segunda-feira, 30 de abril de 2007

GOELA SEDE: A GUERRILHA CANGAÇO (OU VISÃO POEIRA)

(Por Oswaldo)


“Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca”
(João Cabral De Melo Neto)

.

negr'o agreste língua sertão da peste
correnteza-carcaça de mil vidas passadas o
batalhar dos calos sob reflexo
solar dourado
do fado

.

Lampião
co’os pés trincados
pernambuca de chão a chão

.

lâmin'aborrece o bucho
bala-sertão jagunço
atent'a olhos empoeirados (esquenta)
para as margens
do mar em pó
(lesma derrete no riacho das lágrimas de sal)

.

é
pedra que à luz do dia chora-
transpira e
faca qu’educada em pedra
emoldur’a tripa



Oswaldo
.

domingo, 29 de abril de 2007

Novamente


Apaixonei
Não sei ?
De novo não !
A culpa é da Lua
Seduziu com seu brilho e musicalidade
Seu nome é Lua !?
Tão solitária
E as estrelas ?
É a sua razão de vida
É o mistério de sua existência
Apaixonei...
Pela mãe dos cosmos
Vivo as suas quatro fases
Nasço, cresço, amadureço e morro todos os dias
Vivo a magia dos acontecimentos
É o mistério
É o renascimento
Na construção de uma fortaleza

Claudia Menezes

sábado, 28 de abril de 2007

Predadora


Por Rita Maria de Assis

Sou predadora das coisas livres ao vento...Mesmo que emporcalhadas e corrompidas.
Da nudez das virgens que são mais vibrantes do que as mais experientes putas.
Predadora dos sonhos alheios...Das coisas que a maioria não tem coragem de fazer e isto lhes abrasa a alma, mas nem ao delírio eles se dão ao direito de se entregar e assim colecionam úlceras e gastrites imaginárias, filhas do desejo.
Sou predadora do olhar nauseado que fazem aqueles que espiam pela fechadura da alcova do vizinho e vem o que não querem.
Das cartas de amor que nunca serão entregues a mim e nem a ninguém, pois são queimadas e suas cinzas se transformam em espécie de cupidos.
Dos rituais obsessivos mesmo dos que se julgam retos da cabeça, mas estão atolados num mar de manias e tiques nervosos...Das paranóias enfurecidas que colorem o olhar com uma cor estranha e deixa o corpo alerta para a luta com o fantasma que se vê no espelho
Sou predadora principalmente do amor intenso, pretensamente eterno e safado.
Dos solitários que seguem devaneando pelo caminho...Falando sozinhos...E da própria solidão
Amo os pesadelos que arrancam os seres do mundo do sono...(Ah... os doces braços de Morpheus)...Suados e aflitos...Aos gritos (quisera eu comer estes gritos)
Chupo o soro das lágrimas dos desesperados, dos masoquistas...Dos mal-amados
E em grande estilo estou presente no gatilho que aperta o suicida quando finalmente decide dar cabo em sua vida...Gemendo eletricamente... Clamando pela morte, a qual também enlaço.
Predadora dos abismos, dos desenhos nas nuvens...Dos acidentes e improvisos
Da arte sou amante...E é com arte que realizo meu exercício de ser predadora
Perdão mundo...Mas este é meu berro. É assim que a vida levo, sempre a sugar, perdoem minha fome, Minha carnificina poética...
Mas á todas minhas vítimas eu ofereço um belo presente...Aquele mais ardente: minha fervorosa devoção!

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Ars Poetica *

A poem should not mean
But be.
— Achibald MacLeish


Quando a tristeza beija minha pele fria
E a solidão desperta um novo pessimismo
E com prazeres de suicida sonho e cismo,
É necessário compor outra poesia.

Risco o papel com desespero, fel e tinta.
Em cada rima meu pavor é sangue e pus,
E no final o meu soneto em si traduz
Toda paisagem que no túmulo se pinta.

Contemplo exausto a tempestade do meu feito
E, na certeza que estarei vivendo em vão,
Sinto-me carne podre dentro de um caixão.

Porque meu verso é uma facada no meu peito,
É um afogado que se atira em todo mar,
É alguém que parte para nunca mais voltar...


Eduardo Borges, abril de 2007.
_______________________


(*) Ars Poetica [do latim "A Arte da Poesia"], foi um tratado escrito pelo poeta lírico Horácio por volta do ano 18 a.C. A citação foi tirada de um poema homônimo de Archibald MacLeish (1892-1982). Mais informações: http://en.wikipedia.org/wiki/Ars_Poetica.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Primeiro beijo

Eu estava confusa. A mão dele nunca me pareceu tão fria, nem mesmo daquela vez que dormimos na chuva esperando o veterinário abrir o consultório. O médico chegava às seis da manhã, daí a passarmos a noite protegendo o Plock, o cachorrinho dele. Tínhamos dez anos de idade na época.

O rosto dele nunca esteve tão próximo por tanto tempo, nem mesmo daquela vez que nos escondemos do Bartolomeu, um velho que odiava crianças. Nós atiramos um ovo na varanda de sua casa e fugimos para onde estava sendo construído o futuro ginásio da escola. Ficamos em um bueiro até ter certeza que o velho desistira de nos pegar. Tínhamos doze anos na época.

Nunca havia sentido a respiração dele tão ofegante, nem mesmo daquela vez que tivemos que correr quatro quarteirões para alcançar o carro da mãe dele. Ela havia esquecido a bolsa, o relógio e os óculos. Tínhamos quinze anos na época.

O coração dele nunca bateu tão forte, nem mesmo daquela vez que fomos conferir o resultado das aprovações do vestibular. Quando deparamos com nossos nomes na lista de aprovados, eu em letras e ele em jornalismo, pensei que carregaria mais uma vez ele desmaiado para a enfermaria do colégio. Tínhamos dezoito anos na época.

Ele nunca me olhou dessa forma, nem mesmo daquela vez no campus da universidade, quando colocou os meus livros no chão e deu-me o que viria a ser o nosso primeiro beijo.

Tantas sensações, tudo ao mesmo tempo. Sem pausa, sem descanso. Agora só me resta rezar para a ambulância chegar logo, enquanto vejo o sangue dele escorrer pelas ferragens destruídas do meu carro.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

O Lobisomem e a Professora

Era uma cidade do sertão nordestino, onde as condições nada favoráveis ao ser humano e a paz monástica reinavam absolutas entre os aldeãos.

O cenário, bucólico e miserável, propiciava todo tipo de lenda, que se propagava aos quatro cantos da cidadela como uma espécie de respeito aos mistérios da natureza e uma barreira ao mundo exterior.

Entretanto, a lenda do lobisomem, que desposava moças virgens nas sextas-feiras de lua cheia, era a que ganhava maior destaque. Um misto de temor e curiosidade aguçava os sentidos dos sertanejos.

Rezava o folclore que nas benditas noites, quando o relógio marcava zero hora, a criatura bestial - metade homem, metade lobo - quebrava as porteiras das fazendas, matava os cachorros, pulava as janelas e tomava para si as imaculadas moças da cercania.

Depois de violentá-las em meio ao solo árido, Ele as abandonava, sem roupas e totalmente ensangüentadas, à própria sorte.

Curioso é que depois do evento, as ex-donzelas eram tomadas de um súbito mistério e mudavam completamente suas atitudes, não faltando aquelas que sumiam mundo adentro.

Foi assim que Glorinha, a jovem professora acanhada da comunidade, não se sabe o porquê, colocou-se à espreita da figura Bestial na data aprazada. Em seu íntimo, somente aquela Espécie poderia libertá-la das privações impostas pelos Homens.

