segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

CASMURRO

teu dia chora
a inexata geometria
das horas

pulsam cavalos de
poeira nas veias tuas
impolutas e
secas

civiliza teus ossos!
que confluem pela pele
dando-te aspecto
de ave de rapina

encerrada
enegrecida...
pelos adeuses não dados
por amores
não vividos

.

domingo, 30 de dezembro de 2007

Convidada: Jessiely

Entre as mãos

Vejo a borboleta
Que perdeu o rumo
Entre as promessas
(des)feitas.

Resignada
Ao fim
Em idade tão tenra
Ela ainda
Oferece à vida
A cor intacta
Da alma.

Vã oferenda

A vida detém as cores
E almas
furtivas
Tão ou mais coloridas
Que a dela, sutil
E já desfeita.

Só não tem
O detalhe
infinito
Da paisagem
Que desenhaste
No foco
Do meu olhar

Nas mesmas ondas
Que todo mundo

Que beija a areia
E apaga os beijos
Ao retornar

Tu d(escreves)tes
Um caminho
traçado
contínuo
Ao segurar minha mão

Nossos passos
Não ficaram
Mas a vida
Tingiu meus pés
Despitou segredos
Confessou sua razão.

O amor deixa suas cores
A vida se esvai
Mas as marcas que o mar
Não carrega
A brisa traz
escondida
Entre as mãos.

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Jessiely - Em 5 de dezembro de 1984, nasce mais uma Paraibana, Amélia Jessiely Soares Bento, filha mais velha do casal Maria das Graças e Jefferson.
Escritora desde os 10 anos, quando suas poesias passaram a ser difundidas no ambiente escolar, feito que lhe conferiu notoriedade entre os educadores. Assim sendo a paixão pela arte, começou a fluir.
É apaixonada pela arte, sobretudo pela poesia. Blog

sábado, 29 de dezembro de 2007

O sopro de Deus


Como um vendaval

Um sopro de deus

Entrou em minha alma

Para tirar toda a poeira

E iluminar os cantos escurecidos


Como um suspiro

O sopro de Deus

Encantou o meu ser

Com suas doces ventanias

Ao pé do meu ouvido


Hoje, tudo o que eu sei

Ei de seguir

Num singelo sopro de Deus

Que invadiu a minha alma

Na mudança do meu destino

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Natal Brasileiro

Fui convidado a participar deste blog a dois meses, mas não havia me apresentado desde então. Na época fiz uma cirurgia na retina e fui proibido de mexer com o computador. O primeiro texto foi postado pelo próprio Giovani, o segundo pela minha esposa. Finalmente postarei pessoalmente, garantindo tb que passearei com carinho pelas obras dos outros colegas.
Bom, já passamos do Natal, mas creio que ainda é tempo de uma leiturazinha temática...
A propósito: a cidade em que me baseei para escrever a história é São Lourenço, uma estância no sul de Minas.


Atravesso as montanhas e chego a singela vila interiorana. Localizada a menos de uma centena de quilômetros da capital, a pequena cidade era o grande refúgio dos estressados habitantes da metrópole. Era uma estância hidromineral e suas águas eram procuradas para os mais diversos fins.
Era época de Natal, e minha intenção era justamente entregar presentes às crianças carentes do lugar. Embora a capital também estivesse repleta de pessoas nessas condições, queria aproveitar a ocasião para usufruir do clima e das belezas de Lagoa Funda.
Após hospedar-me em uma pousada no centro da cidade, fui passear pela praça principal, enfeitada de pinheiros decorados que contrastavam com os ipês e jacarandás nativos; milhares de bolinhas de isopor estavam espalhadas nos canteiros, a imitar flocos de neve. Pelas lojas, papais noéis sentados, à procura das crianças e, por tabela, dos pais que receberam o 13°. Próximas ao parque, charretes coloridas transportavam turistas, ávidos também para conhecerem as centenas de lojas de artesanato e lembrancinhas.
No dia seguinte à minha chegada, conheci um guia-mirim, Lucas. Como trouxera muitos presentes, resolvi lhe entregar um. Mas pensei em fazer isso na sua própria casa, até para conhecer melhor as pessoas e costumes do lugar. Combinamos que eu passaria lá no final da tarde, já que Lucas trabalharia durante o dia acompanhando os turistas. Por outro lado, eu também passaria o dia entregando os brinquedos em um orfanato.
No início da noite, entrei na tortuosa rua calçada de paralelepípedos; não estava tão bem conservada, certamente por estar localizada na periferia e não ser passagem freqüente de turistas. Achei a casa do garoto sem dificuldades: ele me esperava no portão.
Estava sozinho. A mãe rezava na igreja, o pai, ainda trabalhando, e os 3 irmãos na casa dos vizinhos, onde ele também estaria se não estivesse a minha espera.
Após entrar na casa e me sentar no sofá, abri a sacola e lhe dei o presente. Apesar da impetuosidade de seus 8 anos, abriu o pacote com cuidado (certamente para usar o papel de presente em outra oportunidade) e passou a admirar o boneco de um Papai Noel de pano, vestido com seu casaco vermelho e conduzindo o trenó com a ajuda das renas. O trenó possuía pequenos pacotinhos, como se fossem presentes.
“Renas, casaco de frio, trenó?” Deve ter pensado o garoto, num instante de reflexão que, confesso, nem eu, como adulto, tivera. Apesar da inconfundível simpatia desse símbolo, o Papai Noel naqueles trajes, com aqueles animais e conduzindo um trenó não parecia combinar com o que se via pelas ruas do nosso país.

