quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Convidada Jessiely Soares




















Sobre as estrelas do meio-dia



Ele não disse muita coisa.
Moleque de fim de tarde, chegou calado, malandro. Deitou a cabeça em seu colo e adormeceu.
Não sem antes fazer um arco de anjos voláteis passearem pela neblina.

Era noite quando o sono retirou-se do aposento. Na varanda duas estrelas brincavam com as corujas.

Ela segurou suas mãos, sorriu os olhos de mar naqueles olhos de fruta-madura e penduraram um pano florido de chita na janela.
E foi tanto mistério de chuva fina que a primavera nasceu veloz.

De cílios e sorrisos, varal de noites calmas, nunca mais aquele peito hibernou.


(Jessiely Soares)
(Foto de: »»SCALABITANO«« )


Jessiely Soares
Paraibana que sou, nasci com sangue forte, mas sofrido. Carrego fardo de ser de Sol, abençoada em lua cheia. E quando o Sertão anoitece, vai-se o medo e ficam os vagalumes. Sendo assim escrevo, carregando o verde do umbuzeiro na cor dos olhos.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Convidado Flávio Mello









“AMAR SÓ SE FOR ARMADO”
LANÇAMENTO
Flávio Mello

SINOPSE



“Amar só se for armado” é o segundo livro de Flávio Mello, um dos destaques da nova safra de escritores contemporâneos.
O livro é uma reunião de dezessete contos/crônicas: crontos, que falam do amor em suas diversas manifestações. Com uma linguagem simples, o autor revela o fantástico, os mistérios, as dúvidas e os traumas das relações amorosas cotidianas, em situações que mostram a beleza e os conflitos ao nos relacionarmos com o outro.
Crontos carregados de sentimentos e interrogações, que convidam o leitor a refletir sobre o amor que sente por alguém, pela vida e por si próprio.
Espaço Idea

FLÁVIO MELLO - ESCRITOR E PROFESSOR

Há duas jóias nesse livro: a nota do editor, mais irmão que amigo do que editor, que sintetiza minha obra em uma única estrofe metafísica:

“Então, leitor, se também te enganas ou se enganas..., o amor deste livro é uma sombra. Mas se te declaras, o amor deste livro é uma arma. Se te privas, o amor deste livro é uma pista e se pensa que amas, o amor deste livro é um drama.”
E meu mais novo amigo de pena, pena sem tinta, mas cor, que escreve com o peso da experiência e com a paixão de um verdadeiro gentleman, Hildebrando Pafundi em seu prefácio que nos diz:

“Posso assegurar que o contista Flávio Mello reúne neste livro, Amar só se for armado, excelentes histórias produzidas numa prosa, que possui a beleza da melhor poesia já escrita em prosa. Embora todas as histórias deste volume sejam excelentes, eu destacaria outras três, mais por uma questão de preferência pessoal, além de O Pilão, citado no inicio deste prefácio: O telefonema, O cheiro de frutas de dona Clô e Amor à francesa. Finalizo desejando ao leitor, uma boa viagem nesta prazerosa leitura de contos cheios de sensualidade e sutil ironia.”

fale com o autor:

prof_flaviomello@hotmail.com
escritorflavio_mello@terra.com.br

Sobre o livro Seleção Natural:

“Acabo de ler um ótimo livro de contos, Seleção Natural, de Flávio Mello, Editora Espaço Idea – 2006, 105 páginas, com prefácio de Mauricio Miranda. Trata-se de um escritor estreante em narrativas curtas, contos e crônicas, mas que possui grande potencial para novas obras dos dois gêneros. Eu encontrei no livro, Seleção Natural, a vocação natural do escritor Flávio Mello para o conto e também para a crônica, em especial a narrativa poética.”


(trecho)

Hildebrando Pafundi (www.cliqueabc.com.br)

SITEs:

http://flavio-mello.blogspot.com/

(com maiores informações)

http://vervetente.blogspot.com/

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Meu caozinho


Algo faltava na casa
Foi amor a primeira vista
Chegou tão medroso
Para preencher nossa vida

Todo dia lá vem meu caozinho
E o meu dia já começa bem
Vou te abraçar
Vou te beijar

Vamos brincar
numa incansável diversão
e no seu jeito desajeitado
não me deixa fazer nada

Olha que caozinho mais lindo
lá vem ele tomar um banho de sol
com o olhinho observando o movimento
lá vem ele brincar

Quando fica triste
No seu passinho lento
Fica perto de mim
Que darei o meu carinho

Mas, nada abate esse grande coração
Que só traz felicidade
Lá vem ele todo desajeitado
E o meu dia termina bem

domingo, 28 de dezembro de 2008

Máscara


Era aquela que conhecia o terreno particular das texturas
A que adormecia ofendida
Nas areias dos poços sem fôlego
Existir era um ponto de mácula importado
Nas paredes demolidas de um sonho em preto e branco

Não há perplexidades o suficiente?
Diálogos retos em aerosol?

Fui negação por quase todo o intervalo
Entre a punhalada e a carícia
Para me render em drops falidos
Inalações disfarçando laços de fogo
Golpe único
Golpe solitário
Jugulares enterradas na palma da mão
Não querem ser salvas

Era aquela desfigurada
Para roubar versos de lábios roxos
Empacotadas agressividades
Delicados rumores suspendendo corpos ausentes

Era o jardim em que me deitava
Para não saber das urgências
Fluía carne e pó
Uma única delícia
Na santificada tormenta

Deus só de ausências
Meia três oitavos
Um quarto de demência
Tua danação
Reuno-me
Parto

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008


Um natal diferente


Pela primeira vez em toda sua existência, os festejos natalinos a incomodavam; não sentia mais a alegria da escolha dos presentes, a satisfação da gula natalina e, nem tão pouco, o prazer com o último consumismo desvairado do ano, que tomava a todos de assalto.

Naquele ano, aos trinta e cinco anos de idade, solitária e esquecida em um canto qualquer, descobrira, quase sem querer, que papai noel não existia e que todo aquele gasto infundado saía de seu parco bolso, às custas de muito trabalho durante o ano.

Tivera a revelação tardia de que o décimo terceiro salário só servia para fomentar a economia mundial, fortemente auxiliada pelas propagandas enganosas e estratégias de marketing, descobrira ainda que toda família era um núcleo doente por natureza e a sua não ficava para trás- os minutos de festejo não apagariam os problemas que cruzavam seu caminho há vários natais.

Dessa vez não haveria pisca-pisca, tender, chester, árvore de natal, bolas vermelhas, chegada de papai noel, presentes inúteis, família distante reunida e um porre para comemorar a merda de ano que ficava para trás, pois, como de costume, merda maior estaria por vir.

Assim, cambaleante e decepcionada, saíra a esmo pelo pátio, sem procurar, nem esperar nada, quando deparou-se com um papai noel forte, jovial e alegre brincando com os demais convivas.

Lembrou-se dos quinze anos de casamento, dos filhos adolescentes e problemáticos, do sufoco para adquirir a cobertura em que morara, da dureza dos primeiros anos, da falta de amor, da falta de companheirismo, da falta de sexo e da doença que assolava seu corpo.

Olhou firme naqueles olhos, que de velhos não tinham nada e percebeu que sua carência era insaciável; os muitos anos de deserto sentimental a deixara assim- um poço fundo e vazio.

Desejou desesperadamente aquele homem que só deixava de fora os olhos. Apenas os olhos, somente as janelas da alma, bastariam para satisfazê-la naquela noite.

Quando a encenação acabou, aproximou-se daquele homem como uma pedinte faminta a implorar por um pedaço de pão, abaixou-lhe as calças e fez amor com seu membro voraz e seus olhos acolhedores.

Depois, ainda sem pronunciar uma só palavra, foi embora e guardou em sua mente a lembrança dos olhos mais ternos que já vira sobre a face da terra. E o que mais poderia desejar além de um olhar companheiro, já que as tantas palavras, que ouvira durante sua existência, o vento levava para onde bem entendia?

Guardou na memória a lembrança daquele momento até o ultimo dia de sua vida, que se dera antes mesmo do próximo natal; ali, em um hospital deserto e solitário, fechou os olhos para sempre e levou o olhar que nunca esquecera.

Aquele fora o único ano em toda sua existência que um papai noel lhe dera alguma coisa, sem que ela tivesse pago antes por isso!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

domingo, 21 de dezembro de 2008

Domingo de luas



Domingo de luas.
Teu olhar nas nuvens
Decifrando fórmulas
Impossíveis de improváveis mundos,
Desprende-se do meu
Corpo caótico, denso e
Imponderável.
Que tropeça nos próprios passos,
Acorrentado à constantes espasmos
De um passado apagado
Das asas dos pássaros,
Das expectativas dos astros
Ascendentes do destino.
Sobrevivente de um
Quebrado coração amargo,
Qual ramo seco sem seiva,
Sem rio, mar, saliva.
À deriva, tragado pelas rochas.
Sucumbe à doces lembranças ácidas,
Que corroem do ôco das córneas
Às desesperanças.
Que alimentam a angústia
Que se alimenta das vísceras.

Imutáveis transitórios
Jamais recuperarão o que une
O fascínio dos sonhos
Aos delírios impunes.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Trágico (ou cômico?).

Minuciosamente ave
sondo a que persegue
meus olhos no outro.
E por mais simples a noite
continuo vendo dois
no terreno espaço de um.
Isso deve ser amor,
embora eu saiba
da minha obsessão
de amar o desperdício.

Eliane Alcântara.







Minha última postagem do ano : (
O que tenho para dizer?
Obrigada ao dono do Bar, aos Poetas amigos de mesa
e aos amigos de outros lados e visitantes.
Que as Festas do final de 2008 sejam excelentes para todos
e que 2009 nos receba em um abraço.
Espero estar presente aqui novamente e com a agradável
companhia de todos. Valeu!
Beijos!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Ninhos Motorizados

Na visão
Dos pássaros

Carros
São
Pássaros

Voando
Num céu de concreto

Não sabem eles
Que são mais
Como ninhos
Motorizados.

Cada um
Carrega passarinhos
Descansando asas.

Estás num daqueles
Que te leva para casa.

André Espínola

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Só isso


Sozinha
Repleta de poeira,

Senhora
Sem eira sequer beira,

Caminha
Descendo ribanceira,

E chora
Sua vida corriqueira...