Irreconhecível envergando um vestido de chita minúsculo, sua pernas morenas e roliças eram um convite ao acasalamento.

Quando a Criatura quebrou a cerca da casinha onde ela morava e encontrou a moça deitada no chão, pela primeira vez assustou-se, não sabendo o que fazer.

Era estranho, ver a presa ali, muda, submissa, a sua espera. Acostumara-se aos gritos e súplicas de misericórdia, que tanto o excitavam.

Então, a menina clamou ao Ser que a possuísse com toda sua volúpia e a fizesse mulher. Dizia ela que precisava experimentar aquela metamorfose. Pretendia transmutar-se através daquele Animal.

Selvático, o híbrido homem-besta tomou-a em suas garras sujas e penetrou-a com seu membro peludo, de proporções jamais vistas em um ser humano.

Enlouquecida, a pobre professora contorceu-se alucinadamente de dor e prazer, movimentando o seu corpo sob o dele, como uma cobra encantada revolvendo-se na terra seca.

A Criatura cortava-lhe a pele com os dentes e unhas, de onde pendia o sangue vermelho, beijando-a com um hálito quente forte e por fim, com estocadas dilacerantes, despejou uma gigantesca quantidade de esperma em sua vagina, inundando seu corpo.

Depois do acontecido, a moça nunca mais foi vista, mas reza a lenda mais conhecida de toda a região que nas tais noites de sextas-feiras ouve-se o uivo de dois seres por aquelas bandas enquanto duas sombras de humanos-lobos podem ser vistas refletidas na lua cheia.

Dizem até que, ultimamente, o que se vê são três figuras, sendo uma delas, de silhueta singelamente pequena.

O curioso é que as demais Iniciantes sentem falta daquele que um dia viria tomá-las, mas que por outras forças da Natureza, deixou de fazê-lo.

Na madrugadas de sexta-feira, as janelas das casas e casebres ainda ficam povoadas por donzelas à espera do monstro que as façam mulheres!

terça-feira, 24 de abril de 2007

GRANDES CONSUMIDORES: AS CRIANÇAS

[Foto:Revista Época]

As crianças são presas fáceis das campanhas publicitárias.Quem tem filhos ou sobrinhos vai entender o que quero dizer. Nos anos 80, as crianças eram repentinamente raptadas para outra dimensão, a do consumismo. Os comerciais da época, eram como conto de fadas, elas queriam os brinquedos “ESTRELA”, a bicicleta “Caloi” e a boneca Barbie. Eram hipnotizadas pelo slogan: “Compre Batom, compre Batom, seu filho merece Batom...”. Essas marcas detinham o posicionamento na mente do consumidor mirim. Os pequenos gigantes têm grande poder de influenciar as decisões de compra, muitas das vezes fazem os pais gastarem o que não têm.

Enquanto isso na liga da justiça... ou melhor, enquanto isso na Banda do Marketing*... pessoas trabalham arduamente para garantir a vantagem competitiva no mercado infantil. Atualizam as ofertas de produtos, produzem comerciais atraentes, criam canais de comunicação, desenvolvem sites interativos, enfim, estão suando a camisa, vale tudo para não deixar escapulir pelos dedos o público-alvo.

Falar em criança, não é só falar em brinquedos, elas sabem o que querem: escolhem o que vão vestir, calçar, comer, e, até celular. O consumismo infantil é estimulado sem dúvida, pelas personalidades da TV através de propagandas. O maior problema está no tempo em que elas passam em frente da televisão, em média, cinco horas diárias.

Se por um lado isso é preocupante para os pais, por outro, é uma tendência do mercado. Elas estão amadurecendo precocemente devido à velocidade da informação. Por conta disso, a Banda do Marketing na mesma velocidade, usa estratégias e argumentos para atingir tanto os pais quanto as crianças, levando em consideração é claro, a ética no marketing.

Ressalto a ética, porque devido à competitividade do mercado, o marketing tem sido utilizado como uma ferramenta capaz de mudar o comportamento do consumidor. Atualmente, há um abuso irremediável das propagandas, algumas são enganosas, prometem aquilo que não podem cumprir. Campanhas publicitárias com essa filosofia são produzidas pela banda podre do marketing, cujo objetivo é empurrar goela baixo produtos, muitas das vezes de péssima qualidade.

Não importa as iguarias postas à mesa. Queremos consumir a verdade e o respeito.
Lena Casas Novas

Com informações do Jornal do Commércio - RJ


*A Banda do Marketing: obra registrada por Lena Casas Novas. Reúne dissertações que tem como foco: a percepção do consumidor comum para as táticas e estratégias implementadas no mercado de tendências.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Crônicas Juvenais III – Exame de próstata

- Eu sou mais esperto, só faço o de sangue.
- Esperto como? O de sangue deve ser beeeeeem pior!
- Pior por quê???
- Pois se o comum já é ruim, eu imagino o suplício que não é ficar com um tarugo enfiado no cu até sair sangue...

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

domingo, 22 de abril de 2007

Prova de fogo no BDE



Um dia entrei em uma Comunidade do Orkut e fui alvejada por todos os lados. Sempre gostei de desafios e, além do mais, não eram ataques infundados, ali os membros dispensavam as regras básicas de sociabilidade, coisa que eu buscava a muito tempo, cansada de hipocrisia. Decidi então fazer uma fazer comparação com a estrutura do Leão e Circo em Roma com a competição infeliz que se estabelece nesse novo veículo de comunicação e entretenimento. Tirando o fato de que gladiadores lutavam entre si em Roma e aos leões iam apenas os punidos por seus erros, contrário do que se estabeleceu no citado Bar, pois eu me sentia vítima, vi-me na obrigação de fazer algo que justificasse minha permanência ali, sem contar que adoro um barraco. Escrevi, então, um texto assim:



-Capturada nos confins do Orkut, durante guerras travadas entre os "Bebuns-Escritores" e "Medíocre-Góticos”, como fui chamada, fui transformada em escrava e, como todos aqueles que possuíam qualidades reconhecidas na arte da boca suja, fui transportada para uma localidade onde eram realizados os combates entre gladiadores. No mercado de escravos dessa cidade, uma reprodução em menor escala da grandiosa Roma, com prédios assemelhados aos Fóruns, aos templos dedicados aos deuses romanos, às termas e, ainda, uma réplica do Coliseu, fui vendida a uma escola de lutadores, para iniciar treinamentos. Apesar de ter sido julgada medíocre (o que foi comprovado a partir de meus olhos, que davam aos compradores de escravos a exata noção da medida da minha inteligência) e de ter experiência em debates, fui submetida a rigoroso treinamento físico e, ao mesmo tempo, introduzida às armas utilizadas regularmente em combates travados entre si ali, ou seja, julgamentos precipitados.

Fui jogada aos leões! Além das lutas de gladiadores, as arenas eram utilizadas para sacrificar os inimigos do império em confrontos desiguais com feras selvagens como leões, tigres e panteras. Mas, o que não sabiam, é que a mesma mediocridade com que fazia meus versos, me fez gozar com as palavras de despudor de meus adversários! Gozei, gozei, até vomitar! E agora satisfeita, registrei meu protesto: Comi um leão, e agora? Continuo com fome...




O que eu buscava aconteceu: fui ouvida.
Depois disso muitos entraram. Os que bebiam além da conta permaneciam e estão lá até hoje, encontraram um cantinho para vomitar seus textos. Os que entraram com o intuito de se exibir ou de vencer o que chamam de “arrogância dos meninos do Bar”, esses fugiram apavorados. O fato é que, muitos admiram, muitos entram e poucos têm competência para ficar. EITA POVO DE TALENTO PORRETA ESTES BEBUNS!