— É bonito. — respondeu-me afinal — mas meu Papai Noel é outro.
— E qual é? — perguntei, espantado.
Ouvindo um barulho na rua, ele pegou-me pela mão e me puxou para fora da casa. Próximo ao portão, apontou-me alguém e me disse:
— É ele.
Era seu pai, vestido com uma surrada calça e camisa social meio aberta; conduzia uma colorida charrete de turistas, guiadas por dois cavalos sem raça definida. Na pequena carroça, algumas sacolas imitando presentes: na verdade, o alimento do dia.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Algumas cartas - Série O Carteiro

Do Mendigo

E neste momento um mendigo corre descalço pelas ruas procurando abrigo contra a forte chuva. Encontra um restaurante aberto e entra. O garçom pede para que ele se retire, mas o homem não aceita e considera isso uma ofensa. Acaba sendo expulso por dois outros funcionários. Encontra um botequim aberto e lá pelo menos ele pode sentar em uma mesa quase na calçada e escrever para a família que não vê há três anos e meio. Conseguiu papel e caneta pedindo na porta de uma escola aos alunos que saíram mais cedo da aula. O Carteiro ao abrir o envelope umedecido pela chuvarada que caiu agora pouco vai ler que o mendigo mentiu para a família dizendo que está bem, que sente saudade do filho Gabriel de seis anos, que a empresa de enlatados está crescendo, que logo ele estará de volta e a família se mudará para uma casa melhor, com piscina e um grande jardim coberto para proteger as flores contra dias de chuvosos como esse.

De Regina

O envelope de Regina era perfumado:

“Não amo mais você. Cansei de esperar o seu egoísmo perceber que eu sou a mulher da sua vida. Por muito tempo eu chorei feito uma louca, sofri feito uma condenada. Agora não mais. Não quero ver você tão cedo, seu idiota. Espero que alguém faça você sofrer tanto quanto você me fez. O meu amor era verdadeiro e ainda seria se você mudasse de idéia. Adeus. Vou mudar de vida, com você eu fui a mulher mais burra do mundo. Deixei que você morasse em minha casa...Canalha.Saiu sem ao menos se despedir.”

O Carteiro não se sentiu comovido com a carta da mulher abandonada pelo namorado. Talvez se sensibilizasse caso soubesse que em algum lugar da cidade Regina estava sentada no chão de seu quarto. A televisão ligada, a luz do banheiro acesa, uma garrafa de vodka pela metade, vário comprimidos sobre a cama e uma gilete na mão. Pronta para cortar os pulsos.



mais sobre o Carteiro

A quase infância

Quando chegar o verão

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

VILANCETE:TRANSBORDANDO

[Fonte Foto]


No seu âmago permaneço
Bebo deste vinho tinto
Quando transbordas, eu sinto!

O teu vapor se condensa
Ligeiro...voltas ao sóbrio,
Banhas com sangue notório
A cama da inconsciência,
Sem saber da conseqüência,
Mergulhas no meu recinto
Quando transbordas, eu sinto!

Caímos no denso desejo...
Lembra do sonho insensato?
Gosto do estilo arriscado
Deste futuro imperfeito.
Viajo nesse seu jeito,
Com o pavio tão distinto,
Quando transbordas, eu sinto!
.
Recitado no Sarau do dia 16/12/2007 de Flavia Valente e Jairo Alt

domingo, 23 de dezembro de 2007

Um feliz e próspero Natal a todos...