Apenas dorme para acordar
Acorda somente pra se deitar
Mas antes do sono sempre precede
Um gemido, uma espécie de prece

“Deus, eis que estou cheia de pó.

Suplico:
-Me leve
Ou traga um aspirador de só”


Barbara Leite

sábado, 13 de dezembro de 2008

A Questão Limoeiro

Tenho-me por sociopata assumido. Ainda melhor, convicto. Árvores, não alcançaria jamais o clímax daquele roqueiro pederasta trepando com elas. Mas decerto que as prefiro. Desisto de corroborar com vivências psicanalíticas. Guardo tal peculiaridade com deferente egoísmo. Em tons do mais indissimulável sarcasmo.

Recém espaçado em nova choupana, me deparei com precariedades. Uma delas, absurda. Inexistiria área de serviço. Tomadas de decisões incumbem reflexão e havia um limoeiro implorando à porta. Esquelético, escroto, instando a estéril. O charlatanismo arquitetônico esboçado vazou-se para o real. Para a tangível dimensão. Direitos à suplicante, enfim, lhes resguardaria complacente telheiro.

Nada ou pouco conheço da arte agrícola, mas ouvira dizer sobre meses que não juntem a letra erre aos nomes. Quase no último, instrumentado com serrote, procedi às amputações. Posso resumir, imodesto, que plástica resultada confundiria especialistas.

Numa dessas madrugadas mal dormidas, que jogam o sujeito para fora da cama sem direito a sursis, me vi perambulando pelo pátio. Já não ardessem os olhos, ainda os incumbi de vistoria: se for pra foder com o dia, faça-se barba, cabelo et cetera. Juntar gravetinho, pedrinha, desenroscar folha morta encravada em galho, essas coisinhas que remetem a putarias da velhice. Porra, ainda estou esticando a segunda e a falta do maldito ronco já me pedindo terceira!

Fora desembaraçando uma dessas tais folhas, que engoliria a vulgaridade do verbo. O raquítico assomara corpo e, copado, resolveu travestir-se. Encheu-se de alegoria. Ofereceu-se, homocrômico. De espinheiro à árvore natalina.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Fragmentos.

A Marcha

os pelotões da brigada militar eram a sensação do dia. muito antes de sua formação Lucas disputava, empolgado, torneios de xadrez num colégio de padres. Figueiredo entrou no jogo e pôs o menino pra marchar. o pequeno estrategista aderiu ao golpe. o cavalo, mesmo dado, não convinha olhar os dentes.


A Ópera dos Garis

a cantoria solitária da avenida só era audível aos varredores de rua. cada esquina, uma nota. a cidade regia sua orquestra sinfônica em aparente desordem. Vivaldi não faria melhor. enquanto suas luzes eram apagadas pelo dia, o espetáculo ganhava força. as vassouras e pás como os violinos e violoncelos faziam-se fundamentos. fim de expediente. o artista maltrapilho dorme ao som da ópera das ratoeiras...