Obs.: Últimas vítimas: - Um gatinho camuflado de leão, que rezou um terço e saiu com o rabo entre as pernas e um velho tigre que gostava de comer filhotes de primatas, esse continua lá. Depois de um raspa fora das feras internas, o primata mirim papou o tigre e eles viveram felizes para sempre. Káspita! É Manus mau.


Me Morte

sábado, 21 de abril de 2007

Sobre física quântica, força e qualquer deus.

Desde “quem somos nós?” leio tudo sobre física quântica. Não é um trem fácil de entender. A idéia básica é que a realidade não existe. Uma coisa meio “matrix”. Tem que pensar que toda a matéria é composta por átomos que, por sua vez, são pequenas partículas que se atraem no vácuo, ou seja, um átomo ocupa o lugar onde provavelmente estão seus elétrons girando ao redor de seu núcleo, porém eles apenas orbitam em locais indeterminados. Se pararmos tudo, veremos que há mais espaço entre as coisas que coisas entre os espaços.

Agora vem outra loucura: o todo é composto pela mesma estrutura, a diferença entre o ar e o seu braço (por exemplo) é a forma como você os percebe através dos seus sentidos. Uau. Então conhecemos as coisas de forma parcial e breve pois há inúmeras energias e matérias que não percebemos por não termos os mecanismos para notá-las. Assim, a velha pergunta filosófica grega volta à voga: se a árvore cai na floresta mas não há ninguém para percebê-la, será que caiu realmente?

- Não! – Respondo à Platão.

- Explique-se. – Diria ele.

O todo só é percebido pelas criaturas que possuem constituição de sentidos para criar a realidade. Os seres vivos, mesmo microscópicos ou vegetais, notam a existência ao redor e automaticamente supõem a realidade através de sua percepção. São o Observador. Ou melhor: somos! Sim, pois também criamos a realidade. Ela é baseada nos nossos conceitos – e de todos à nossa volta – contudo é apenas a reprodução daquilo que nos acostumamos a ver.

O Observador, então, é o criador da realidade. E ele é composto pela união de tudo o que existe. Ora, então é deus!

- Sim. – Respondo.

- Ahá! – Diria o padre Norbey, finalmente vencendo uma discussão religiosa. – Admitiu que deus existe.

- Se quiser chamar de deus, problema seu. – Eu desdenharia. – Eu chamo de Força.

Cada ser humano se sente especial, como parte de algo maior. Participamos da estrutura universal que dá a esta dimensão a “cara” que vemos. Somos deus. O grande problema é que todo mundo também é deus, além dos bichos, dos insetos, das plantas... estamos interligados numa teia extremamente complexa que faz de nós elementos necessários na existência.

A existência seria, então, como um programa de código aberto que todo mundo ajuda a montar. Ou um quebra cabeças em que fazemos nossas próprias peças.

Difícil, né?

Mas comprovável. Quantas vezes pequenos sinais não nos ajudam a resolver questões complicadas. Ou quando aparentemente sem motivo pensamos em alguém e logo o encontramos. Ainda há as coincidências inacreditáveis que imaginamos serem únicas, cada uma delas. Esses pequenos tautocronismos existem pois nós os criamos para nos indicarem o caminho do equilíbrio.

Os Jedis, quando pegam o sabre-de-luz com a força da mente, estão simplesmente moldando a realidade da forma que melhor os convêm. É engraçado perceber que a ciência evolui ao comprovar ficções científicas. Cientistas renomados fazem experiências querendo distorcer esta percepção pré-concebida de gravidade, massa e matéria. Livres, poderíamos recriar o todo. Mas sempre restritos ao equilíbrio, pois não há bem e mal nem certo e errado. Há apenas o equilíbrio que, alterado, tende a voltar à origem.

Tanta viagem mental serve para concluir que a evolução do ser humano depende exclusivamente dele mesmo. Especular sobre deuses ou esperar suas intervenções é tirar da humanidade a condição de geradora do próprio destino. Os religiosos jamais cederão, afinal, é mais fácil esperar por uma recompensa após a morte e se aproveitar da generosidade ignorante dos dominados que gerir o próprio destino.

Assim, louvar qualquer deus ou pedir sua intervenção é aceitar a irresponsabilidade da própria vida ao querer que elementos externos à Força (pessoal e inerente ao ser vivo) decidam por nós. Eu ainda acho melhor decidir por mim mesmo.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Convidado: Helder Bentes

A CRÍTICA LITERÀRIA NA CULTURA (PÓS?) COLONIAL.

A expressão "crítica literária" parece demasiadamente pretensiosa, quando se pensa na liberdade da criação literária trazida à voga pelo Modernismo nas letras européias. Com efeito, o Modernismo foi um estilo de época que se definiu por oposição a todos os precedentes e, como estes eram todos pautados, em maior ou menor grau, no princípio da mimesis clássica, é lógico que o estilo, que se pretendesse oponente a tudo isso, deveria primar pela liberdade criadora, castrada pelo hábito já cristalizado da imitação, como recurso mantenedor de uma tradição.

Vem daí o fim do lirismo comedido de que Manuel Bandeira proclamou-se farto e a genialidade poética de muitos escritores, tanto os canonizados pela crítica, quanto os ainda anônimos, mas não menos interessantes. Vem daí também a infinidade de porcarias e de textos pretensamente poéticos alardeados, sobretudo, pelo mercado editorial e agora também pelas facilidades dos meios digitais.

Mas quais os critérios que determinam um bom ou um mau texto do ponto de vista literário? O que vem a ser Literatura nesta cultura pós-colonial, pós-modernista e subdesenvolvida digitalizada? É (ou pelo menos deveria ser) para responder a questões como essas que a crítica literária existe.

Não é novidade para ninguém que aqui no Brasil nós não podemos falar de Literatura como os europeus, embora haja um conceito – não uma definição fechada – do literário em termos universais. Pois fomos (ou ainda somos) colonizados. E os rumos que a história deste país tomou não nos dão perspectivas de uma identidade genuinamente nacional. Além disso, é fato que não dispomos de uma política educacional verdadeira e séria, que possa erradicar o analfabetismo, a miséria e a cosmovisão limitada e fútil das massas do 3º mundo. Em suma, estamos fadados à hegemonia da dependência cultural eterna e, ao que tudo indica, no máximo, iremos nos debater entre ensaios – de originalidade e genialidade criadora – limitados pela famigerada busca do nacional, tomando sempre alguém ou algo como referencial.

Eu particularmente acho que, depois de Machado de Assis, os brasileiros tiveram tudo para libertar-se da supremacia literária européia. Mas hoje a Academia Brasileira de Letras admite paulos coelhos da vida como "imortais". Um amigo meu, que faz Mestrado em Évora, me disse que por lá, quando se fala em Literatura Brasileira, o nome do dito cujo é o mais recorrente entre os portugueses... Pode? Depois disso, não se pode esperar muito (ou nada) da literatura publicada e comercializada neste país. Já pensaram se resolvem seguir o exemplo de livros como "O Alquimista" para desenvolver literatura no Brasil?

Mas, voltando à questão inicial, para que diabos serve a crítica? A resposta a essa pergunta passa pelo conceito de Literatura e tal conceito, por sua vez, depende do contexto situacional e histórico em que o literário é produzido. Por exemplo, aqui na Amazônia (moro em Belém do Pará), o literário é admitido nas formas narrativas orais populares que imperam entre populações ribeirinhas, como mitos e lendas que são a única concepção narrativa e explicativa possível para quem não tem acesso às descobertas da ciência no mundo moderno ou prefere acreditar na dimensão simbólica dessas narrativas.