Segundo o Informe da ONU sobre o Desenvolvimento, citado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, o conjunto da riqueza dos 358 maiores “bilionários globais” resulta no mesmo valor que a “renda somada dos 2,3 bilhões mais pobres (45% da população mundial)” (1999: 78).

Já Victor Keegan complementa que “se os 358 decidissem ficar cada um com US$ 5 milhões para se manter e distribuir o resto, praticamente dobrariam a renda anual de quase metade da população da Terra. E os porcos voariam.”

Um feliz e próspero Natal a todos...

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

KEEGAN, Victor. “Highway robbery by the super-rich”, The guadian, 22 de julho de 1996.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Caiçara

teus olhos vêem peixes
saltando das águas
no bordado das luzes onduladas
feixes de cardumes
entre as réstias de ouro e prata
marulhada obsessão
lançando-se contra as rochas.

meus passos, na condução fluídica
de barco onírico
preso em bancos de areia
não deixam trilha, apenas marcas
de partículas salinas
confundindo-se com lágrimas.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Convidada: Soninha Tarja Preta

Entre bichas mártires e bichas-vitrines.
Ontem, ao ver uma festa gay de grande proporção, fiquei imaginando o significado político daquela confraternização. Sim, minha amiga obtusa, eu sou uma bicha pretensiosa e prolixa, não vou falar das abobrinhas típicas da bicharada aqui e se quer isso, é melhor continuar lendo a Caras. Não serei engraçada neste artigo. Foi em uma festa dessas, inimagináveis há uns 20 anos atrás, que presenciei um dialogo conflituoso entre uma vazia bicha vitrine e uma bicha mártir.
Antes de qualquer coisa, deixe-me definir a bicha vitrine: é aquela que não tem individualidade própria, sua personalidade é uma construção de referencias externas, de tendências impostas e prontamente assimiladas. É aquela biba que vive produzidissima, preocupada em ostentar grandes marcas e as ultimas tendências da sociedade de consumo. Ela é vazia, fútil, mas bonita como uma mercadoria na prateleira deve ser. A bicha vitrine logra em ter a disposição liberdades individuais que o mundo liberal supostamente criou. Um mundo onde ela pode consumir livremente, ser respeitada enquanto “Pink market” e ficar em seu gueto feliz com seus cosméticos.
Já a bicha vitrine foi aquela que deu a cara à tapa. Não ao tapa da esteticista, mas ao tapa da policia, dos pastores e dos opressores costumeiros. Foi a que enfrentou os militares e os códigos reguladores. Estas foram encarnadas na travesti endiabrada, na passiva despudorada, na bicha intelectual, no cantor desavergonhado, no ator surubeiro. Essas bichas merecem aplausos. Foram as mártires que pavimentaram o caminho onde as bichas vitrines hoje dançam “tribal house”, felizes com suas roupas de marca.
Mas voltando ao dialogo conflituoso: Uma bicha vitrine, na arrogância dos seus vinte e poucos anos, reclamou que uma quarentona estava olhando para ela.
_ “Que foi tia? Ta com inveja da minha beleza? Não tenho culpa da senhora estar velha e derrotada!”.
_ “Ta doida?” – disse a quarentona. “Eu estava olhando para a sua blusa...”.
_ “Paciência, meu bem”. É Diesel, e eu não tenho culpa da senhora não ter dinheiro para comprar uma. Deve estar gastando muito com o seu convenio médico, né?
A partir daí, não houve mais dialogo. Adorei quando a quarentona, em autentica e valorosa revolta, deu um estrondoso tapa na cara da petulante bicha vitrine. Como diz Raoul Vaneigem: “Não renunciarei a minha parte de violência”.
Sim. Não vale a pena debater com gente obtusa, presa a superficialidades e vazias de conteúdo. Quem tem a aparência física como única referencia só vai entender a dor física como argumento e o tapa da quarentona foi perfeito. Minha amiga obtusa, se você acha que estou fazendo apologia da lesão corporal e da agressão física, o problema é seu, mas que achei a quarentona perfeita, eu achei.
Por isso bibas vitrines, aproveitem seu delicioso mundo de consumo e hedonismo, se reúnam apenas para dar close e fazer carão nas festas. Esqueçam a participação política e o exemplo das bichas mártires. Sim, no mundo dos shoppings e das raves, é feio pensar que antigamente as bichas eram queimadas, mortas, torturadas e internadas em hospícios. Esqueçam das bibas que peitaram o Opressor, que questionaram o Status Quo, que pagaram com a vida pela audácia de serem diferentes e de lutarem pelo direito de exercerem “o amor que não ousa dizer o nome”. Consumam, consumam e consumam! Deliciem-se com o território supostamente livre que o Opressor lhe oferece, desde que você compre os produtos dele e pense de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Poder Midiático Capitalista. Narcotizem-se com as drogas da moda e dancem ao som da diva pop-star do momento. Esqueçam que o fantasma da Teocracia, da Homofobia e da Intolerância ainda continua existindo além das portas das butiques.
E quando estes fantasmas radicalizarem suas posições e tentarem entrar na sua casa, não haverá mais um bicha mártir para lhe socorrer. Nas celas do opressor, não há espaço para perfumes Gucci e a festa de tribal house vai acabar.
Ah, amiga obtusa! Antes que você me pergunte, não era eu a quarentona e se eu fosse ela, alem de ter dado um tapa na cara da bicha vitrine, ainda rasgaria a blusinha da Diesel dela...
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Soninha Tarja Preta
Ex-intelectual, ex-punk, ex-jet setter internacional e locomotiva socialite, não usa roupas de marca, se recusa a comprar qualquer coisa que seja publicada como “must have” e o único interesse no mundo da moda é em dar o cu para os modelos. Crítica, companheira de armas em vários grupos insurgentes anarquistas e revolucionários, odeia frases feitas e pensamentos únicos. Lamenta que muitas bichas viraram objeto de decoração e consumo. soninhatarjapreta@hotmail.com
http://www.manifestomix.com.br/