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A Ferro e Fogo

Waldemar era Flamengo até morrer. Flamenguista daqueles emotivos, de não faltar a um clássico no Maracanã, de atormentar a vizinhança ouvindo o jogo pelo radinho em volumes cavalares, de assistir compenetrado as mesas redondas nos finais de domingos televisivos ou ainda discutir com argumentos passionais cada lance das partidas no boteco da esquina. Tudo em honra ao querido mengão. Waldemar era fanático até as pontas das unhas.
Apenas um sentimento era capaz de igualar-se em calibre com o seu amor a equipe rubro-negra: o imenso ódio que Waldemar nutria pelo Vasco da Gama. Era algo irracional, um tanto infantil, fugindo a salutar rivalidade futebolística onde um sujeito gozava o amigo no trabalho ou no bar após uma goleada aplicada por seu time no maior adversário. As máximas que Waldemar cunhava a respeito do clube odiado assustavam seus interlocutores. “O caráter de um homem se mede pelo time que ele torce. Ser vascaíno é uma deficiência de caráter”, costumava dizer, solene, durante a roda de chope. Ao redor da mesa não se ouvia uma voz clamar em protesto contra tamanha afronta, talvez por que Waldemar fizesse questão de não cultivar amizades que porventura torcessem pelo Vasco.
Solange, a esposa, muito fazia para diminuir tanto a ira vascaína quanto a idolatria flamenguista que o marido semeava. Lembrava a Waldemar os episódios em que conhecidos haviam se afastado do casal, sobretudo os que torciam pelo clube de São Januário e, sem esconder sua irritação, alertava não estar em condições de disputar o amor do esposo com um time de futebol.
— Você liga mais para este Flamengo do que para mim.
— Será que eu não posso ter uma diversão? Trabalho feito um mouro durante a semana. Não posso nem curtir o meu mengão aos domingos? – contra atacava o esposo.
Ela tolerou seu fanatismo durante anos, mas quando Waldemar a presenteou com uma camisa do Flamengo em seu aniversário, Solange decidiu procurar um homem que lhe desse mais carinho e atenção.
Há algum tempo ela andava de olho em Claudinei, um desocupado do bairro, portador de um sorriso sedutor, bom de conversa fiada, que vivia zanzando pelos bilhares e pontos de jogo do bicho das redondezas e, segundo ouvira falar, vascaíno. O sujeito sempre a olhava com intenções devoradoras, cara de “tô querendo” e, na primeira oportunidade, surgida quando os dois se esbarraram dentro de um ônibus em direção ao Centro da Cidade, Solange se deixou fisgar pelo malandro.
Marcaram encontro para o dia seguinte em um motel vagabundo na Praça da Bandeira. Mal chegaram ao quarto, Solange foi logo perguntando:
— É verdade que o gato é vascaíno?
Em resposta, Claudinei, armado do seu mais caricato olhar sem-vergonha, livrou-se da camisa e exibiu o torneado braço esquerdo onde reluzia um imenso escudo tatuado do Vasco da Gama. Encantada, Solange languidamente lambeu aquela tatuagem para deleite de Claudinei que a tomou nos braços e a possuiu com voracidade. O malandro nascera para o ato sexual e fez coisas inimagináveis com Solange que, extasiada, cantarolou durante o gozo alguns versos do hino vascaíno que ensaiara de véspera para a ocasião. “Vamos todos cantar de coração, a Cruz de Malta é o meu pendão, Tu tens o nome de um heróico português, Vasco da Gama, a tua fama assim se fez”.
E os encontros dos amantes tornaram-se diários, sob o próprio teto do Waldemar. Bastava ele sair para o trabalho e Claudinei embiocava-se sem cerimônias casa adentro.
O flamenguista se descobriu traído no dia em que uma indisposição gástrica o fez voltar mais cedo do trabalho. Da sala Waldemar escutou grunhidos amorosos vindos do seu quarto e não precisou usar de todos os seus miolos para entender o que se passava por de trás da porta. Invadiu o quarto aos berros e a única cena testemunhada foi a da esposa tentando vestir-se atabalhoada e um vulto, só de calças, disparando quintal afora para em seguida pular o muro divisor do terreno vizinho. Do tal homem, Waldemar guardou em sua retina tão somente a imagem do distintivo vascaíno tatuado no braço.
Não conseguiu distinguir que dor o lancinava mais: a traição escancarada ou o fato do amante de Solange torcer pelo Vasco. Diante de uma esposa semivestida, descabelada pelos carinhos do desconhecido, paralisada pela vergonha e pelo medo de sua reação, um atônito Waldemar sentou-se mecanicamente em sua cama de lençóis em desarranjo e cheiro de sexo recente, contemplou o quadrado da janela que testemunhara a fuga do sujeito que dormira com sua mulher e, munido de uma inacreditável fleuma, talvez por conta do choque, disse com a emoção de um zumbi dopado.
— Mulher... Me arranja um remédio pra dor de barriga. Hoje eu estou que não me agüento. Não sei o que comi!
Por semanas Waldemar catou em todo o bairro aquele que possuía impresso no braço a marca cruzmaltina de sua humilhação. Vasculhou nos pés-sujos, sinucas, mesas de carteado, campinhos de pelada, puteiros e nada. Claudinei, prudente e desconhecedor de que não fora identificado, pôs asas nos calcanhares e buscou exílio em outras bandas.
Os dias seguintes ao incidente transcorreram com Solange dominada por um estado de perplexidade aliviada, pois Waldemar continuou tratando-a como se o flagrante nunca houvesse se consumado. Não fosse a tristeza construída em seu olhar e o abandono da obsessão pelo Flamengo, a esposa juraria que ele era o mesmo de sempre, inclusive nas noites de sexo burocrático debaixo dos lençóis e tendo como única testemunha o brilho da lua invadindo o escuro do quarto. Nestes momentos de amor mecanizado, Solange quase chegou a admirar Waldemar, que escolhera por manter seu casamento ao invés do escândalo do adultério. Entrementes, debaixo de seu marido, ouvindo seus arfares, consumia-se em saudades de Claudinei. “Por onde andaria o safado?”
A pergunta que Solange se fazia, Reginaldo Meia-Bunda tinha a resposta. Seu apelido politicamente incorreto resultara de uma poliomielite contraída na infância que atrofiara toda a musculatura da perna esquerda, deixando-o manco. Desprezado pelas mulheres e objeto de chacotas dos homens do bairro, Reginaldo Meia-Bunda pouco tinha de distração além do exercício da maledicência e o prazer pela intriga. Ouvidos apurados, captou notícias aqui e acolá a respeito de uma possível traição da mulher de Waldemar e, como percebera o sumiço do vascaíno Claudinei por aquelas bandas, juntou as peças do quebra-cabeça e, deleitoso por um escarcéu, decidiu encontrar o fugitivo. De fuxico em fuxico Meia-Bunda logo chegou ao paradeiro de Claudinei, morando em uma cabeça de porco nas franjas do bairro de Santa Cruz.
E numa mesa de boteco, tendo por testemunhas parcas rodelas de salame como tira-gosto e duas tulipas de chope, Reginaldo Meia-Bunda revelou ao flamenguista o nome e endereço do amante de sua esposa. Waldemar, se perturbado pela notícia não demonstrou, pesquisou em sua mente alguma referência ao tal de Claudinei e encontrou uma vaga lembrança, meio desbotada, de uma inflamada discussão travada tempos atrás com um fulano sobre quem fora o melhor: Zico ou Roberto Dinamite? Não tinha certeza de tratar-se do mesmo personagem, mas isto não vinha ao caso agora. Perguntou a Meia-Bunda o porquê da delação.
— Por quê? – Reginaldo cutucou um pré-molar com a unha para livrar-se de um fiapo de salame preso entre os dentes antes de responder. — Por inveja! Pela mais pura e avassalarora inveja do sucesso de Claudinei com as mulheres. Algo que um manco de perna seca como eu nunca há de conseguir.
Uma torrente de desprezo invadiu Waldemar. Aquele dedo-duro, sentado a sua frente, a revelar choramingando agir movido apenas pelo sentimento de inveja, provocou-lhe náuseas. Reginaldo Meia-Bunda era pior do que sua mulher e o amante. Sujeito vil, X-9 de merda, que nada ganharia com a sua delação. Um cara mau, covarde e mau. Waldemar teve ímpetos de esbofeteá-lo ali mesmo, mas sabedor que necessitaria do manco para a realização do plano maquinado em velocidade recorde enquanto ouvia a sua nojenta cagüetagem, conteve-se. Apertou o braço esquerdo de Meia-Bunda e, portando cínica ternura no olhar, pediu:
— Reginaldo, meu querido, nem tenho como agradecer sua preocupação. Você demonstrou ser meu amigo. Quando eu morrer, vou arrastar para dentro do meu túmulo a consideração que você teve comigo. Nunca esquecerei seu gesto e, em nome da nossa amizade, peço um último favor.
— Claro, claro, como negar?
— Preciso que você escreva uma carta para minha mulher, de preferência datilografada ou escrita num computador, se você tiver um, como se fosse o Claudinei marcando um encontro com ela, prá daqui uns quinze dias, lá na casa dele...
Reginaldo assustou-se diante da possibilidade de ser o responsável por um crime passional. Não imaginara que sua intriga pudesse ir tão longe.
— Tú vai matar o cara Waldemar? – perguntou em murmúrio aterrorizado.
O marido traído, sem largar o braço do manco, falou tranqüilamente.
— Dou minha palavra de honra. Por São Judas Tadeu de quem sou devoto e pelo Flamengo, juro que não.
— Jura que nem vai capar?
— Juro...
Um par de dias após sua conversa com Reginaldo, Waldemar testemunhou uma certa alegria incorporada ao semblante da esposa e, concluiu, satisfeito, que o Meia-Bunda cumprira o combinado. Ao anoitecer, enquanto Solange tomava banho, remexeu os pertences da mulher descobrindo a carta. Ao correr os olhos pelas linhas datilografadas, o marido traído percebeu em Reginaldo dotes românticos e literários, tanto que chegou a enciumar-se do estilo do manco, cheio de mesuras e algumas pitadas de erotismo nas metáforas dirigidas a sua mulher. Mais uma vez controlou-se, anotou data e hora do encontro, devolveu a carta ao lugar onde a encontrara, tomou um comprimido inteiro do seu calmante predileto e deitou-se para dormir o sono dos justos. Ao sair do banho, Solange encontrou Waldemar a roncar, portando um estranho sorriso em sua face adormecida.
Na manhã seguinte Waldemar saiu bem cedinho de casa e, ao invés de ir ao trabalho, zarpou para uma serralharia lá pro lados da Piedade. Encontrou a loja fechada em virtude da hora e gastou alguns minutos do outro lado da calçada, esperando a abertura do comércio. Mal o estabelecimento ergueu suas pesadas portas de ferro, lá estava Waldemar falando com um sujeito gordo e suarento, aparentando ser o gerente.
— O que o senhor quer vai custar caro. É quase um trabalho artístico.
— Sem problemas. Eu pago.
— Não é comum uma encomenda dessas.
— Dá ou não dá pra fazer?
— Sim, é claro. É que eu fiquei intrigado. Nunca me pediram uma coisa assim.
— Sempre há uma primeira vez. Quando fica pronto?
Reginaldo Meia-Bunda andava tenso por aqueles dias. Desde a sua deduragem no boteco e o envio da carta a Solange, Waldemar não mais se manifestara. Meia-Bunda aguardou, preocupado, pela passagem dos quinze dias combinados para o encontro, fiando-se na promessa do flamenguista que não iria matar ou ainda castrar o rival. “E se ele fizesse algum mal a esposa?” perguntou-se agoniado, afinal, Waldemar não jurara pela integridade da mulher. Concluiu que não poderia confiar plenamente em juras ou promessas. “Quem mantinha sua palavra nos dias de hoje?” lamentou.
Dormiu um sono picotado na véspera do dia marcado. Acordou em sobressalto e mal raiou o dia, armou tocaia na porta da casa de Waldemar. Escondido, Reginaldo, presenciou o flamenguista sair para o trabalho e, quando duas horas depois uma perfumada e rebolativa Solange botou o pé na rua, certamente em direção a Santa Cruz, o manco pensou em aborda-la, fazer uma confissão, revelar-se um crápula, evitar que ela rumasse para uma suposta morte, mas ao imaginar a tríplice ira do marido, esposa e amante se abatendo sobre ele, na sua visão um pobre aleijado, preferiu calar-se e, resignado, acompanhou com as vistas uma Solange metida em um sensual vestido colante irradiando alegria pelos poros dirigir-se para o ponto do ônibus.
As horas custaram a passar e Reginaldo viveu aquele dia atormentado pela culpa do assassinato anunciado. Trancado em sua casa, de súbito, foi tomado pelo pavor de ter que se explicar à polícia caso Waldemar relatasse como descobrira a traição. Em sua mente pairou mil enredos acerca da morte de Claudinei. Waldemar usaria uma faca? Revólver lhe pareceu clichê. Infidelidade se resolvia na ponta de uma faca, cara a cara com o traidor, imaginou. No cair da noite, tentou espantar os pensamentos sanguinolentos de sua cabeça ligando o radinho de pilha mas, obra do destino, a estação sintonizada transmitia um popularesco programa policial.
“aonde vamos parar minha gente! É o império do crime, da maldade, do sadismo! Honra antigamente se lavava com sangue, agora honra é marcada a ferro e fogo, literalmente queridos ouvintes. Caso você duvide, preste atenção no drama acontecido hoje, no bairro de Santa Cruz. Waldemar Cristiano de Souza, 35 anos, vendedor, descobriu que sua companheira, Solange Maria Pinto de Souza, 30 anos, dona-de-casa, estava tendo um romance com Claudinei Adalberto Ribeiro da Silveira, 27 anos, sem profissão definida. Enfurecido, Waldemar invadiu a casa do Claudinei em Santa Cruz e flagrou o casal de pombinhos, digamos, namorando. Portando um revólver, ele amarrou e amordaçou os adúlteros e, com um ferrete de marcar gado, queimou todo o corpo do pobre Claudinei. Vingança planejada friamente ouvintes! Waldemar mandou fabricar o tal instrumento em uma serralharia da Piedade, como já confirmou em depoimento Antonio Sacramento, dono do estabelecimento. O mais inusitado ouvintes, foi o tipo de marca que Waldemar encomendou. Torcedor do Flamengo, o marido traído marcou em ferro incandescente o escudo do seu time de coração por todo o corpo do amante de sua mulher. E por qual time Claudinei torce? Pelo Vasco!!! O maior adversário do Rubro-negro! Claudinei está internado na unidade de queimados do Hospital do Andaraí e, segundo os médicos que o atenderam, irá sobreviver mas terá que conviver para sempre com o escudo do Flamengo cicatrizado por quase todo o seu corpo. Solange, ainda chocada com os acontecimentos, relatou aos policiais que Waldemar foi particularmente cruel com a tatuagem do emblema do Vasco que Claudinei trazia em seu ombro esquerdo, ferindo-o diversas vezes. O monstruoso Waldemar encontra-se foragido...”
Pálido, Meia-Bunda desligou o rádio. O único pensamento alojado em sua mente foi que Waldemar cumprira a palavra. Não matara, nem castrara...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

25 de dezembro


Morreu em São Paulo, no dia de Natal.
Não precisava ter ido pela Marginal,
mas era a última entrega do dia
e ele queria
estar em casa a tempo para o almoço.
Era tão moço!
Dezenove anos recém-feitos
e o coração daquele jeito,
dos muitos jovens, com muitos planos.

Em casa, a mãe e a namorada
preparavam rabanadas na cozinha,
entre segredos e risadas.

E ele que não vinha?

Na sala o pai lia o jornal,
sob o pinheiro iluminado em pleno dia:
“Esse menino! Eu bem dizia
que ele ia se atrasar... E hoje é dia
de trabalhar?”

Pernambucano esperto,
viera pra São Paulo no momento certo,
década de 70,
quando a cidade explodia em construções.
Ele, pedreiro caprichoso e atento,
toruxe consigo
garra e talento,
cresceu junto com as obras.
Hoje o dinheiro sobra
para fazer a festa dos amigos.

Soa a campainha:
é a vizinha
que vem trazendo a farofa do pernil.
“Que coisa, seu Libório. Onde já se viu?
Ninguém trabalha no dia 25!”
E chacoalhava indignada os brincos.

Aos poucos chegam todos.
Junto da árvore, um grupo canta um hino:
Toca o sino
pequenino...


– Onde estará, meu Deus, esse menino?

O menino dormia docemente
sobre o asfalto quente,
rosto coberto por uma camiseta
que um cara de lambreta
tirou do corpo, fazendo o sinal da cruz antes de ir.

Na camiseta estava escrito
(achei tão bonito):
“Natal! Paz na cidade
aos motoqueiros de boa vontade”.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Eterno Retorno

Ano 2536. Episcípedes, na segurança de sua casa-redoma feita de vidro
ultra-resistente, observa a chuva ácida. A paisagem lá fora é
desoladora: só negrume, só fumaça,só morte. Só. Episcípedes
sentia-se aflitivamente só. Tomou outra dose de alcahol, outra
cápsula de ilusionithium. Drogas permitidas pelo Estado. Controladas
pelo Estado. Estado que controlava os cidadãos. Cidadãos que
consumiam as drogas controladas pelo Estado para que não perdessem o
controle de si. Episcípedes sentiu o formigamento nas mãos, o suave
torpor, a leveza do corpo. As substâncias faziam efeito, cumpriam seu
papel no organograma estatal. A paisagem lá fora transmutou-se. O
árido tornou-se fértil. O negro tornou-se verde. O morto reviveu.
Episcípedes viajou. Para dentro, para longe, para trás.