A literatura, porém, tem natureza ficcional por excelência, é predominantemente figurada, simbólica, e seu valor não está no aspecto verossímil de seu conteúdo, mas nos signos que ela encerra ao servir-se de um tipo de linguagem que desafia as estruturas cristalizadas pelo uso comum da Língua e gera tensão entre o texto e o leitor. Há quem diga (e eu sou um destes) que é nesta tensão que reside o literário.

Neste sentido, chama-se crítico o indivíduo que se serve não apenas de sua cultura literária (sempre aberta) para julgar uma obra, mas aquele que tem o dom de medir o grau desta tensão. Falei em "dom" e quero explorar todas as acepções possíveis desta palavra em Português, para aproximar o leitor do que vem a ser um crítico literário.

Dom vem do latim "donu" e significa "donativo, dádiva ou presente". Em "Estrela da vida inteira" Manuel Bandeira diz que "cada sentido é um dom divino". O dom do crítico literário é uma espécie de sexto sentido, uma lógica supra-racional capaz de mensurar os efeitos de uma obra sobre o público, valendo-se de uma conjuntura de fatores que vão desde sua cultura histórico-literária, passando por questões teóricas e empíricas, mas sempre regidas pelo bom senso e por sua capacidade de recepcionar a obra, separando-a de seu autor e buscando nela própria as tensões que se travam entre o eu da obra e seu leitor. Neste sentido, eu diria que um bom crítico é aquele que se reconhece parte de um todo, de cujo centro emana o leitor.

Um dom é um dote ou qualidade natural e inata. Portanto, ninguém adquire o dom da crítica numa escola ou faculdade, tampouco pelo acúmulo de experiências vividas. A consciência, científica ou empírica, pode ajudar, mas se o pretenso crítico não for um privilegiado entre iniciantes e iniciados na arte, nada feito!

Um crítico de verdade tem mérito próprio tanto quanto um escritor de verdade, leva vantagem sobre os leitores comuns e seu "poder" ou virtude vem de um grau de sensibilidade ímpar que não lhe permite vender-se ao mercado editorial, à crista da onda, ou a fazer pactos políticos, econômicos, culturais, sexuais, etc.

Depois de todas essas considerações, cabe uma afirmação e uma pergunta. A afirmação é: "Temos bons autores e boas obras sendo produzidas no Brasil, apesar dos pesares". A pergunta é:""Mas será que temos bons críticos?".

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Helder Bentes - Professor, Crítico de Arte e Produtor Cultural. Tem formação acadêmica na área de Letras e Artes, estudou Jornalismo e faz Mestrado em Literatura. É Pesquisador nas áreas de Educação e de Ciências da Linguagem e suas Tecnologias. Blog, Coluna Helder Bentes, Coluna Dialentrando e Email.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Solidões.

Já não é tão tarde, porta fechada
E quem bate não espera o toque
Acordar quem dorme a noite de um dia

Já não é tão tarde, trava solta
E quem chega não entra por medo
De espantar a dor de quem sofre

Já não é tão tarde, madrugada beija
Um vazio de quem chega e foge
Distância somada a insegurança

Já não é tão tarde...
E quem está morre a verdade de sentir
O que sente o outro sem confirmar

Já não é tão tarde, tristeza dopada
E quem é saudade se faz busca
Já não é tão tarde, o outro se trancou

(_Bata! Entre!).


Eliane Alcântara.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

SONETO ROMÂNTICO (de Wilson Roberto Carvalho de Almeida)

Procuro um amor,amor que transcenda.
Saiba dar, mas também busque prazer.
Que me entenda e se deixe entender.
Amor sublime, que ensine e aprenda.

Que me expulse, e também me compreenda.
Amor que queira sempre o querer,
amor que a morte não possa conter,
amor forte, que para sempre se estenda.

Amor maior que a dor, amor que valha.
Amor que, mesmo em meio à agrura,
ainda me rasgue o peito a navalha.

Amor que exista só numa alma pura,
que torne os abraços nossa mortalha,
que faça do leito minha sepultura.

.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Meu Cheque Pré-Datado

“Eu passei toda a minha vida sondando a morte. No final, eu sei que tudo o que eu pensei estava errado.”

Essa era a frase que eu tinha escrito naquela noite antes de fechar os olhos e dormir.

Acordei numa espécie de Banco.

Estranho.

Estava sonhando?

Eu era o último de uma fila gigantesca. Não precisou nem de um minuto para mais umas cinco pessoas aparecerem atrás de mim. Nem os vi chegar. Virei o rosto e eles apenas estavam lá.

Notei que um homem, lá na frente, estava ao caixa, atendendo um por um. Não havia mais ninguém prestando esse serviço. Ele se vestia todo de branco, tinha um cabelo curto preto e um bigode engraçado. Fiquei observando-o e percebi que frequentemente ele sorria e entregava alguma coisa à pessoa da vez. Eu não conseguia discernir o que era. Às vezes era algo volumoso, outras vezes quase nada, praticamente simbólico.

A fila andava.

Alguns saiam sorrindo, outros chorando; estes últimos eram a maioria.

Olhei para trás e a fila estava quilométrica novamente. Eu devia estar no meio dela.

Não compreendia nada ainda, mas minha curiosidade aumentava. Pedi informações a quem estava na frente e nas costas, mas ninguém respondeu. Sinceramente, não sei nem se me escutaram. Não pareciam escutar-me. Fixavam o olhar para frente, talvez ao caixa, talvez ao nada.

Resolvi acalmar-me esperar até ser atendido.

Não demorou tanto quanto se pode imaginar. O atendente era um funcionário bastante eficiente.
Chegou minha vez.

- Olá... – falei timidamente.

- Senhor, gostaria que você me desse o papel que está no seu bolso. – ele me falou.

Fiquei sem entender e pus a mão no bolso. Havia, sim, um papel. Tirei-o e vi que era uma espécie de cheque, apenas com algumas diferenças do tradicional. Não tinha a mínima idéia do que era aquilo! E ainda por cima eu nem andava com cheque no bolso! Havia alguma coisa muito estranha.

Mesmo assim, entreguei-o.

Ele olhou o cheque maquinalmente pegou uma pasta para conferir algumas informações e balançou positivamente a cabeça.

- Bem, o dia está certo. – falou.

Abriu a gaveta e começou a tirar diversas coisas.

- O que significa tudo isso? – arrisquei perguntar.

- Como assim? Você morreu e eu estou conferindo o valor do seu cheque pré-datado. Está tudo certo.

- Eu morri? – perguntei assustado.

- Claro. Bem, aqui está seu quinhão. Adeus. Próximo!

E eu saí a passos lentos, olhando para o que tinha eu recebido. Estava desolado.

“Só isso?”

Próximo!


André Espínola

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Solidão&Consciência, Pênis&Bundas.