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Alguma coisa.

Distante acena o sono aos meus olhos e ficam preguiçosos os pensamentos.
Um certo ar de quem morre folheia-me o corpo um certo ar de quem dorme,
Ah... Este maltrata a alma. Tortura é forte atributo ao filho da puta do sono!
Ingrato que me arrebenta com a mente e confusa escorro sem saber se dia ou noite.

Subo aos céus em busca de uma fumaça, na goela falta o vício, sufoco-me.
Poeta de nada que valha risco o isqueiro sem pedra, queimo sem fogo.
Escuros estão meus desejos, em meus olhos estão saudades. Morta pareço viva.
Tenho fome, sede, frio. E a fome dos que morrem nas ruas é outra mais fria.

O sexo a um canto nos anos pendurados sobressai a gozo e riso,
O café esfria, a xícara já não tem asa e voa o infinito - lábios cerrados.
Já não há vinho, tinto ou branco é o passo passado na calçada da vida.
Só granizo sem ser gelo acompanha meu furioso silêncio.

Bato a porta de minhas idéias, mordo a língua para esperar o amanhecer.
Vermelho sorri endiabrado o sono fugitivo. Incendeio papéis. Solto a louca.
Do fundo vejo a criança sorrindo, a mulher gritando, a senhora chorando...
Alguém sabe de alguma coisa? Perdi a lição número oito ou tropecei no sete?

Olho a cinta liga, nada liga o que desligado foi do coração pela chaminé aorta.
Janelas bandeiras sorriem ao dia um crepúsculo intermediário aos meus saltos.
Saio de mim. Visto saia, rodo um fetiche no colchão e soletro desumanidade.
Preciso beber um vidro de tranqüilizantes e comer a bula para suportar tanta miséria.

Indecente, na esquina, um filósofo esperneia ou come uma galinha sem penas,
Desovam mariposas e toda semente vai liquidada para o lixo virar manchete.
Sem drogas, drogada pela hipocrisia de poucos (e são muitos!), estremeço cruzamento.
O cúmulo da vida cabe na insônia. Atenta penso: e esta porra toda tem jeito.


Eliane Alcântara.

***

A todos os que de alguma forma fazem ou fizeram parte da minha vida
desejo Feliz Natal e Novo Ano abençoado.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Orvalho de Lágrimas

A janela aberta
Liberta a brisa
Que traz sentimentos escondidos,
Sufocados como um brado
De lugares mais longínquos.

Viaja pelas colinas,
Mergulha fundo em rios
E chega como chega um navio
Há muito perdido
Num porto amigo.

E faz frio.

Como se nessa noite chovesse,
Mas o céu sem nuvem
Parece junto aos prédios
Estar bebendo e sorrindo.

Faz frio,
Não da noite quente
Que se espalha pela cidade recifense.

Mas o frio
Do orvalho das tuas lágrimas
Que entram pela janela
E me abraçam dormindo.

André Espínola

sábado, 15 de dezembro de 2007

E ATENA INVEJOU AFRODITE.

