quinta-feira, 17 de abril de 2008

tornei-me deus

dos deuses
eu queria ver
o sangue, o grito,
o choro

e, acima de tudo,
a raiva no peito
pelo desaforo
de sobreviver.

queria vê-los
num ônibus lotado,
entre suor, o tempo,
e a impaciência
do atraso.

dos deuses
eu queria ver
a bebedeira insaciada.

garrafas
secas na mesa,
o vinho vinhando
a madrugada,

pra quando amanhecer,
não ter dinheiro
para pagá-las.

queria vê-los
febriando dengo
ou na cama
se retorcendo
com cirrose hepática,

ou numa dor de cabeça
tomando um remédio
na espera de fazer efeito
ou
simplesmente
não aumentá-la.

queria vê-los
saudadiando a amada,
maldizendo
a distância,
comprando passagem
pra pegar a estrada.

dos deuses
eu queria ver
a idade avançada,
o andar fraco
e vacilante,
como suporte da bengala

e por fim a morte
essa deusa indeusejada.

e, como deus,
queria vê-los, somente,
sem fazer mais nada.

André Espínola

2 comentários:

Eduardo disse...

ESSA DOCE MISTURA, FAZ DO BAR DO ESCRITOR, UM DOCE AMBIENTE ONDE É POSSÍVEL DEGUSTAR TODA A SUAVIDADE DAS PALAVRAS MARCANTES...

EXCELENTE FASCÍNIO...

Eduardus Poeta
http://reticenciaspoeticas.blogspot.com

Anônimo disse...

Enfim,queres ver os homens.