O dia amanhecia sem raios de sol, sem o calor aquecendo o ar, sem risos, sem choros.
Mais uma madrugada passada entre quatro paredes e, durante boa parte dela o único clarão da existência foi a tela do meu do monitor.
O cérebro não parava de pensar e até quando mijei eu pensei, olhando pro meu pau, tentando recordar se já fora maior. Eu o olhava, olhava e por mais que tentasse eu não conseguia saber ao certo. E isso começava se tornar preocupante e a gente se pega sendo tocado pela velhice e começa ver problemas em tudo e essa questão do tamanho do pau nem é por achar qual é o tipo de impressão que posso estar causando às mulheres ,afinal, P, M ou G, ele tem cumprido a sua finalidade. E, em não sendo esssa a justificativa, só me restou a opção de achar que era uma questão de amor próprio ou de autopreservação de mim mesmo. Mais ou menos como se eu olhasse pra Dona Natureza com cara de poucos amigos e lhe perguntasse : - Mas que merda! vai encolher o meu pau por que? o que ele tem a ver com isso?- E a Dona Natureza, risinhos besta e ar de sacana me fulminaria:
- O tempo é inexorável com todos, meu bom velhinho!-
E aí a gente percebe que nada há a ser feito. Então, eu continuo olhando-o e questiono se as mulheres sofrem das mesmas preocupações. E tentando me colocar no lugar de uma delas me ocorre que sim. Acho que elas deslizam as mãos em si e apalpam os seios e inspecionam o volume e a flacidez da carne. Em seguida verificam as formas das pernas e olham pelo espelho e esperam ver no fomato das nádegas algo que ainda possa ser atraente, se ainda são altas ou arrebitas. E, qualquer que seja o resultado, a memória se fixará em alguns anos anteriores e elas se recordarão que o conjunto fora mais vigoroso, mais esbelto. Relembrarão o bumbum empinado e firme, e o quanto ele deixava um sujeito mauluco só em vê-la passar no justíssimo jeans. Então chego a conclusão que a Dona Natureza é implacável e que tentamos ludibriá-la com a tecnologia da estética. E nesse campo, há cirurgiões e esteticistas pra todos os paladares e então dá-lhe plástica, silicone, lipoaspiração, botox e outros bichos. Nas mesmo assim, quando optam por um desses caminhos, sabem que a manutenção é obrigatória e tão importante quanto ao ato da "reforma" em si. E aí?
Bom, aí só ao abastado financeiramente falando, sob pena de assim não o fizer de ver a emenda ter saído pior que o soneto. Mas como essa possibilidade e destinada a poucos privilegiados, sabemos nós, os pobres e meros mortais, que trilharemos o caminho da naturalidade e, que ela, soberana, nos fará sentir a ação do tempo.
Bem, afinal não era bem sobre isso que estava pretendendo falar e sim, tentar encontrar algum significado pra nostálgica solidão.
Sou solitário por opção e as vezes, zanzando por aí, lendo uma coisa ou outra internet afora, deparei-me com uma crônica de um escritor onde ele diz categoricamente que prefere os animais aos homens. Como ele não mais se encontra entre nós, se torna impossivel perguntar-lhe se o seu cachorro assaltasse a comida da sua geladeira, se vestisse as suas roupas, sapatos, ou o seu gato mijasse fora do vaso sanitário e defecasse em cima da louça do jantar, se ele manteria a mesma opinião. Eu acredito que não. Claro que nós amamos os animais e principalmente os nossos mas, a grande vantagem que eles levam sobre nós é o fato que geralmente só atacam quando se sentem acuados e ameçados na sua preservação da espécie. E isso os torna únicos e bem diferentes de nós que, não necessitamos sentir-nos ameaçados para poder atacar e destruir. E um fator leva a outro e então percebo no que nos tornamos e passo a admitir a nossa hipocrisia quando falamos que devemos ajudar e amar o próximo como se fora nós mesmos. Falamos, emocionamo-nos, fazemos até programas de TV e somos capazes de derrubar algumas lágrimas mas não compartilhamos o que é nosso e, mesmo que sejamos essencialmente bons, uma ou outra vez vamos nos pegar na contravenção daquilo tudo que dizemos defender. E por mais que briguemos com nossos "EU" sacamos que somos humanos, portanto,inconstantes e, mesmo na eventualidade de sermos bons, haveremos, uma hora ou outra, de ser mesquinhos e maldosos. Mas como,genéticamente, somos portadores de alguma astúcia e malandagem, sempre procuraremos usar as situações que possam nos favorecer e, mesmo não gostando de admitir, sabemos que nos justificamos em velhos ditados, tal como o “olho por olho e dente por dente” para abrandar a expressão e a sede da nossa vingança.
Com isso, concluo o seguinte; Nunca deveremos esperar muito de nós e, imaginarmo-nos lineares o tempo inteiro é mera utopia.
Somos e havemos de ser tal qual os dias. Uns serão belos e ensolarados e outros, cinzentos e chuvosos.
Hoje por exemplo, me sinto meio sujeito a trovoadas.

domingo, 15 de abril de 2007

De poste em poste

Matheus Costa
Uma sombra deitada
Acordada e dinâmica

Refletindo no asfalto

Tudo que não conheço.

Passo a mais, passo a mais
A luz descorando o sem-cor.
Passo a mais, passo a mais
Rumo a morte da escuridão.
Quando se dá por plena
A luz deste meu passo,
Uma sombra que se extingue
É um novo curso que começa.
Passo a mais, passo a mais
O negro borrando o clarão.
Passo a mais, passo a mais
Rumo a morte da plenitude.
Quando se toma forma
A sombra berrante que me guia,
Recorro-me a uma luz
Para livrar-me desta cegueira.
E passo a mais, passo a mais
Luz sanando sombra.

Passo a mais, passo a mais

Luz gerando sombra.

sábado, 14 de abril de 2007

A Fortaleza

A Fortaleza

Grande confusão se desenrola
Por trás dos muros daquela fortaleza
Que, distante, sugere ao viajante
O equilíbrio das impávidas durezas

Como uma torre que se ergue sábia
Uma sombra formal lança ao baixio
E sufoca no alto da montanha fria
Seu sofrer surdo, já feito silêncio

No seu íntimo corre da revolta o sangue
Não mina; é secreto, oculto, interno
E no incoágulo dos conflitos constantes
Um transbordo aguarda inquieto

De tão longe às vezes passa indiferente
Na falsa defesa das paredes sem escoramento
E sem a provisão de um amor que a sustente
Rui no morno dos seus próprios sentimentos

A revolta incontida, já sem força, triste
Então faria dos blocos de pedra pó
E o viajante em retorno, o olhar em riste
Veria a fortaleza ruína e só.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Meu Céu Pelado


meu céu pelado,
paraíso revelado
em foto de carne,
osso e pecado.

é um recanto
com nuvens,
todas muito coloridas,
com santas sem nome
que balançam atrevidas.

no meu céu pelado
o caboclo de lança
pula lado a lado
com a mulata que dança.

lá o caipirez procede,
o bacharel se embriaga,
anjo bom se excede
e até Deus faz cagada.

- viva ao meu céu pelado,
onde só é feliz
quem nunca foi batizado!
obs.: ao lado quadro de Heitor dos Prazeres

quinta-feira, 12 de abril de 2007

A Visão INFAME ( de Anaconda de Deus)

Nesta NAÇÃO, pátria bela.
Passo VERGONHA por estas terras
Bebo SANGUE e como a MERDA
Empurrada na minha goela
Por mãos que estão calejadas
De tanta MERDA que já fora empurrada
Por esta goela que já esta toda deformada.
Por onde passa, mas não volta.
Sou obrigado a engolir
Tudo isso que esta a vir
Já não consigo respirar,
E nem tão pouco regurgitar
A MERDA que não para de entrar
Pois são muitas mãos a empurrar
A mim só cabe aceitar
E me calar
Com a boca cheia de MERDA.
Nesta Terra
Que aprendi a AMAR.


Anaconda de Deus

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Todo Dia

todo dia Amélia salta sua constância
no ímpeto que até a mais vil coisa tem de aspirar
nem que seja fragmentos diminutos do indizível

ela vai remexendo o impalpável
sacudindo grãos no espaço
pra semear uma ilusão qualquer

no turbilhão desse pó mágico
sobe terra, cimento, micro-vidas
na atmosfera, congregados: um castelo!