Era loira – e estonteantemente bela.

Como se isso não bastasse, a sapiência transpirava por todo seu ser. Seus neurônios espoucavam, impacientes, a cada aprendizado.

Era um colosso no mundo acadêmico e até mesmo nos assuntos carregados de empirismo.

Campeã imbatível nos concursos públicos, revelava extraordinária habilidade na gestão empresarial, na administração enxuta, nos tratados de ciências, nas dissertações filológicas. Tinha invejável destreza na condução coerente da sua vida profissional. Era metódica, disciplinada, prudente.

Foi tida como uma Atena contemporânea.

Assimilava conceitos e os processava de forma espantosa. Sabia geri-los com maestria, engendrando formas e métodos para conduzir sua vida.

Foi juíza, presidente de organizações societárias, diplomata em países de difícil trato; teve trajetória brilhante na política, nos assuntos ocultos de Estado, vasculhou com sucesso e salvas o universo científico, corporativo, fez articulações nos fóruns mundiais em suas prementes decisões de esfera global.

O mundo não lhe reservava segredos nem entraves.

Porém...

Estremecia diante dos homens - seu calcanhar de Aquiles.

Não obstante ser bela, inteligente, ativa em todas as áreas de atuação humana - era um grande desastre na condução dos flertes, dos amores que florescem nos encontros fortuitos dos corredores, no cair dos livros e papeletas, nas esquinas, nos hotéis, restaurantes e coquetéis

Sobre a cama, amargava toda a insatisfação muda, discreta, do parceiro, nos epílogos das transas cheias de frustração, paupérrimas de atrativos, sem as riquezas das preliminares, dos acessórios imaginativos do erotismo, do jogo da sedução, do atingir o mais franco e intenso orgasmo.

E sofria, dentro da toga e da profunda ilustração que abarrotava sua mente, buscando num frenesi os segredos da arte de envolver-se, de amar, de atingir a plenitude afetiva, perdida no acervo vasto da memória, entre fórmulas, enunciados, divagações de domínio científico, jurídico, biológico, nas extensões surpreendentes dos neurônios ocultados pelas madeixas loiras, pelo rosto rosado, pelos olhos verdes.

E Atena invejou Afrodite, como outrora Afrodite invejara Atena.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Loucos















____________

O cérebro
sangra
e desaba
em cataratas
vermelhas

Turvando a vista
a nada mais ver
e o tudo é nada
e um nada
a haver

Se me vestem
de branco
e me amarram
não perdi
a razão

.................

Loucos
todos que impedem
que arranque
ao próprio peito
o coração

Mui loucos
os que fazem
que inda deva
respirar
sem convulsão

E mais loucos
os que decidem
que não possa
extirpar
a inútil emoção

____________

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

A Tristeza


ah, tristeza
vem ver o mar
vem se afogar
nas águas
desses olhos
castanhos...

ah, olha só
que tenho feito
da vida
a despeito
do teu corpo
moreno...

vai, e colha
teus sonhos
plantados
e aguados
em adubos
estéreis...

vai, mostra
tuas garras
afiadas e
agarradas
em barris

de aguardente...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Convidado: L Rafael Nolli

Balada homicida
É preciso matar o vizinho com um tiro de fuzil,
antes que ele compreenda os textos sagrados
e venha, como irmão, a seu lar,
comer do seu pão e beber do seu vinho.
É preciso degolar os amigos,
ou enforcá-los em seus cadarços
(eles não usam gravatas),
antes que eles entendam Marx,
decretem o fim da era dos desiguais
e venham exigir que você participe do combate,
deixando para trás sua coleção de tampinhas
de refrigerantes
e de caixinhas de Malrboro.
É preciso matar os homens
– contrariando Drummond –
antes que eles entendam a poesia que há nas coisas
e comecem a distribuí-la em seus gestos diários.
Assassiná-los antes que liguem para a sua casa
e convidem-no para ver a lua
ou um mosquito de Proust,
retirando você de seu conforto militar, remediado.
É preciso se matar, sobretudo se matar,
antes que a vida se refaça no interior dos lares
e a alegria volte a corar a face dos homens:
antes que eles se compreendam, venham à sua porta
e a derrubem, por acreditarem-na obsoleta.