Ano 1210. Episcípedes era homem. Tinha a cabeça raspada em forma de
halo, trajava uma túnica grossa de lã, amarrada por uma corda na
cintura, e sandálias. A corda tinha três nós. Os nós tinham nomes.
Pobreza, Obediência e Castidade. Ao seu redor, animais, muitos.
Parecia que todos os animais da floresta tinham vindo lhe fazer
companhia. Episcípedes estava feliz, muito feliz. O estrondo da
trovoada fez os animais debandarem. Episcípedes correu atrás deles.
Não queria que aquele momento pleno de felicidade terminasse.
Chocou-se contra algo invisível. Uma barreira invisível. A chuva
desabou. Episcípedes, desesperado, viu os animais contorcerem-se,
dissolverem-se, transformarem-se em uma pasta de carne fumegante. A
relva verde ardia sem fogo. Fumaça. Muita fumaça. O verde tornava-se
negro. Episcípedes tateou a esmo a barreira invisível. Encontrou um
botão. Premiu. Uma porta invisível abriu-se na parede invisível.
Episcípedes transpôs. Saiu. Correu sob a chuva. Gotas ácidas
penetrando sua carne. Agulhas de fogo líquido. Queimando. Súbito, seu
corpo em brasas planou no ar. Levitou. Braços invisíveis
arremessaram-no violentamente contra a madeira. O madeiro. Grossos
pregos cravaram-se em suas mãos e pés. Cravos. Coroa de espinhos na
cabeça. Estigmas. Gotas ácidas. Queimando. Derretendo. Martirizando o
mártir. O homem humano. Super-humano. Não era Episcípedes. Não era
Francisco. Era a massa. A massa de carne sem vida. Morto. Estava morto.

Ano 3023. Episcípedes era uma célula nervosa implantada em um chip. Um
chip implantado em um andróide. Não sentia. Não pensava. Não amava.
Era só uma célula. Só um chip. Só um andróide. Só. Sempre só.
Operário na usina de reciclagem de lixo, encontrou, certa vez, uma
gravura antiga dentro de um livro antigo: Uma cobra engolindo a
própria cauda. Algo dentro de si reagiu. Talvez uma mitocôndria
anarquista. Familiaridade. A gravura era familiar. Aquela vaga
lembrança foi o foco inicial daquela que ficou conhecida como a
"Revolução dos Humanóides". Milhões de andróides foram
neutralizados. Episcípedes, crucificado na cruz de metal, exposto
durante meses como um lembrete. Depois, desmembrado, esquartejado e,
por fim, dissolvido em ácido. Era o fim de outro ciclo. Outros viriam.
A cobra engoliria o próprio rabo. Sempre.

Carlos Cruz - 20/11/2007

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

EXPIRAÇÃO

* Em parceria com o filósofo Marcus Renato
.
.
Onde andará minha inspiração?
parece estar tão apagada
quanto esta caneta
que expõe meu penar
.
De tão vadia que é
deve estar
num beco qualquer
(ela diria que está num beco sem saída)
.
De tão livre que é
deve estar num vasto campo
coberto de flores
(ela, obviamente, diria estar num campo de concentração)
.
De tão louca que é
pensaria estar me inspirando
entretanto, ela não percebe
que sequer estou respirando
(ela pensa que estou dormindo)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A mulher no jantar de fim de ano

A mulher no jantar de fim de ano

Tinha um olhar forte, mas distante, rosto quadrado, que mais lembrava feições masculinas, não havia fragilidade nela, trazia um jeito simples, vestes sem grife, ou ostentação, mas parecia ser fina, educada. Caminhava altiva sobre os tapetes vermelhos que minha avó colocava para o Natal.
Suas olheiras salientes poderiam indicar noites mal dormidas, ou que perambulava pela casa a noite, olhos inconformados. Possuía algo que não sei explicar, era diferente, observei a noite toda, a maneira que acendia o cigarro, sua delicadeza ao levá-lo a boca, sempre muito formal, parecia isolada dos outros convidados e também atenta aos detalhes, como eu. Por vezes a vi divagando com a fumaça do cigarro, sempre aceso.
Até que em um momento percebeu que eu a observava, deu algumas voltas na sala, dirigiu alguns sorrisos a minha pessoa e eu retribuí todos, acomodou-se ao meu lado, no sofá em que eu estive sentada desde o começo da festa. Quando se sentou, parecia que aquele grande sofá tinha diminuído tão pequena era a distância que tomou de mim. Apertou minhas bochechas dizendo, menina linda, esse laço de fita foi a vovó quem te deu? Respondia afirmativa com a cabeça, parecia que minha voz não queria sair, mas eu sorria, ela era tão cheirosa, seu perfume, misturado ao odor do tabaco não me incomodava, de certo modo parecia-me familiar, embora nunca tivesse visto aquela figura antes.
Tocou minha mão com suavidade e chamou-me para passear no jardim, minha avó tinha uma videira, que naquela época do ano se enchia de cachos viscosos, se esticou e pegou um para mim, eu disse a vovó vai ralhar, não gosta que mexam nas frutas dela e prontamente me respondeu, “um cacho só, saboreie menina, sinta como estão doces, nada daria mais prazer à vovó do que te ver comendo as suas uvas!”
Olhava aquela mulher desconhecida e tão familiar, parecia-me linda.
Seus cabelos caiam sempre do mesmo lado do rosto e ela os prendia atrás da orelha, instintivamente, seu olhar profundo parecia roubar minha alma. Dizia que a fruta que mais sentia falta era o cacau, e sabia que já tinha passado o tempo deles maduros, disse, eles nascem sempre tenros, debaixo daquela caixa d’água lá no quintal do fundo. E deveria conhecer bem a casa, pois muito poucos sabiam do cacaueiro da vovó.
Depois de caminharmos ali ela disse agora tem que entrar, irão sentir sua falta, eu já vou, deixe só terminar o cigarro, olhei para trás mais uma vez e a vi conversando com a fumaça do cigarro e ainda soltou-me um sorriso quase confidente.
Não a vi no brinde do “Feliz Ano Novo”, nem nos cumprimentos, ela e a fumaça de seu cigarro desapareceram por algum tempo.
Mas parecia estar presente em todos os momentos importantes da minha vida, foi ao meu casamento, me visitou na maternidade, quando tive minha única filha, em todas as dificuldades me ajudando e dando-me bons conselhos, sempre um ombro amigo.
Hoje, já com o corpo cansado, minhas pernas já não têm aquela agilidade de menina, ela veio me amparar, olhou-me profundamente, como da primeira vez e me disse que ia me conduzir, deixei-me levar, mas não tinha mudado, nenhuma ruga em seu rosto, nenhum cansaço nos olhos, entendi que a minha hora havia chegado. E finalmente vi que aquela figura havia me acompanhado era a minha face mulher, meu rosto de balzaquiana, os mesmos cabelos, a mesma expressão, o mesmo carinho. Deixei-me levar.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

...



Quando as águas fumarem
Os ventos pingarem
E houver fogo no céu

Quando perdermos o sentido
E almejarmos vazios dourados

Quando os amores findarem
E o desespero for a regra

Socorramo-nos!

Podemos também ser heróis
Lembremo-nos dos sonhos infantis
Queremos fazer a diferença
Ao menos por um dia

Esta data pode ser hoje
Então preparemo-nos
Haverá guerra antes da paz

Acordem os santos
Chamem os heróis
Avisem os paladinos da justiça

Levantem os mortos
Acudamo-nos de nós mesmo.

Para salvar o amanhã
Devemos evoluir hoje

Não há tempo
Nem para sempre

sábado, 29 de novembro de 2008

Numa Dança



Sonho dançar com você
Ser levada nos seus braços
No meio do salão
Deixando o seu sorriso me levar

Sinto estar no anos dourados
No embalo da música
Me encanto com os seu olhos
Sonhando acordada

Me leve para um lugar distante
Num doce momento com você
É no ritmo de uma música dos anos
dourados
É nessa música que eu quero viver

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Aroma
Fonte foto: Jody Hewgill


Evapora de ti
a essência da perdição.

O teu âmbar cinzento
mandei para destilação,

para fixar em mim
teu corpo fugitivo.

E te fazer provar
o verdadeiro absinto

sábado, 22 de novembro de 2008

Defeito perfeito

- Odeio cigarro, da fumaça ao cheiro e, principalmente, o bafo!

- Mas você só se envolve com fumantes!

- É que depois fica mais fácil de largar o vício.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Ausência

Meu silêncio quebrou a vidraça
Urrou para os meus sentidos
Esmurrando espaços vazios

Meu silêncio fez morada na praça
Anda sujo de merda de pombo
Para ouvir o sussurro das águas

Meu silêncio, maltrapilho
Mendiga sons que alimentem
Como a insistência das flores

Meu silêncio, de alma partida em dores
E, intoxicado pelo medo

Em silêncio,
Vomita ferida,
Palavras mal ditas.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Em nome do prazer.

(Continho 'meio' erótico. Aconselho não ler
caso não goste : )


Em nome do prazer.