Vem as horas, o marido, a gravidade
velhos hábitos: a comida, a novela
ficam os pratos, a poeira, a ilusão
suspensos, se acumulam pro amanha

terça-feira, 10 de abril de 2007

Convidado: Glauco Mattoso

SONETO SEM DOR NEM DÓ

Ficou cego? O problema não é meu!
A minha vista é boa! Eu aproveito
a vida como quero! Foi bem feito
você perder a pose! Se fodeu!

Tá achando tudo escuro que nem breu?
Tem mais é que sofrer! Eu me deleito
sabendo que não tenho esse defeito
nos olhos! Cê que chore o que perdeu!

Enquanto eu vejo o mundo livremente,
você tem que chupar a minha rola
calado! Se eu gozar, você que agüente!

E tire da cabeça a idéia tola
de que outros vão ter dó! Cê tá impotente!
Quem pode põe-lhe a pica, e eu posso pô-la!

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Se você concorda com quem fez este poema e quer ler mais coisas do tipo, seja poesia, conto ou depoimento, acesse as colunas abaixo e divirta-se!
www.cronopios.com.br coluna "O Jogo do Jugo"
www.glx.com.br coluna "Contos Acontecidos"
www.blocosonline.com.br coluna "Glaucomatopéia"
Caso queira trocar figurinhas (ou papéis) com o autor (ou o sofredor) do poema, o contato é este mesmo:
glaucomattoso@uol.com.br
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Abracadabraço do GLAUCO
- Abraços a você também, mestre Glauco, do Bar do Escritor

segunda-feira, 9 de abril de 2007

O Cheiro da Carne Queimada*

Os odores alquímicos vindos da cozinha inebriavam os cômodos da pequena casa geminada. O tempero de Maria serpenteava para fora do seu lar, invadia a vila e, através dos vapores, anunciava à vizinhança que à noite o casal talvez se reconciliasse, sepultando a madrugada entrecortada pelo som das pancadas desferidas por José, pontilhadas por sua voz desfigurada pela bebida e gemidos à surdina da esposa.

Apesar da violência da noite, os vizinhos não deixaram de se encantar com o cheiro liberado pelas panelas da vizinha espancada. Quando feliz, Maria costumava dedicar-se com ardor as artes culinárias. A mistura de alho, cebola, óleo e outros ingredientes não podiam combinar com o estado de espírito em que devia se encontrar aquela mulher surrada de véspera. Na verdade, não se ouvia sua voz miúda, um tanto desafinada, cantarolando melodias populares enquanto cozinhava. Os cheiros que emanavam da cozinha de Maria possuíam uma trilha-sonora. Por conta dos fatos, naquela tarde, a mudez de Maria durante o cozinhar não causava estranheza a vizinhança.

Os moradores ainda tinham frescas em suas memórias o dia em que o casal se mudara para a vila, dois jovens ainda entorpecidos pela felicidade de uma lua-de-mel recente. Prestativos, os homens trataram de ajudar José a descarregar a mobília do caminhão enquanto Maria era convidada a se reunir com algumas mulheres em uma das casas. Foi improvisada uma feijoada para alimentar os trabalhadores. A noite terminou com uma roda de samba em homenagem aos novos vizinhos. Vendo aquele jovem casal dançando em torno dos músicos como que participantes de um ritual de agradecimento a gentil acolhida, quem imaginaria que anos depois a tranqüilidade quase idílica da vila fosse quebrada pela violência de José no breu da madrugada?

Naquela noite, José chegou a vila um tanto constrangido. Era a imagem do canalha arrependido. Passara todo o dia no trabalho cabisbaixo, respondendo aos colegas por meio de monossílabos, ruminando as possíveis conseqüências da sua brutalidade. Não era um homem dado a perversidades. Culpava a cachaça pelo incidente da madrugada anterior. Também, por que Maria havia de se meter em sua vida? Era adulto, senhor de suas vontades. Que mal havia em ficar umas horas na birosca tomando uns tragos com os amigos? Todos faziam aquilo por aquelas bandas. Chegara trocando pernas. Maria, de cara amarrada, o censurara pela bebedeira. Reclamou. Ele falou mais alto. Contudo, o que provocara a sua ira, materializada nas porradas dadas na companheira, fora ela chamá-lo de desgraçado. Que chamasse do que quisesse. José se esparramaria em um canto para curar a porre e tudo acabaria. Mas qual! Sua mulher o xingara de desgraçado! Ela conhecia o seu ódio por este insulto. Seu pai costumava ofendê-lo com aquela palavra. Fora de si, deu uma bofetada na esposa. Maria, por força do impacto, caiu sentada no sofá arregalando os olhos castanhos, surpreendida pela reação do marido. Limpou o sangue que brotara do canto do lábio e demonstrando um ódio entranhado, repetiu três vezes sem baixar a cabeça: “Desgraçado”, “Desgraçado”, Desgraçado”. José desferiu dois socos na mulher atingindo-a no rosto e abdome. Ele não resistiu a violência dos golpes, desmaiando. Extenuado, dormiu no sofá. Idéias embaralhadas pelo álcool, decretou que a esposa fora a culpada pela própria agressão. Na manhã seguinte, porre curado, não entrou no quarto para ver o estado da esposa. Foi trabalhar corroído pelo remorso.

Enfiou a chave na porta, torceu delicadamente a fechadura. José parecia captar as dezenas de olhares vizinhos ocultos nas casas geminadas, a espera, quem sabe, da reconciliação.

Encontrou Maria radiante, com um sorriso desfigurando seu rosto. A mulher trajava seu melhor vestido, um azul, que modelava sensualmente seu corpo. José percebeu um leve hematoma abaixo do olho esquerdo da esposa. Notou a mesa posta com capricho e o olor da comida impregnando a casa. Aliviado, entendeu que fora perdoado. Jantaram como nunca haviam jantado. Maria se esmerara nos pratos. Riram, gargalharam, beberam, se acariciaram e às portas da madrugada amaram-se como há muito tempo não faziam.

Ao invés dos galos, a vizinhança amanheceu despertada pelos os urros de José, corpo incendiado, a correr sem direção pela vila. Para horror dos que testemunharam, sentada a soleira da porta, Maria apenas observava a agonia estrebuchada do marido. Dera a José uma noite memorável antes da vingança. A Justiça decretou 22 anos de prisão. Homicídio por motivo torpe. Vingar uma surra não justificava assassinato, entendera uma parte do júri. Maria recorreu. Talvez ganhe. Dizem que o cheiro da carne queimada ainda hoje empesteia a vila.
* Escrito por Dr. Jekyll em setembro de 2001, um dia antes da tragédia do World Trade Center. Sofreu alqumas adaptações no decorrer dos anos para torná-lo menos medíocre.

domingo, 8 de abril de 2007

As Aventuras Do Pequeno Douglas (completo)

As aventuras do pequeno Douglas I


Douglas era um ex-viado. Converteu-se. Aceitou Jesus e tudo. Ponto.
Um dia, passarinho cantou na sua janela.
- Ai, ai. Sangue de Jesus tem poder...
Outro dia, a casa do vizinho pegou fogo. Apareceu bombeiro com mangueira na mão...
- Ai, ai. Sangue de Jesus tem poder...
Seguiu firme na graça de deus.
Até que sua mãe o chamou pra ir pra feira.
- Douglas, escolhe umas cenouras bonitas pra mim
- Tá bom, mamãe.
Naquele dia ele teve uma recaída.