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L. Rafael Nolli nasceu na cidade de Araxá no ano de 1980. Esteve entre os fundadores do Coletivo Nemo, que tem por objetivo uma nova discussão socialista, através da análise das obras de Nietszche e Marx. Tem poemas publicados em diversos jornais e blogs especializados. Seu primeiro livro de poemas, Memórias à Beira de um Estopim, foi lançado no ano de 2005 de forma independente. Atualmente, é estudante de Letras e prepara monografia sobre literatura na Internet.

domingo, 9 de dezembro de 2007

PEQUENO CONTO NADA NATALINO


Foi contratado para ser o Papai Noel de uma família classe média. Animaria a criançada surgindo da chaminé, gritando “ho ho ho” e distribuindo os presentes, em geral lembrancinhas, bem ao espírito mesquinho dos natais de hoje em dia. Como estava na de pior, aceitou.


Na véspera de natal, roupa vermelha, barba postiça e saco nas costas, lá se foi ele em direção a casa combinada. Mas anotou o endereço errado e desceu pela chaminé da casa ao lado. Estava vazia. Papai Noel foi seduzido pelos eletrodomésticos que decoravam a casa. Dariam uns bons tostões na mão de um receptador que ele conhecia. Esvaziou o saco de presentes, encheu-os com o que pode carregar. Teria um natal muito mais sortido do que o último. Não esqueceu de levar um ursinho de pelúcia para a filha e um carro de controle remoto para o moleque, seu xodó. Corroído pelo remorso, mas vencido pela tentação que o consumismo da data impunha, deixou os presentes para os que estavam ausentes, acompanhados por um bilhete. “Papai Noel esteve aqui. Feliz Natal!”


As crianças da casa ao lado deixaram de acreditar em Papai Noel, que os decepcionou, esquecendo-se deles que foram bonzinhos durante todo o ano. A menorzinha jurou que tinha visto o Bom Velhinho no telhado dos vizinhos. Papai Noel recebeu nota zero em comportamento naquele natal.

sábado, 8 de dezembro de 2007

O Homem de Boa Vontade




– Está bem –, disse o Diabo. – Você venceu. Eu dou o que você quer.

– Venci o quê? E por que você acha que sabe o que eu quero?

O Demo parou de lixar as unhas e sentou-se sobre a tampa da privada. Olhou fundo nos olhos do homem.

– Eu sei –, garantiu.

Justo desviou o olhar. Suspirou e enxugou as mãos sem pressa, com gestos precisos e lentos. Lentos demais, como é do feitio dos justos.

– E o preço, claro, é a minha alma?

– Justamente –, o Demônio concordou, enquanto examinava as unhas com atenção. E viu que estavam bem aparadas e lisas, e viu que aquilo era bom.

Cruzou as pernas, apoiando o tornozelo direito sobre o joelho esquerdo. Começou a lixar o casco e logo parou:

– Não tem uma lixa mais grossa?

Justo suspirou e tirou da gaveta um pedaço de pedra-pome que entregou ao Belzebu, desprendidamente. Teria que comprar uma pedra nova para sua mulher, não queria que ficasse dividindo com Satanás objetos de higiene pessoal.

Preparou-se para ouvir a proposta.

Mas sabia com serena certeza que nada neste mundo faria com que se rendesse ao Coisa-Ruim. Nada almejava: nem fama, nem riqueza. Saúde tinha de sobra. Se a perdesse, paciência. Um dia a saúde se vai, mesmo, para todos os seres vivos, está escrito, maktub.

Nem a posse do corpo da mulher amada, nem dominar todo o conhecimento da humanidade, nada seria tentação suficiente para ceder um milímetro em suas convicções.

Nem a imortalidade, que sabia que não lhe seria oferecida: afinal, como o Diabo poderia reclamar o que lhe é devido, se os vendedores de alma parassem de morrer? Mas não, nem isso ele aceitaria: não trocaria a Vida Eterna pela imortalidade.

O Tinhoso jogou no lixo a lixa, que caiu ao lado da lixeirinha de junco, sobre o piso de ladrilhos em cujo desenho se encaixou com perfeição, como um detalhe que o designer se esquecera de acrescentar naquela antes quase perfeita geometria e agora, por fim, completa.

– Fala! Diz logo o que você acha que eu quero! –, exasperou-se o homem, nu, porque no momento em que o Senhor das Trevas se materializara em seu banheiro tinha acabado de abrir a porta do box para um chuveiro rápido.

Pensou que se as torneiras ficassem na parede lateral seria bem mais sensato... Não precisaria molhar as mãos ao abri-las, antes de a água se aquecer. Seria muito melhor, ainda que os canos tivessem que percorrer um caminho mais longo e provavelmente tortuoso.

O Capeta examinava com ternura a pedra-pome:

– Isto veio lá de casa...