Andavam sempre juntas: Isabelle, Lana e Cynthia.
Lana era a mais comum das duas ou dentre todas as moças da sua idade. Sei que por algum motivo era ela que me chamava atenção. Apesar de estar na moda garotas mais novas se interessarem por homens mais velhos eu não nutria nenhuma esperança de que ela se interessasse por mim com meus 44 anos.
Quando saía do meu consultório gostava de sentar na varanda e observá-las passar com a juventude nos sorrisos. O jeito de andar e jogarem os cabelos era uma bela visão.
Sexta a noite Lúcio ligou convidando para uma partida de carteado na casa do tio. Não estava muito a fim, mas sem opção aceitei o convite.
Já na chegada ele avisou para que eu não assustasse, pois a filha de Lúcio estava realizando uma festinha com alguns amigos. Uma garotada entre 18 e 22 anos, muita bebida, fumo e casais agarrados na piscina. Dei uma rápida passada de olhos.
Ao entrar a surpresa de conhecer as três garotas. Lana era a filha do tio de Lúcio. De toda a noite observar as voltas do corpo de Lana com uma meia arrastão, short curtinho, camiseta decotada e saltos nos delicados pés foi o que mais me agradou. No trajeto para casa pensava em seu corpo e na loucura de possuí-la. Nunca me interessei por mulheres tão jovens, porém o frescor da pele de Lana excitava-me até o pensamento. Pensei em contar para Lúcio, mas certamente ele me chamaria de tarado. Guardei para mim.
Durante toda a semana evitei sentar na varanda e forcei para não pensar em Lana. Lúcio tentou sem sorte alguns convites para noitadas só que final de semana é final de semana e lá fui eu.
No local marcado Lúcio estava sentado com as três garotas. Não era possível. Outra vez Lana de quem eu havia fugido. Cumprimentei a todos e pedi um uísque. Lana brincava com um canudo dentro da lata e deu uma longa chupada antes de responder ao meu cumprimento. Sentei já de pau duro e quanto mais a olhava mais ele crescia. Precisei jogar o guardanapo despistadamente por cima do membro assanhado.
Durante conversas saíram para dançar e comentei com Lúcio o que sua prima estava conseguindo provocar em meu corpo. Ele riu e disse que ela era apenas uma menina mimada perto das duas amigas.
Fui ao banheiro e Isabelle tocou minhas virilhas com a mão cheia agarrando meu caralho e disse que eu tinha um material convidativo. Enrubesci e segui direto ao mictório. Meu Deus não era possível que aquilo estivesse acontecendo.
Voltei e contei para Lúcio que afirmou que ela e a amiga eram ninfomaníacas.
Assim que retornaram Lúcio nos convidou para irmos para uma boate. Lana disse que não queria ir e se eu não fosse ela poderia pegar uma carona comigo para casa. Eu disse que estava cansado. Saíram. Lana começou a contar coisas que eu nem ouvia bem, o seu hálito deixava-me alucinado. Tomamos mais alguns uísques, algumas coca-colas e ela quis sair. Muito calados no caminho perguntei se ela gostaria de conhecer minha casa e a resposta foi sim. Eu a deixei na sala para buscar algo para tomarmos e não a encontrei. Subi as escadas, abri a porta do quarto e Lana estava nua em minha cama. Pernas bem abertas e os dedos na boceta lisa e molhada. Eu fiquei de pé não sei por quanto tempo. Minha vontade era de penetrá-la profundamente só que olhá-la deixava-me ainda mais louco. Ela apertava as pernas, escorregava os dedos para dentro e gemia mordendo os lábios. Fez sinal para que eu aproximasse, tirou os dedos molhados da boceta e enfiou-os em minha boca. Eu os mamei e fui diretamente impulsionado para sua boceta e comecei a chupá-la. Minha língua entrava em sua caverna e ela jorrava mais e mais alimento. O cheiro que exalava dela era algo inexplicável e quanto mais eu a sugava e acariciava com a língua mais os meus sentidos a buscavam como algo necessário a minha sobrevivência instintiva. Sentia suas unhas levemente arranhando minha nuca. Puxou meus cabelos, olhou-me nos olhos e jogou um beijo. Parti para cima assim meio animal faminto, ela arrancou minha roupa e beijou meu corpo fingindo a todo momento que abocanharia meu pênis inchado. Veio para cima abriu bem a boceta e engoliu meu pau com ela. Quando levantava era possível ver meu caralho todo arregaçado dentro daquela boceta úmida, morna e escancarada.
Senti que aquilo era melhor que qualquer coisa no mundo. Ela saiu e veio no mesmo momento mamar. Engolia, apertava com os lábios, tocava o saco, sugava, alisava o prepúcio, lambia a glande bem exposta e masturbava meu caralho esfregando-o em sua face. Eu segurava o gozo e os testículos doíam. Ficou de quatro e a penetrei fundo e com força. Seus gritos enchiam a casa e eram o meu delírio maior. A chamei de mil nomes, puta, vaca, ordinária, cadela e ela repetia palavrões e pedia mais. Quando paramos ela levantou pegou um gel na bolsinha alaranjada e safadamente fez uma massagem com o corpo rebolando no meu.
Nossas peles grudentas insistiam em querer corromper-nos em sexo vadio e eu só sabia comê-la. Seu cheiro era o principal afrodisíaco. A verdade é que eu estava nas nuvens com tudo o que ela fazia. Voltou a chupar meu pau continuamente e com mais força - boca salivada. Eu contorcia, dizia que iria gozar e ela apertava com a mão e retinha o gozo. Subiu rapidamente até meus lábios e beijou forte sussurrando que agora sim nossos gostos se misturavam por completo. Meteu a cara novamente, aprofundou e senti a língua roçando o meu ânus a causar um calor de fazer inveja ao inferno. Eu suava feito tampa de chaleira, ela cheirava as partes íntimas e parecia uma gatinha no cio entregue aos dengos do macho. Deixei a cama e ajoelhei. Ela ficou de pé com uma perna no colchão. Comecei por suas pernas e meti a boca. Ela massageava os peitos, alisava o rosto, pescoço e voltava a manipulá-los. Nunca havia chupado tanto uma mulher.
Com carinha de anjo sacana ela pediu que eu deitasse. Voltou a ficar por cima, eu beijava os mamilos salientes, apertava e olhava enquanto ela cavalgava lenta com curtas paradas para abrir a rosa e eu entalar o caule. Não sei quantas vezes fizemos juras de amor eterno um ao outro. Eu poderia ficar trancado por dias naquele quarto com ela. Ela era uma fera e um animalzinho domesticado que sabia quando virar o jogo.
Meu caralho duro e muito molhado não parava de entrar e sair daquela boceta deliciosa até que não aguentei quando ela movimentou-se mais rápido e o gozo chegou em um êxtase divino. Ainda dentro dela eu beijava sua boca e senti algo mais escorrer em nosso corpo... Ela estava a fazer xixi em nós dois. Bizarrice ou não eu amei.
Depois, desfalecidos ela adormeceu em meu peito. Com muito cuidado peguei o telefone e liguei ao Lúcio para dar uma desculpa por não tê-la levado para casa e ele disse que ligaria aos pais dela avisando que ela dormiria na casa das amigas.
Fiquei a admirá-la por umas duas horas quando ela despertou. Nos beijamos e ganhei um convite ao banho. Dentro d'água mais bonita ficava. Disse que queria tomar banho só, mas que eu poderia ficar ali e olhá-la. Mil coisas passavam em minha mente e eu só sabia que a queria sempre ao meu lado. O sabonete espumava e ela brincava com a espuma no corpo. Disse que a queria novamente. Ela empinou o bumbum. Comi sua boceta por trás. Minutos e outro gozo fabuloso. Terminamos o banho juntos. Ela saiu primeiro e quando cheguei no quarto ela já estava vestida e pediu que eu a levasse para casa. Falei que os pais sabiam que ela dormiria na casa das amigas, mas ela quis ir embora.
Na segunda-feira quando cheguei no consultório lá estava ela e mãe. Acenei para elas e entrei. Pensei por alguns minutos o que diria a mãe dela. Pedir a mão da filha em casamento? Decisão tomada. Era isso o que eu queria. A secretária interrompeu meu raciocínio. Lana já entrou junto com ela. Elas haviam marcado um exame ginecológico. Lana não disse nada sobre nós dois. Sentou e perguntou se deveria se despir ali. Tentei beijá-la e ela recusou. Disse que estava ali para um exame. Falei que a amava e dos meus planos. Ela disse não. Falou que tinha sonhos e que não iria abandoná-los. Seria Sexóloga. Implorei. Disse que poderia estudar casada comigo e ela disse não. Recusei examiná-la. Ela saiu e em seguida a mãe entrou. Não tive como fugir. Fiz o preventivo com profissionalismo, mas com a cabeça em Lana.
O dia foi estressante e foram dias sem sinal dela até que liguei para Lúcio marcar um carteado na casa do tio. Semanas seguidas e nada de Lana. Tomei coragem e perguntei pela filha. A mãe orgulhosa disse que ela havia feito o exame e aquele dia mesmo havia embarcado para o exterior para estudar. Tive uma tontura, empalideci. Perguntaram se eu estava bem. Inventei uma dor no estômago e me retirei.
Depois de certo tempo acabei tendo um envolvimento com Cynthia que resultou em altar e dois filhos. Uma relação comum sem grande ou nenhuma aventura.
Muitos anos depois reencontrei Lana em uma Conferência no México. Uma mulher deslumbrante. Tomamos uma Pinã Colada, uma bebida tradicional feita com 2 doses de rum, 3 doses de abacaxi, 2 doses de leite de coco, pedaços de abacaxi e gelo.
Ela esclareceu que a mulher ainda possuí uma voz fraca dentro do sexo, pouco conhecimento até do próprio prazer e que ela havia se dedicado inteiramente a lutar para modificar tal fato e que casar seria aceitar as amarras para que a sua voz fosse ofuscada, afinal poucos são os homens que entendem uma mulher na posição dela, mas que poderíamos nos ver algumas vezes.
Trocamos números... A vida é uma surpresa!

Eliane Alcântara.