As aventuras do pequeno Douglas parte II

Arrependido, Douglinhas resolveu escrever um poeminha pra Jesus.
Como manda o figurino, decidiu que aqueles versos seriam em redondilhas, pra ficar bem bonitinho. O problema, contudo, era que Douglas nunca havia se aventurado por aquelas bandas ainda.
As redondilhas, arquipélago de ilhas redondas próximas à puta que pariu, era um ambiente muito selvagem. Logo nas primeiras letras, nosso herói começou a dar sinais de confusão. Douglas acabou se perdendo nos próprios versos. Nos próprios sentimentos reprimidos.
- Ai ai... Nunca vou sair dessa redondilha. Jesus não vai me perdoar.
Douglas, seguindo pelo mar, começou a andar em círculos (óbvia, a ilha era redonda).
Após horas de caminhada, sentiu fome e resolveu procurar comida.
Procurou, procurou, e achou um pé de carne seca. Feliz, começou a orar em agradecimento.
- Oh, senhor. Muito obrigado pela comida. Que teu nome seja glorificado, e que minha mania de enfiar coisas no cu caia por terra, em nome de Jesus.
Com o fim da oração, quase que instantaneamente, Douglas começa a sentir a terra tremer. Parecia um estouro de manada.
- Ai, Jesus! O que será isso?! Um terremoto? Afros descendentes ?
Não.
Era uma manada de abóboras gigantes e ferozes destruindo tudo. Não ia sobrar nada. Douglinhas, entretanto, esperto baitola que era, conseguiu rapidamente puxar uma abóbora jovem para dentro de um buraco em que havia se escondido.
Com o final da confusão, Douglas acendeu uma fogueira, estabeleceu acampamento e descansou. Naquela noite teve carne seca com abóbora.
Antes de adormecer, Douglas pensou: “as coisas de deus são perfeitas...Só faltou uma lingüiça”.


No outro dia, acordou com sede e com vontade de dar. Orou para que deus apagasse seu fogo, e começou a procurar água doce. Logo, seu pedido foi atendido.
- Um coqueiro! Oba!
Ele, com muita dificuldade, subiu no coqueiro, e tentou pegar o máximo de coca cola possível. Bebeu, se lambuzou, e agradeceu:
- Deus, a coca desse coqueiro é a melhor coisa que o senhor inventou...
Um coco, entretanto, tinha coca de cocaína. É. Aquela coisa branca sem vergonha.
- Credo... Mamãe não quer, papai não deixa...
- Mas se você experimentar um pouco, ninguém vai saber – disse uma voz misteriosa.
- Hã, o quê?!?! Quem está aí?
E de trás de uma moita surgiu uma cobra muito bem vestida, e bem apessoada.
- Viestes me tentar, como fizestes com Adão?
- Não... Na verdade, deus me mandou aqui. Eu tenho a missão de te ajudar.
- Ajudar? Como? Me fazendo ingerir essa coca branca malvada sem vergonha?
- Não... Isso foi apenas uma sugestão... Só pra gente se divertir e conversar. Deus me mandou aqui pra te salvar. Você quer fugir dessa redondilha, não quer?
- Quero sim. Eu tentei me aventurar nas redondilhas, mas acho que deveria ter ficado mesmo era com os alexandrinos.
- Então. Apenas meu bote pode tirar você daqui. Você deverá navegar pra oeste, direção do pôr do sol.
-Mas seu bote não é venenoso?
-Você nunca saberá se não aceitar. Além do mais, é sua única chance de fugir daqui.
- Você tem certeza, dona cobra?
- Não. Eu nunca dei um bote em/pra mim mesmo.
Douglas começou a refletir... A cobra era um bicho traiçoeiro, todo mundo sabe, até a bíblia. Mas aquele bote seria sua única chance de fuga. Não havia escapatória. Além disso, o formato cilíndrico da cobra inspirava confiança.
- Oquêi. Eu aceito. Vamos. Me dê seu bote.
Os dois se dirigiram pra praia, e a cobra se enrolou pra preparar o bote.
- Ai!
Bote entregue, Douglinhas sobe e segue viagem.
Após um tempo viajando, nosso herói lilás começou a sentir tonturas... Sua mão direita, a que recebeu o bote, começou a inchar. Era o veneno.
- Meu deus... Diga-me, senhor! Por que fizestes isso? Para me provar?
As nuvens se abriram, e Deus falou:
- Sim, minha pequena gazela. Se você realmente for puro, seu Butantã irá fornecer-lhe o soro de que tanto precisa.
- Ai, senhor! É por isso que você é deus!
Douglinhas, empolgado, tentou extrair o soro antiofídico do próprio Butantã, mas este estava parcialmente danificado pelas cenouras da feira. Ele até conseguiu um pouco, mas aquilo era, literalmente, uma merda.
E assim, sozinho, num bote, perto da puta que pariu e com o dedo enfiado no cu, nosso herói, o pequeno Douglas, morre sem terminar o poema.

As aventuras do pequeno Douglas III

No meio da tortura, Douglas, o ex-viado, pergunta ao seu carrasco:
- Ai, ai, ai... Seu brutamontes! Você é sádico?
- Não. Só quero ser promovido.
- Hummmm... Então bate mais pra cá.

FIM

moral 1: não existe ex-viado
moral 2: métrica é coisa de baitola
moral 3: as drogas podem te deixar retardado

sábado, 7 de abril de 2007

Cerimônia de casamento



Ao longe, o sol já se punha. O horizonte parecia “fritar”, quando ele , calmamente, deitou seu corpo sobre o dela. Calma! Antes que vocês imaginem uma cena erótica, falo, na verdade, do pôr-do-sol, em relação à linha-do-horizonte. Um fenômeno natural, que ocorre quase sempre. Como, aliás, aconteceu naquela tarde...
Como eu ia dizendo, o sol já se punha. E eles resolveram casar ali mesmo. A enseada, alguns mexilhões, um bêbado dormindo; foram estes os convidados, para o casamento que se seguiria. Na ausência de um padre, o pipoqueiro serviu. Um casal de vira-latas trazia tanto as alianças, quanto os óleos sagrados daquele enlace de corpos, almas e, principalmente mentes. Parecia-nos que o cenário, embora casual, fora meticulosamente estudado, para dar um “ar” especialmente telúrico àquilo tudo. Olhos-nos-olhos. Juras de amor eterno. Algum nervosismo. E a “Marcha Nupcial”, tocada por alguns batuqueiros, dando fecho à cerimônia.
Enfim casados! Mas , não podiam dizer o já manjado “Enfim sós...!”. Na vida real eles já haviam contraído núpcias, há tempos. Cada um seguiria, dalí, para a sua casa. Suas vidas pouco tinham da magia do pensamento liberto, esvoaçante e poético. Como os de cada um de nós, os passos de Jéssica e Arlindo eram previsíveis. O mundo todo já sabia da estória,e por isso já imaginava o desfecho... Ruptura. Antagonismo, entre a Cerimônia de Casamento, e os papéis indulgentes da separação. Coisa simples. E corriqueira.
Mas... Ainda falávamos de casamento, não é ? Até eu “viajar” por essas porções personalíssimas, e confundir tudo...! Tenho essa mania. Atropelo-me em definições -exatas e perfeitas- acabo me enrolando, e não atinjo o objetivo. Afinal, me desejam como contador de estórias. Será que hoje consigo? Vamos lá...
Vamos? Não. Não vou.
Bem. Para falar a verdade, não estou com o mínimo tesão de continuar nisso. Afinal, que graça há em relatar a epopéia de dois bobos, que se julgavam amantes amantíssimos? Claro que não eram! Erraram. Enganaram-se isto sim...! Começando pelo cenário. Afinal, existe coisa mais “gudí-gudí” que um casamento - irreal - às margens de uma enseada, sob o Pôr-do-sol?... Poupem-me! Esse cenário de novelinha-das-seis.com.br (Plim Plim) está batido. E o pipoqueiro? Hahahahaha... Tinha o bêbado! Não é que me esqueci disto? Os cachorrinhos, os mexilhões... Esqueci de alguém? Acho que sim. Sempre há “alguém” obscuro nessas estorinhas.
Droga... A Editora acabou de telefonar. Essa estória tem que sair até semana que vem. Sabe o título? Esse título daqui de cima? Eles escolheram. Disseram que o Mkt da Editora pesquisou e tal. E que esse título vai bombar, agora que já vem chegando o mês de maio. Mas, isso acabou me gerando uma dúvida: Por que as relações humanas “vendem” tanto? Casamento? União de escovas-de-dentes? E, ainda mais, um assim, meio sem eira e nem beira? Sei lá... Isso me cheira a fracasso de vendas... Mas tudo bem. Sou só um contador de estórias. Adestrado, para contar o que o povo quer e deseja. Pelo menos não assino o meu nome, não é mesmo? É maravilhoso ter um pseudônimo! Anonimo! Sem lenço ou documento , sem Cpf . Melhor ainda ser um mero contador de estórias. Apenas um contador de estórias .Dessa estória toda.


