eu queria mesmo dizer é: o que nos canoniza é exatamente nossa pequenez. E, claro, uma aquiescência fora de lugar. Daqui pra lá, mais duas ou três multas. A gente cresce e pára de receber notas vermelhas no boletim. O boletim vira a vida? Pode ser... Andei levando notas vermelhas, nesse caso. O nome dessa coisa toda é “chororô”. Santa Flávia é madrinha dos decadentes e tomadores de vinho em copo de extrato de tomate. Disse que preenche “sem ocupação” nos formulários kardecistas de reencarnação, tudo em 24x com um livro do Chico Xavier de brinde. Kardec my ass.

Legal mesmo é sentir “repúdio”... chego a crer que é o único sentimento realmente honesto. O resto é balão de gás hélio levando padre pro inferno.

– O amor?
– Balão de gás hélio e lá vai o padre.

Mas o repúdio é confiável. Companheiro inseparável das filas de banco e camionetes 4x4. Minha última namorada se vestia de She-Ra, mas eu é que não ia me vestir de He-Man. Também não vou parar de comer carne, vão se fuder.E muito cuidado com São Perrone.

Enfim, qual é a vantagem de se ser um lugar-comum pouco comum? Não sei. Mas o Habibs disse que tá fazendo promoção pra aniversário, sua netinha não está fazendo anos mês que vem? Meu Amplictil está acabando. É cult ter que se drogar pra dormir.

Beijos,
Juliano Guerra

quarta-feira, 2 de julho de 2008

[SONETO AO MEMBRO MARAVILHOSO]

[SONETO AO MEMBRO MARAVILHOSO]

Esse enorme e rígido monumento
Faz-me nua e arfante em seu ardor
E maravilhada d'encanto, de fervor
Desejo-o em gozo e movimento.

O cavalgue do agressor erguido
Por dentro não parece assustador.
Altivo membro, digno de andor
Nas eras do ego, do sexo ungido.


Pela bestialidade viril de ereções
Trazendo a força e fúria de me ter
Em gulas e esganadas ejaculações.

Então erga-se e murche, com prazer,
Em louvor às idolatrias, taras e fixações,
É falo para orar, lamber, cuspir, foder.

terça-feira, 1 de julho de 2008

O conto do ‘quem sou eu”!

Outro dia estava subindo o elevador com a senhora do 305 - uma enxerida sem tamanho - fazendo o que sempre faço quando entro em elevadores: finjo que tô olhando o chão mas na verdade estou encarando as outras pessoas com meus óculos escuros. A tia me olhou, olhou de novo e perguntou em qual andar eu desceria.
- No 5o , ... senhora. – Quase chamei a tia de tia.
O elevador passou do 3o andar e ela não desceu. Continuou me olhando sem saber que eu a estava espionando. Pesquisou a memória e falou:
- Ah, mas você é o marido da Renata! – Exultante.
Pronto. Havia perdido de vez a identidade. Eu era o reles marido. Isso tinha começado no segundo grau, quando deixei de ser eu mesmo para ser o número 38. Putz, ao menos eu podia tirar onda dizendo que eu era o “três-oitão”. Depois virei o 92/554233, minha matrícula da Unb: - Seu número, cabeludo?
Lá na frente, depois de formado, eu era o professor de História.
- Qual meu nome?
- Ué? Seu nome? Ué? Seu nome? É... é... professor de História, ué!
Dai em diante virei um tanto de matrículas, códigos, números, até ramais já me tornei. - Aqui é o 102.
Entrando em casa pus-me a pensar, junto a cerveja antes do jantar: afinal, quem sou eu? Antes de me perguntar “o que faço aqui?” e “para onde vou”, tentei responder a primeira pergunta, que por si só já é difícil pacas. Quem sou eu? Sou quem eu penso que sou ou sou aquilo o que os outros me vêem? Ou, pior ainda, sou um misto daquilo que acho que sou e o que os outros acham que sou?
Pane cerebral! Conclui pela conciliação. Sou o misto do que acho que sou e o que os outros acham de mim. Enfim, ninguém me conhece ao todo. Nem mesmo eu, que sou quem passa mais tempo comigo.
Triste e desiludido por jamais poder estar plenamente comigo, pensei no que fazer para o jantar. Achei que uma salada com carne assada iria bem.
- Mas vai dar muito trabalho! Faça só sanduíche.
Quem falou isso? Olhei para os lados e não vi ninguém.
- E faça logo o sanduba porque eu tô com fome!
Assustado olhei para o lado novamente. De soslaio, notei que era minha boca que falava aquilo. Então... um outro eu estava se manifestando. Queria ter vida própria.
Bem, com outro eu posso lidar. Mas e se outros aparecerem?