Crianças sempre embaraçam a gente

— Por que eu tenho que colocar roupa?
— Por que o papai tem de trabalhar e você não?
— Por que a sua mão treme?
— Por que suas fotos, quando criança, não são coloridas?
— Por que isso? — Por que aquilo? — Por quê?
— Por que essa menina faz tantas perguntas?
Todo sábado é a mesma coisa. Ainda bem. Filho e nora deixam a netinha aqui em casa e saem para o cinema, vão a algum casamento, se reúnem na casa do Vinícius ou recebem alguém em casa. Eles sempre têm alguma coisa para fazer e deixam a pequena aqui em casa. Fazem isso por eles e por nós, avós corujas.
Ana Beatriz é um doce, muito quietinha. Chega de pijama de flanela, pede colo e uma historinha antes de dormir. Os olhinhos fecham, a cabeça cai e a levo para a cama. Aninha é querida. Não levanta no meio da noite, não faz xixi na cama, nem pede por papai ou mamãe. Apenas dorme profundamente, abraçada ao travesseiro.
Acredito sinceramente que, à noite, um duende verde confunde a menina com um brinquedo e dá corda. De manhã, junto com o canto dos passarinhos, Aninha acorda serelepe, matraca e perguntadeira.
— Vô? — pulando na cama — Posso deitar na sua cama? — cutuca a sola do meu pé com o dedinho — Por que você não tem cócegas no pé? Cadê a vó? Ela tá fazendo pão de queijo?
— Você não ia se deitar na cama? — Pergunto, enquanto estalo um beijo na testa despenteada.
— A gente vai para o zoológico depois do café? — Correndo para o banheiro.
— Vamos ver a girafa, o elefante, o jacaré e os macacos.
Aninha já estava no banheiro espremendo a pasta de dentes.
— A pasta de listrinhas vermelhas já acabou?
— A vovó comprou essa azulzinha especialmente para você.
— É verdade que a vó usa dentadura?
— Não. A vovó não usa dentadura. Ela pode morder a sua bochecha.
— Hoje de manhã ouvi a vó rezando na hora de levantar. Você não reza?
— Algumas pessoas rezam em voz alta e outras rezam baixinho.
— Eu nunca vi você rezar. Você tem um terço?
— Não querida. Eu não tenho terço. Aquele ali é da vó.
— A bisa me ensinou a rezar em alemão. Ich bin klein. Mein Herz ist rein. Soll niemand drin wohnen als Jesus allein*.
— Que bonitinha. Fale de novo, mais devagarzinho, senão o bom Deus não compreende.
— Deus fala alemão ou português?
— Deus entende todas as línguas.
— A tia da escola disse que os índios falavam uma língua que ninguém entendia.
— Os índios falavam uma língua que os portugueses não entendiam.
— A tia disse que os índios não acreditavam em Deus.
— Muitos não acreditam em Deus.
— Por que alguns acreditam em Deus e por que outros não acreditam?
— O deus dos índios é diferente daquele em que nós acreditamos.
— A mãe do Felipe não é índia. E não acredita em Deus.
Fugindo da pressão, segurei a mão da Aninha e a levei para a cozinha.
— Bom-dia querida! Olha só quem eu trouxe! O pão de queijo já está pronto?
Ana agarrou-se ao pescoço da avó e tascou um beijo lambuzado de pasta de dentes.
— Vó, por que alguns acreditam em Deus e outros não?
— Meu anjinho, vista uma roupinha. O pão de queijo está quase pronto. Alfredo, ajude sua neta.
A menina olhou para mim e fez beicinho de quem não recebeu a resposta nem comeu o pão de queijo.
Fui com ela até o quarto onde estava a sacola com a roupa.
— Hoje nós vamos ao zoológico. Você tem medo de lobo mau?
— Eu não. Lobo mau não existe.
— Tem alguma coleguinha que tem medo do lobo mau?
— O Rodrigo tem medo.
— Então, ele acredita em lobo mau?
— A Maria Alice também acredita.
— Então, Aninha, é assim: alguns acreditam e outros não acreditam. Como em Deus.
A menina abriu um enorme sorriso, correu para a cozinha e eu fiquei aliviado.
— Vó, Deus é como um lobo bom. Não é?
Ainda bem que o pão de queijo ficou pronto.

* Versão para a oração infantil:
Sou pequenino. Meu coração é puro. Nele mora Jesus menino.

domingo, 16 de novembro de 2008

Panorama


No tempo que assistia o mundo
dependurada nos pés de ameixa

Eu rodopiava canções bonitas em companhia do meu amado e saboreava maças do amor nas festas juninas e tinha um estoque de bilhetes apaixonados...

Contudo,
o tempo nada deixa

Onde estão as paisagens
que eu ria do arvoredo?

Pra ser só, me sobrou coragem
desisti do uso do amor placebo

sábado, 15 de novembro de 2008

AS COXAS DA SENHORA GENEVIEVE

Nunca experimentara tremor tão intenso, como ao ver as coxas da senhora Genevieve.

Não a conhecia até então. Sentada à estação, pernas cruzadas, a mulher aguardava tacitamente o comboio, mergulhada numa leitura, alheia ao mundo ao seu redor.

A senhora Genevieve era desposada. Mudara-se à pouco naquela freguesia. Muito calada. Muito sisuda. Profundamente centrada em si e no seu digno cotidiano.

Já não experimentava as inquietações típicas de uma sexualidade balzaquiana, ainda que contasse trinta e dois anos, num corpo esplendidamente cobiçoso e mergulhada na monotonia de uma vida conjugal que se arrastava à quase duas décadas.

Era recatada. E essencialmente digna. Sem as prevenções acentuadas das mulheres que enxergam um canalha a cada canto.

Mas ele, pobre homem! Apaixonara-se irremediavelmente pelas coxas da senhora Genevieve. Mal recordava-se do semblante dela. Ou dos seus braços, alvos e bem delineados, ou do busto gracioso sob o corpete.

As coxas - essas eram o alvo das suas inquietações.

Agora, pois, já não vivia mais tranquilamente. Mesmo mergulhado em suas atividades diárias, ou em seus sonhos febris, assaltava-o a imagem forte, rebuscada, indelével, das belas coxas da senhora Genevieve, pernas cruzadas, aninhadas pela orla florida do vestido insinuante.

Ela nunca mais cruzara as pernas. Nem mais fôra vista lendo qualquer folheto. Mas não percebera que seu gesto esporádico, casual, estranho a si mesma - o cruzar as pernas - causara tamanha comoção naquele homem. E ele, agora, amava as coxas dela, e somente as coxas dela, mais que a ela, mais que qualquer outra coisa em sua vida.

Mas a senhora Genevieve partiu, após algum tempo; seu esposo fôra transferido dali.

E o que ficara, mesmo tomado de tal monismo, casara, tivera filhos. Mas nunca mais se apagara de sua mente, o regozijo, o deleite, o estado nirvânico que lhe transmitira a imagem das coxas da senhora Genevieve, pernas cruzadas, sentada à estação.

E morreu amando-as.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Fragmentos

Dona Risoleta

Dona Risoleta tinha mágoa indisfarçável por Salim. véspera do pleito em ninho de vespas. encomendas para o luto por telegrama. O jantar à mineira com suco de manga. pretexto a discutir os talheres postos. Logo ela, a prata da casa. Os generais, anfitriões, pagaram o pato. Fim de luta, dois lados mortos. Um corpo, um país. A desova de um valeu por todos. Demorou, mas o riso cobrou seu preço.


Nascer e Viver em Lugar Nenhum

Lugar Nenhum é um lugar desconhecido por todos. Lá é bem provável que não exista civilização. Nem teatro, nem cinema e muito menos um bar com escritores dentro. E quem liga pra isso? A única coisa que se sabe é que quem vive por aquelas bandas acaba por padecer de uma cefaléia aguda e amnésica todas as manhãs ao raiar do dia. Lugar Nenhum é sem dúvida o lugar mais populoso do mundo.

domingo, 9 de novembro de 2008

INRI

Quando Nico Abadia deixou meu consultório levando nas costas aquele seu jeito de hiena tristonha, eu juro, Cristina, que minha consciência profissional quase me fez revelar a verdade por ele tão ansiosamente procurada. Mas o sentimento de compaixão que sua alma sofrida emanava, a despeito do sucesso, falou mais alto. A verdade seria por demais dolorosa, provocando feridas que talvez jamais cicatrizassem, minha cara. Nico Abadia veio a mim à procura de respostas e não em busca de novos tormentos.
É claro que eu sei das minhas responsabilidades profissionais enquanto terapeuta de vidas passadas, Cristina, mas, entenda: as circunstâncias do "Caso Nico Abadia" são sobremaneira especiais. Nem tudo o terapeuta deve dizer ao seu paciente sob pena de abalar definitivamente a sua estrutura emocional. Você, por exemplo, caso houvesse sido uma sanguinária homicida em outra encarnação, um Nero ou um espécie de Hitler, receberia tal notícia com tranqüilidade de uma monja budista?
Não, Cristina. Nico Abadia não foi um genocida histórico, apesar de haver deixado para sempre sua marca na humanidade. Não se trata de fazer suspense, querida, contudo, todo este episódio de certa forma também me abalou.
Nico me procurou desejando saber o porquê da melancolia crônica que o abatia. Afinal, o homem tem tudo que um pobre mortal desejaria na vida: fama, dinheiro, uma bela família, realização profissional e poder. Sim, Nico Abadia é poderoso no meio em que milita. E fico admirado por você, meu amor, ser ingênua a ponto de não perceber tal fato.
Ok, tentarei ir direto ao assunto. Após as preliminares de praxe, Nico Abadia deitou-se ai mesmo, no divã que agora você esta sentada. Parecia amedrontado, como certos doentes que temem uma cirurgia contudo anseiam por ela na esperança de se curarem. Expliquei os procedimentos ao meu paciente e iniciamos a sessão com um relaxamento da mente. Aos poucos Nico Abadia foi entrando no estado hipnótico e, passados alguns minutos, estava sobre o meu domínio. Quando julguei ser o momento exato de começarmos a regressão, perguntei onde ele se encontrava. "No meio de uma multidão. Vejo pessoas gritando, xingamentos, deboches", ele disse. "Como você está vestido?" perguntei. "Como um soldado romano. Sou legionário.", foi a resposta que emergiu daqueles lábios grossos tão conhecidos do público. Já tinha uma base por onde começar, uma trilha no inconsciente daquele homem por onde seguir até alcançar o problema que o afligia quando, inesperadamente ele desatou a falar. Vou ler este trecho transcrito da fita gravada para você.
"O condenado segue no meio da turba enfurecida. Sustenta, amarrado aos punhos, horizontalmente por detrás do pescoço, a trave da cruz. A base é carregada por um outro homem, por ordem do Centurião. O condenado, cabelos compridos à moda nazarena, segue resignado. O semblante transmite serenidade apesar do sangue que escorre pelo rosto, fruto dos espinhos em forma de coroa ferindo a cabeça. Chegamos ao monte, chamado de Gólgota. Deitamos o condenado. Um dos soldados finca um cravo de ferro no punho direito do homem. Ele emite surdo gemido. Repete-se a operação no punho esquerdo e nos pés. Erguemos a cruz. Não foi trabalho árduo. O nazareno tem estrutura esquálida. Algumas pessoas choram em desespero. Na certa parentes do crucificado. O nazareno pede água. Encosto uma escada na base da cruz, subo e, jocosamente, ofereço vinagre. Ele cospe. Nossas gargalhadas inundam o Gólgota. Enquanto disputamos no jogo de dados as vestes do tal de Jesus, duas outras cruzes são erguidas, ladeando o nazareno. Os outros dois condenados despossuem da dignidade do homem chamado Jesus. Lamentam sua sorte, urram desesperados pelo sofrimento. Súbito, uma idéia invade meu cérebro. Pego um pedaço de madeira perdido no chão e, com ajuda do meu pequeno punhal, esculpo as palavras "Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus". Subo a escada e fixo a placa acima da cabeça do condenado. Novas gargalhadas eclodem. Ao lado do nazareno, rio sonoramente a ponto de quase desabar da escada..."
Permita-me interromper o relato, querida Cristina. Pelo resultado da sessão já se pode notar que, Nico Abadia, o maior humorista brasileiro de todos os tempos, mestre do riso, é um homem triste pelas reminiscências de outra vida. E que vida! Sim, você tem razão. Já na época do Cristo, Nico Abadia era dono de um humor peculiar, ainda que mais negro que a asa da graúna...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