– Sim, sim, é pedra vulcânica, é lava. Eu sei. Pode levar de volta, é sua!

E como o Coisa-Ruim não se decidisse a falar, concentrado que estava em alisar o casco, Justo pressionou-o, abrindo os braços:

– E...?

– Não adianta. Preciso de uma lima.

Satã guardou num bolso interno da capa escarlate a pedra que lhe pertencia.

– Não tenho lima! –, exasperou-se o homem de boa vontade.

Começava a compreender o poder da criatura infernal. Estivera a ponto de perder a paciência. Controlou-se:

– Já aviso que não quero nada.

– Ah, quer! Quer, sim! E quer muito!

Pelo vitrô, vinha o som de musiquinhas natalinas, da casa do vizinho.

– Tá. E como você sabe o que eu quero?

– Você disse ontem, no bar. Eu ouvi.

O homem se viu sem palavras, ali, no meio do banheiro iluminado pela luz avermelhada da tarde de verão, nu enquanto o sol se punha. Não se lembrava de ter dito nada a ninguém sobre desejos ocultos, vontades, apetites, anelos, aspirações inalcançáveis. Era um homem discreto, pouco expansivo, no bar apenas sorria sobre o copo, enquanto os amigos falavam, riam, xingavam-se alegremente.

– Diga logo, então, que inferno! O que eu quero, afinal?

– O que todo homem de boa vontade quer –, replicou o Diabo, faceiro, orgulhoso por ter levado aquele homem a praguejar. E diante das sobrancelhas intrigadas do interlocutor, acrescentou, quase levianamente:

– A paz na Terra.

O homem bom ficou mudo diante da oferta. Depois de instantes, balbuciou:

– Você pode conseguir a paz na Terra?

– Claro. Se não pudesse outorgar o que ofereço, eu não estaria aqui. De que me adianta fazer uma oferta que não posso cumprir? Se eu não entrego o produto, e tudo direitinho, de acordo com as especificações registradas nas linhas tortas deste documento (exibiu um pergaminho enrolado que retirou de outro bolso da capa cor de púrpura), você não me deve nada... E não me paga, certo? O que aqui está escrito, maktub, será o nosso trato, justo e contratado.



Pela janelinha do banheiro, Justo viu o sol rubro de dezembro reproduzir com perfeição a íris dos olhos do Anjo do Mal, que lhe lembrou:

– Você disse que daria tudo, que daria qualquer coisa que estivesse ao seu alcance para conseguir a paz entre os homens.



Diante do silêncio de Justo, o Demo elaborou:

– Todos dizem isso, mas é da boca pra fora. No seu caso, eu sabia que estava ouvindo um homem de palavra. Pensa que não me informo? Lúcifer sabe o que faz.

O homem de palavra continuou sem palavras. Mas que presunção, a daquela criatura!, pensou.

– Não dou ponto sem nó –, concluiu o Canhoto.

A oferta era insuportavelmente tentadora. Justo sabia disso. O Diabo sabia também.

Era uma pechincha, era muito barato. Só uma alma, uma apenas, em troca da Paz no mundo? Uma só alma: justamente a dele!

Justo aceitou. Rendeu-se sem arrependimento.


– Todo homem tem seu preço –, filosofou Satanás, enquanto saía, contrato enrolado na mão direita, assinado com sangue bom; mão esquerda coçando um chifre, na perplexidade que sempre o acomete depois de concluir um negócio.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Neo


