domingo, 15 de junho de 2008

A ESTATUETA DE VÊNUS

Na vitrina, a estatueta de Vênus.

Logo a viu, ele desejou ardentemente possuí-la.

Era uma miniatura em resina, pouco mais de duas polegadas, em folha dourada e detalhes esmeradamente trabalhados.

Artesanato caro. Enamorou por algum tempo o produto. Seus olhos brilharam, cobiçosos. Analisou o impacto financeiro em seu orçamento. Não teve coragem de despender o dinheiro.

Naquela noite sonhou febrilmente com a estatueta. Acordou compungido, o Espírito carregado de angústia. Imaginou Vênus no toucador, na escrivaninha, ou num altar que construiria exclusivamente para ela, em qualquer nicho da casa.

Mais uma vez, no trajeto, parou diante da vitrina. Lá estava ela, formosa, dourada, um chamarisco à cobiça humana. Mas, custava muito... Excessivamente cara para uma peça de artesanato.

Durante quinze dias experimentou febrilmente os delírios do duelo íntimo, entre o desejo ardente de adquirir Vênus e o escrúpulo financeiro a mensurar o valor real da peça. E, nesse ínterim, sofreu, sonhou, chorou, mil vezes deliberou firmemente esquecê-la, e outras mil vezes esteve na iminência de correr à loja e comprá-la.

E concluiu, inequívoco, que só seria pleno, só teria paz em seu coração e seu Espírito, se a trouxesse decididamente para si.

Foi à loja. Ávido, impaciente, tal qual uma criança, e comprou a estatueta de Vênus. Pagou-a toda, cédula sobre cédula, eufórico, mal contendo em si o contentamento que transbordava em sua face.

Colocou-a entre os bibelôs, no toucador do aposento. E suspirou, profundamente saciado, fitando-a numa inaudita adoração.

Isso repetiu-se no segundo dia, no terceiro; ao quarto, o entusiasmo arrefeceu. E arrefeceu mais, paulatinamente, no quinto dia, no sexto...

Até que esqueceu-se completamente da estatueta de Vênus, agora recoberta de pó, caída entre as escovas, as vidrarias de colônia, os cosméticos da esposa, os apetrechos congestionados do toucador.

Um comentário:

Angela Gomes disse...

Como sempre, ótimo texto e reflexão. Mas, ainda assim continuamos a buscar o que está fora. Quem sabe, consigamos diminuir a intensidade.