La Fuga



Recorrí las playas de arenas ardientes
quemando las plantas de mis doloridos pies
Enfrenté las olas del mar bravío
mi cuerpo azotado por el látigo hecho de agua
Subí a la cumbre de la montaña más alta
las heridas de mis manos bañaron las piedras
coloreándolas con el rojo de mi sangre
Me perdí en la selva verde y húmeda
llena de musgo y sonidos amedrentadores
Al fin, agotado por la caminata escabrosa
Me senté al suelo y sonreí
Intenté dejarte a lo lejos
escapar de tus presas de mujer felina
pero no pude resistir a tus encantos y encantamientos
ni al amor que devora mi corazón
que late, desesperado, siempre cuando mis ojos miran
tu cuerpo
Carlos Cruz - 08/10/2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

On the road (ou uma pequena prece para Kerouak)

Era novamente eu e a estrada. A vastidão do nada à frente e a mesmice do que ficou para trás, os horizontes que atravessavam as janelas do veículo, celerados, assustados e velozes. Não, acho que era eu quem corria demais. O pé direito afundado no acelerador dava-me uma vaga suspeita disso. Tentei  lembrar do que havia me levado ali: a) um ano dedicado aos estudos e um concurso que no fim das contas, não deu em nada; o que leva invariavelmente a um b), estar tão deslocado no seu próprio eixo, devido ao isolamento para estudo e às profundas meditações transcendentais e sem sentido, que a melhor forma de se recolocar é sair por um tempo e depois voltar, acertadamente ao seu lugar, ou fingindo metodicamente estar.
Então, meu irmão fechou animadamente um negócio com um primo meio trambiqueiro, que mora no extremo norte do estado. Era para trazer um carro para minha mãe, um Honda Civic 2007, com todos os apetrechos que um carro deste porte deve ter. O transportador seria eu, que iria de ônibus e voltaria guiando. Não me perderei nestes detalhes. Até porque não lembro muito bem de nada depois disso. Fui colocado ou direcionado ao meu assento no banco do ônibus por algum funcionário da viação; como houve um senhor atraso no embarque, passei meu tempo ocioso na lanchonete mais próxima do embarcadouro, cervejas e Whisky falsificado fazendo companhia. Podem não ser as melhores companhias do mundo, mas te ajudam a passar o tempo. Daí que a ida foi um sono contínuo, uniforme e vomitado. Acredito que ganhei alguma antipatia dos outros passageiros. Talvez tenha tido isso do motorista também, a contar pelo jeito que me empurrou porta afora, quando chegamos na cidade do meu destino. – E que destino! – exclamei. Sob um calor que no mínimo cento e cinquenta graus, a rua principal esturricava abandonada. Olhei quase no fim dela e vi a garagem de meu primo, ao lado de um agradável botequim, um oásis de calma e beleza rodeado de palmeiras - Melhor pegar o tal carro e me arrancar daqui, ou corria o risco de ganhar raízes profundas.
Cheguei com cara da ressaca encarnada, ainda não havia comido nada, depois de uma noite de solavancos e sonhos entrecortados. Carlos, o parente vendedor de veículos, me deu um abraço mais falso que uma moeda de dois reais:
- Grande Juliano! Como é que tá o cara mais famoso da família Werneck?
- Até que vou bem, mas não sou o mais famoso: o primo Alceu é quem tá bombando nas manchetes agora, depois daquele caso de desvio de dinheiro público.
- Ah, mas isso é ficha. Em pouco tempo o povo esquece disso, vai por mim. Mas no teu caso, você é um artista, um escritor, daí que não dá para esquecer.
- Isso se você escrever. Como não ando escrevendo, dane-se. É este o carro?
Ele fez um sim desconfiado, como uma raposa na porta do galinheiro. Deixei que o desdém do meu olhar demonstrasse que não me animei nada com o escolhido. Olhei em volta e todos os outros automóveis tinham o mesmo ranço estético; vários outros sedans alinhados, juntamente com alguns hatchs econômicos e algumas pick-ups monstruosas. Nenhum conversível, nenhuma motocicleta endiabrada, nenhum escape de duas ou quatro rodas. Foi então que o vi. Parado no canto, chamando, quase ordenando que o ligasse. Era um carro de sonho. Na verdade, uma lenda. Deixei o escolhido de lado.
- Roda?
- O quê, aquele ali? Você deve estar brincando, não é para sua mãe?
- É, mas a gente divide o carro. Daí que acho que ele ali é perfeito. Pega a chave.
Girei o segredo no tambor e senti o motor explodir: aquilo sim, é que era o som verdadeiro de uma engrenagem em movimento, o bom e velho carburador, não aquela coisa insossa da injeção eletrônica. O barulho do motor impedia de ouvir o que meu primo teimava em gritar ao lado do carro. Ele apontava alguma coisa para dentro do veículo e eu somente acenava a cabeça, sorrindo maquiavelicamente como se entendesse tudo. Por fim, ele se aproximou e conseguir distinguir:
- ... fora isso, tá tudo beleza. Fiz o motor, o câmbio e a suspensão, o bicho tá tinindo! Mas ainda acho melhor você colocá-lo em uma cegonha ou levá-lo sobre um caminhão.
- E perder o melhor da festa? Nem na bala.
Acertei a papelada com Carlos, comi alguma coisa que pedimos diretamente do botequim e comecei o meu retorno para casa. Não via a hora de cortar o espaço com aquela máquina. Atravessei a cidade com controlada ansiedade, louco para chegar na rodovia e começar verdadeiramente a rodar. Quando as rodas de liga leve começaram a desfilar na estrada, vi o brilho do olhar dos fãs de motores chegando a corroer as fortes latarias. Meu ser começou a se integrar com o veículo logo após os oitenta por hora. Senti o volante se tornar uma extensão de minhas mãos e os pedais grudarem-se aos meus pés, o coração correndo em uníssono com o motor e minha força sendo repassada pela transmissão daquele carro dos sonhos.
Era novamente eu e a estrada. Foi quando percebi o que meu primo tentara desesperadamente me mostrar. O painel de instrumentos, vez por outra perdia o contato, ficando estático, sem fornecer informação nenhuma. Isto me fez gostar ainda mais daquele carro, pois suas falhas em muito se assemelhavam às minhas: sem marcador de RPM, nem ele nem eu sabemos a própria força ou potência; isto geralmente atrapalha muito coisa, seja em um aclive acentuado ou em um relacionamento conturbado; sem o controle do combustível, nunca sabemos até onde teremos gás para podermos ir, seja na estrada ou na vida, mas dane-se, quem perde tempo com isso? Um dia tudo acaba mesmo. A falta do velocímetro me impede de saber a que velocidade estou indo, mas algo dentro de mim me assegura que estou indo no tempo certo, no momento exato, e que em mais ou menos tempo chegarei em algum lugar; já a falta do marcador de temperatura é grave, pois assim como o motor pode fundir devido ao excesso de calor, sua falta na vida nos deixa sem saber se nossas relações estão próximas da ebulição ou em total e completo congelamento.
Todas estas conjecturas ajudam a despertar mais uma companheira de viagem que me acompanha desde muito. Minha velha e conhecida sinusite. A dor que se espalha pela cabeça se assemelha a milhares de pequenas e pontiagudas facas distribuídas pelo crânio, com uma raiz profunda que desce por detrás do olho direito e se esgueira pela orelha, chegando a sussurrar coisas obscenas em meu ouvido; não tomo analgésicos pois eles causam dependência e a pior coisa do mundo é estar dependente (de algo ou de alguém). Por esta razão me apeguei a esta dor como um náufrago a uma tábua.
Mas acho que me enganei. A pior coisa do mundo não é a dependência, mas sim viver frustrado. É pior que morrer duas vezes; uma porque se sabe que ainda vai morrer, outra, porque realmente todo o sentido da vida se esvai com aquela imagem de quem você deveria ter sido. Neste exato momento vejo um eu bem sucedido sentado no banco detrás, rindo amigavelmente para mim, tentando me passar alguma confiança. Foda-se.
Enquanto devoro quilômetros rodas abaixo, com o pensamento solto e livre, tentando decifrar o código secreto da vida, ao lado sempre aparece um ou outro apressadinho tentando apostar corrida comigo; ao adentrar um carro poderoso (ou se destacar de qualquer outra maneira) você sempre verá as pessoas (pelo menos as pessoas mais idiotas) te chamarem para um racha, uma aposta ou uma desafio qualquer. Ao não aceitar, estarão todos te avaliando por questões de valentia ou medo, mas ninguém (salvo raras exceções) perceberá que não procedeu daquela forma justamente para não fazer aquilo que as pessoas esperem que você faça.
Acredito que exatamente por isso que trouxe este maravilhoso Maverick V8, e não o tal Honda... Apesar de meu irmão quase ter enfartado, fico sempre tocado ao saber que minha mãe é, aos quase sessenta anos de idade, a feliz proprietária de um autêntico muscle car. E sinto-me como um garotinho, toda vez que Mamãe, dirigindo seu V-oitão pelas ruas, vai me buscar em mais um sarau de poesia, enquanto vou bebericando meu Jack Daniel´s madrugada afora... A lei seca pode ter me privado de um dos meus passatempos prediletos (direção ébria pós encontro literário), mas ao menos serviu para melhorar meu relacionamento familiar.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

...Trinta!


Mulher incansável,

De complexo A, B, C.
De vontade Insaciável,
Não dá pra entender.

Mulher de fases.
A TPM é a desculpa
Para fazer as pazes,
Depois da balburdia.

Mulher oscilante.
De quase trinta,
De querer incessante.
Quer que eu minta?