A gangue de carecas, munidos de socos-ingleses, correntes e canivetes, adentrou, abruptamente, a loja de sapatos. Ariosvaldo, o vendedor, pensou em esquivar-se, contudo, era a hora do almoço dos demais funcionários, estava sozinho na loja. Receoso, foi atender os clientes.
- Pois não? - disse para o mais alto, que exibia uma cruz suástica na testa e parecia ser o líder.
- Tem coturno aí, paraíba?
- Não. Mas temos ótimas botas de couro cru. São bastante confor...
- Botas de couro cru você enfia no seu cu, seu paraíba filho da puta!
- Olha, moço. Eu tô trabalhando. Não quero confusão.
- Vai tomar no cu, porra! Vocês são escória! Vermes! Tomam nossos empregos, sujam nossa cidade, comem nossas mulheres, infectam nossa raça com o sangue ruim de vocês. Têm que voltar pro Nordeste que é o lugar de miseráveis como você! Mas você não vai voltar, porque vamos te quebrar aqui mesmo. Será menos um.
Os neo-nazistas, brandindo suas armas, investiram contra Ariosvaldo, que, de um salto, refugiou-se atrás do balcão, do qual saiu de peixeira em punho e chapéu típico nordestino. Parecia um cangaceiro egresso dos filmes de Lampião e Maria Bonita. Os carecas, ante a visão daquele Virgulino de cara amarrada e olhar decidido, estacaram por alguns segundos. Foi quando prorrompeu o grito de guerra do líder:
- Matem esse paraíba!
A gangue arremeteu, furiosamente, contra Ariosvaldo. Apesar de extremamente desigual - eram dez contra um - o combate foi renhido. Ariosvaldo, qual um gladiador solitário lutando contra leões vorazes, movimentava sua peixeira com agilidade, desferindo golpes precisos contra seus oponentes. O líder, que encabeçava o ataque, foi o primeiro a tombar, com o bucho trespassado pela peixeira de Ariosvaldo. Outro golpe, outro careca ao chão, o sangue esguichando, aos borbotões, do pescoço degolado. Ariosvaldo ainda derrubou mais três, antes dos demais debandarem. Postado à entrada da loja, rubro do sangue de seus opositores, peixeira em riste, entre gargalhadas eufóricas, Ariosvaldo gritava:
- Voltem, seus cabras frouxos! Passo vocês todos na peixeira! Voltem!

Carlos Cruz - 01/12/2007

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

A bunda de Darwin

O Brasil é um país maravilhoso por abraçar as diferenças raciais com naturalidade.
Eu estava na fila do cinema quando vi, um pouco à frente, um casal diferente. Ela de traços orientais. Olhos puxados, pele amarelada, cabelos negros escorridos, peitos semelhantes a ovos fritos e ausência de bunda. Ele de traços africanos. Pele cor de ébano, lábios grossos, nariz achatado e bundão.
Achei engraçados os dois traseiros ladeados.
Atiçou-me a curiosidade. A mesma curiosidade que teve Darwin ao desembarcar em Galápagos e observar as diferentes espécies de animais.
Lá, em Galápagos, ele desenvolveu a Teoria da Evolução em que, na luta pela vida, os organismos desenvolvem características que favorecem a sobrevivência da espécie. Assim a girafa alongou o pescoço para alcançar as folhas mais altas das árvores e o camelo dos desertos, para armazenar água, consegue beber até 120 litros de água de uma única vez. Nenhum destes animais estava em Galápagos como o filme que eu veria pouco depois também não se passava naquela ilha.
Aquelas bundas e a teoria da evolução me fizeram refletir que, lá no passado distante, a cópula humana devia ser como a dos outros quadrúpedes, naquela posição em que Napoleão perdeu a guerra.
E se o oriental, é o que dizem, tem um bilau pequeno então a fêmea oriental de geração em geração, teve sua poupança diminuída para que houvesse a fecundação.
Por outro lado, isto é, pelo mesmo lado, o traseiro, as fêmeas africanas, com o passar das gerações tiveram sua poupança aumentada para evitar as espetadas doloridas das enormes – é o que dizem – espadas africanas.
Coitada daquela japonesa namorando o negão.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Se num sesse!

.
Se um dia eu acordasse
e nesse dia me descobrisse
num mundo onde a bebida tudo acabasse
e não mais se fabricasse
(onde a cerveja num gelasse
e o whisky num existisse)
e se no congresso passasse
um projeto que tramitasse
(e os anti-tabagista vencesse)
e então se proibisse
que meu cigarro eu bolasse
que meu cigarro acendesse
que meu cigarro tragasse
e depois que eu tossisse;
e embora direito eu não pagasse
(por quebradeira, não sovinice)
se meu bolso se arriasse e as puta toda fugisse

Talvez então eu prometesse:
que bêbado não mais dormisse
que chumbado não mais lesse
esse poema “Ai se sesse”*
pros pesadelo não me acudisse

* Paródia ao belo poema do poeta Severino de Andrade Silva (Zé da Luz), nascido em Itabaiana, PB, em 29/03/1904 e falecido no Rio de Janeiro-RJ, em 12/02/1965

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Fixação

Por facas

armas de fogo

e dentes de tubarão.


Por merda

pus e catarro

e toda e qualquer secreção.


Por cus

bucetas e falos

e órgãos de reprodução.


Por luz,

bíblias, sudários

e formas de salvação.



Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves


sábado, 1 de dezembro de 2007

Momento final

Momento final

no momento final
na hora serena
cerrarei os olhos
e, sorrindo, perguntarei:
- valeu a pena?