A idade tenta esconder.
Hão de se acostumar.
Quando uma ruga nascer
Não adianta chorar.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Se não me falha

Um roteiro sem nexo
De um filme sem começo

Cheio de furos e pontos de virada
Com conclusões absurdas
E outras esperadas

A ficção que se encontra nos jornais
Baseada em fatos reais

A boa memória falha
A mente mente
O passado volta diferente

E essa história - ou estória
Eu não sei se volta
Ou se vai pra frente

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Segredos de Azul





Absorvo os segredos do azul
Da manhã enfeitiçada pelas horas.
As flores laranjas ultrapassam as tramas,
Iluminando o verde.
Repouso ao som de pássaros
O encantamento com a vida.
Luminosamente entorpecida,
Não há tempo, não há segredos.
Apenas sons, cores, e o medo.



Imagem: Remédios Varo.

domingo, 19 de outubro de 2008

Sem mais (mais).




Sem mais (mais).

Sensível intromissão em seus dias
caço ventanias para ser tempestade,
dívida paga em seu corpo meu abraço,
vida em várias vias no secreto que sou,
amor, loucura, perdão e tesão.
Forte tormenta ao pé do ouvido
nas bobagens que digo se agimos.
Mulher em vôo rasante no peito aberto
por cima seios e línguas, encaixe molhado
e ai, tudo é só envolvimento de alma e corpo,
tela em branco. Sua foda minha foda.
Joelhos dobrados e mais
sem rédeas, sem promessas - por todos os lados.
Suados pergaminhos do mar, fúria em ser o meio.

Eliane Alcântara.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Estação extinta


Pro inverno você,

e as doses de saudade
que não me bastam

Carregue também os seus silêncios
constantemente apontando minha cara

Quando na crescente me procurar
surrarei no seu ouvido
palavras de cetim

Se na minguante retornar
perceberá os meus lábios
impregnados de carmim

Por favor, não peça desculpa
pois detesto ter razão.

Vá pro inverno você
e as sobras de verão


Barbara Leite

domingo, 12 de outubro de 2008

Fragmentos

O Imbecil
meu filho vai nascer com cara de índio. o óbvio é mais prova contra do que a favor da ingenuidade matuta do cabra. o mandarinato político vigente contorcia-se em desentendimento da própria língua em estrangeiro. a réplica é a mais original das virtudes do imbecil. incapaz de se situar na linha de tiro, o grito acaba por sair pela culatra. Chaves que o diga. não é Evo? nada de novo no front...

A Dama da Estação 4
à primeira vista consumia-lhe a história das carruagens. a estação quatro vivia sob concessão dos patronos. Ana dos Duques pintava bordéis e declamava coronéis. se agradasse era paga aos papos e sopapos. dois tostões e luzes acesas. também se dava aos botões. o único inconveniente se exibia como sonata na voz dos homens: vem meu amor, eu também sei te amar...

Brasilia e Outras Artes
a arte de assinar monumentos com o próprio monumento lhe é peculiar. Brasilia tem, nela, o nome, o edifício marco da capital. reparem. o velho centenário não é míope. infelizes, não saberão nunca o valor do toque hipnótico a despertar a capacidade criativa das mãos numa cidade em forma de poesia concreta. assim como no cinema, arte muda. e o Oscar vai para...

Camille Claudel
conheci-a louca. bela obra, a cena. desgraça, o caso. vidraça, a estátua. quem viria dizê-la, pelas mãos no corpo frio querendo-o quente e nu... o negro véu, o presságio do fim incurável de uma possessão. também na esteira, uma mulher de quem se fala, cala e consente. besteira, a vida foi tão pouco a tê-la. retê-la na angústia fustigante num pé de mármore. parti com um recado a Rodin: pensa na dor de mim...

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Vampiros na Bienal do Livro



Na Bienal, a jovem escritora passa pelo nosso stand entregando convites para a sessão de autógrafos de seu livro de contos, que se realizará dentro de meia hora. Entrega um a cada pessoa presente e deixa um montinho em cima da escrivaninha a que estou sentada.

Uma senhora se aproxima de mim, com o convite na mão.

– “Um Vampiro Atrás da Porta” – lê, com cara de desgosto. – Por que você acha que ela deu esse nome para o livro?

– Não sei ...

Ela insiste:

– Você acha que ela deu esse nome só pra aparecer?

Parece realmente indignada. Contemporizo:

– Não... Deve ser o título de um dos contos.

– Um conto sobre vampiros?

– Metaforicamente, talvez...

– É uma brincadeira dela? Ela está só brincando? Você acha que é um livro infantil?

– Acho que não. Ela escreve para adultos. Já li contos dela, são muito bons.

– Porque, você sabe, crianças adoram essas coisas de vampiros, desde que fizeram aquela novela...

– É verdade.

(Não estou com ânimo para discutir.)

Ela prosseguiu:

– Você não acha um absurdo fazerem novela com vampiros? Não se brinca com isso!

– É só ficção...

– Mas vampiros existem, sabia?

Fiz uma cara interessada.

– Existem –, ela asseverou. – Existem vampiros vivos e vampiros mortos.

– É mesmo? Pensei que vampiro não morria.

– Algumas pessoas mortas voltam à Terra como vampiros... daí não morrem mais.

– Ah!

A gente aprende tanto, em uma tarde na Bienal...

– Tem um paciente no hospital em que eu trabalho que é vampiro –, ela contou. – Acho que ele nem sabe disso.

– Como pode não saber?

– Às vezes eles não sabem. Quando são sugados ainda muito pequenos, eles esquecem. Passam a sugar os outros e nem percebem.

– Mas... mordem o pescoço?

– Não! – ela se aborreceu com minha ignorância. – Não precisa morder. Eles sugam a energia da gente.

– É verdade, tem gente que se aproveita dos outros...

– Não é disso que estou falando! Estou falando de dreno de energia. Sabe o que é isso?

– ... Não...

– Não tem gente que te suga? Que te deixa exaurida?

– Hum...

Fiz uma cara de dúvida. E ela:

– Mas agora eu aprendi a me proteger. Eu via que todos os que lidavam com aquele paciente estavam ficando doentes... Médicos, enfermeiras... Todos! Aí resolvi me proteger. Agora só lido com ele com a mão esquerda.

– E funciona?

– Claro! Ele só pode sugar a energia da gente pela mão direita. Se eu não encostar a mão direita nele, estou protegida.

– Ah!

– Tem uma senhora no meu prédio que também é vampira. Ela era viciada em psicotrópicos e dormia o dia inteiro. Mas quando estava dormindo saía do corpo e ia nos apartamentos dos vizinhos.

– Ia?!

– Um dia percebi que ela estava no meu apartamento. Eu estava vendo TV, distraída, e de repente senti a presença dela.

– Como você percebeu?

– Ora! Como que um cego percebe quando tem alguém na sala com ele? Foi assim, do mesmo jeito. Eu sou sensitiva. Mas na hora em que eu senti a presença dela, peguei o desodorante e fiz assim: tsschhhhh! Bem em cima dela!

Encenou o gesto, empunhando um desodorante imaginário e dando uma sprayzada com o indicador. Arregalei os olhos:

– Puxa!

– E sabe o que ela fez, na hora que eu taquei o desodorante nela?

– O que que ela fez??

– Ela mora bem em frente do meu apartamento, a janela do quarto dela dá pra minha sala. Ela abriu a janela do quarto e deu um grito assim: AAAAAAAA!

Gritou bem alto. Arregalei mais os olhos. Algumas pessoas que passavam diante do stand nos olharam, curiosas.

– Depois, quando encontrei ela no corredor do prédio, sabe o que aconteceu?

Eu ia arriscar o palpite de que a tal senhora estaria com cheiro de desodorante. Ainda bem que eu não disse essa bobagem. Ela explicou:

– Quando ela passou por mim no corredor do prédio, ela gritou de novo: AAAAAAAA! Ela lembrou que fui eu quem jogou o desodorante nela...

– Que coisa...

– Pois é. Desde aquele dia ela mudou completamente. Agora ela acorda cedo e vai à igreja todo dia. A igreja lá dela... porque é católica fanática.

Eu diria “fervorosa” em vez de fanática, mas é questão de vocabulário. Concluí:

– Ainda bem que você tinha um desodorante à mão...

– Pois é...

Com esta conclusão filosófica ela se foi, que a Bienal era grande e havia muitos stands a visitar. Mas não deve ter ido à sessão de autógrafos de Um Vampiro atrás de Porta.

sábado, 4 de outubro de 2008

Das eras, das feras e dos monstros interiores


Entre milênios espremidos em minutos
eras que se passaram em horas
no espaço imutável de um segundo
guardei aquele olhar dentro do meu
aprisionei-o e o trouxe comigo;
às vezes minha cruz mais pesada
em outras meu único abrigo
das acusações que me faço
sem me defender;
não peço nunca clemência
nem estou disposto a oferecer.
Último voluntário da pátria
sigo esbarrando nos ombros
dos que não me vêem
que não sabem onde guardo
meus tesouros e escombros
Dou de beber aos filhotes da minha loucura
crias gordas e sadias
rainhas, cadelas, vadias
percussoras da minha crucificação diária
último pária
seguindo sozinho em busca do horizonte
bebo o fel da fonte
do amargo lembrar
do rememorar
auroras de perdidas cores
de vários festins
e difusos amores
Aos séculos e seus sagrados segredos
respondo que ainda persisto
e apesar das derrotas e dos meus medos
não acenderei a candeia que eliminará a escuridão
no meio das sombras danço
mas o coração não acalento:
eu o picotei em pequenos pedaços
e o cozinho em fogo lento

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

funarte e fac (df)

prorrogada a inscrição para projetos de literatura na funarte para 20/10. tem proposta tb para crítica literária. será que o BDE será aprovado?

o fac (fundo de amparo à cultura) de brasília tb está com as inscrições abertas até 3/11/2008. é a única e real oportunidade de sermos publicados sem financiarmos a obra.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O encontro


Como é estranho
O que sinto no coração
Sem medo e sem culpa
Vivo cada vez o amor

Nossas almas se misturam
A cada encontro
E nos perdemos num mundo
Que é só meu e seu

O tempo não existe para nós
A distância não separa
O compromisso aumenta a saudade
Sendo cada reencontro uma alegria

Amor,eu sei que o nosso tempo não é o bastante
Mas, saiba que sempre estarei com você
E que o meu amor não tem fimIsso nunca terá fim....