sexta-feira, 6 de abril de 2007

O encontro (parte I)

O encontro (parte I)

Sig aproximou-se sem pressa, sem me olhar, veio devagar, contemplando as árvores rodeadas de flores e pedras do jardim da praça. Sentia-me estranha, lembrava-me da primeira vez que o vira, sentado na confeitaria, olhava-o como a um estrangeiro que acaba de chegar, tomada por um medo íntimo e curiosidade incontrolável. Era invadida agora pelo mesmo sentimento, queria sair correndo dali, sabia que se continuasse desejando-o daquela maneira, o dissabor e o desencanto seriam inevitáveis. A sombrinha e o vento pareciam cientes disso e me puxavam para traz, minhas anáguas estavam pesadas demais, nunca me sentira tão desconfortável e tão feliz. Uma saciedade que me fez fincar os saltos no chão, segurar o fôlego e ficar imóvel, até sermos apenas eu e ele em um olhar.
Quando finalmente chegou ao meu lado, ofereceu-me o braço esquerdo e eu entrelacei minhas mãos nele, sem nenhum cumprimento formal, começamos a caminhar rumo à Igreja de Votivkirche, num dia agradável, a primavera explodia em Viena, em todas as suas cores. Meu vestido, em harmonia com o cenário colorido, parecia dançar a cada passo que dava. Não sei bem explicar a sensação que tive, pela primeira vez, tudo soprava ao meu favor. Repleta de um afeto que, como o vento, tomava meus pensamentos desalinhando meus cabelos e fazendo um sorriso transbordar de minhas entranhas.
Percebi que uma mulher de meia idade nos observava, sentada em um banco, alimentava os pombos, mas não olhava para eles e sim para nós dois, balançando a cabeça, em um sinal negativo. De onde teria surgido aquela mulher, não estava ali, ou só a percebi pelo seu gesto repreensivo?
Antes de comentar com ele sobre a tal mulher, Sig disse:
_ Vamos pela sombra, querida, está muito calor! Concordei silenciosa e seguimos, confessei sentir-me incomodada pela maneira que aquela mulher me olhava.
_Não ligue, porque se incomoda com ela? Há tantas pessoas nos vendo, o mundo nos vela, estamos felizes e apenas por esse motivo, estaremos sempre sendo vigiados. Talvez por inveja, por curiosidade, todos querem o “elixir da satisfação” e não se conformam de ver outros desfrutando dele, despudoradamente como nós. Ri, quase sem jeito, na tentativa de esconder o contentamento que aquela frase me causara.
_Você é engraçado! Sendo assim, todos me incomodam, não quero ser observada, nem tão pouco invejada!
Aquilo não era verdade, gostava de ser invejada, como era bom estar ali com ele, e saber que tantos outros não tiveram o sabor da plenitude que eu sentia agora. Sig respondeu-me com aquele sorriso de canto de boca, que sempre dava, quando parecia deduzir sobre meus pensamentos mais profundos.
_Como queria ter seu discernimento, saber quando devo ser quem esperam que eu seja ou apenas ser quem sou. Seria mais fácil viver. A vida parece-me um simulacro, que cultivamos como se fosse real. Tantas conveniências e regras de conduta. Sinto-me caminhando sobre o fio de uma navalha, não vou me adaptar nunca! Faço tudo errado e todos os olhares me condenam. Posso dizer-te que a transgressão me agrada, mas depois vem o vazio, talvez por ter tão poucos pra compartilhar o que penso. Queria pode me isolar, a coexistência me faz mal, muitas vezes me sinto tão violada, que me oculto em mim para não explodir!
_Não vejo motivos para o isolamento total, nem para a adaptação arbitrária... – dizia ele, mas já estava presa a ele e à minha insegurança.
Será que Sig me compreendia? Se não houvesse motivos para a adaptação, para que viver em sociedade e porque nos conforta tanto estar em grupo? Não se tratava apenas de conviver e sim de tolerar. Nós dois já havíamos quebrado essa barreira, apetecia-nos mutuamente de nossa companhia, tínhamos noção do encantamento que exercíamos um sobre o outro. E ele tinha razão, o isolamento era algo impensável, inalcançável, depois de ter estado com ele. Um simples passeio, um encontro marcado era algo intocável, o nosso tempo era diferente, andávamos serenos e calmos, enquanto a humanidade corria.
O vento hora ou outra queria levar-me a sombrinha, mas o sol já estava alto, não poderia me dar ao luxo de fecha-la, as roupas eram pesadas, já não me sentia tão bem. O desejo era ficar mais com ele, diminuía o passo na esperança que o tempo seguisse meu ritmo. Uma menina arrancava as flores do jardim e destruía todas as pétalas e ria, orgulhosa de seu feito, cada rosa despedaçada causava-lhe uma gargalhada plena.
_Encanta-me o “Toque de Midas” invertido que o ser humano tem, transforma em dejeto, tudo o que toca. Vejo-me naquela menina, inocente, que despedaça flores, devasta sonhos, acaba com a vida dos outros e sorri. E seu sorriso, compra tudo!
_Alguns acreditam no mito da Fênix, minha querida! Da devastação brota o renascimento!
_É uma maneira de interpretar, mas apavoro-me com essa possibilidade, reconstrução a partir da destruição. E parece servir-me como uma luva em relação àquela mulher, que vimos há pouco, por vezes sou como ela. Sinto-me opressora, quero reprimir, destruir a dicotomia e impor a ditadura de minha anarquia pessoal. Sei que meus parâmetros são equivocados, que minhas teorias são falhas, mas mesmo assim necessito de aprovação e se não tenho quero fuzilar meu oponente.
_Não há como estabelecer parâmetros perfeitos, por isso tentamos seguir ou transgredir algum modelo pré-estabelecido e sem esses modelos muitos se sentem perdidos.
_Por isso digo que a realidade é um simulacro, temos que seguir a idéia estabelecida e não nossa intuição. É tão claro para mim, que o homem e a natureza não andam assim de braços dados como nós dois! Como é evidente que a relação entre o homem e a natureza seja o mesmo dos amantes. Como o homem busca a destruição de si e de tudo que o rodeia, a natureza tenta sobreviver a ele. O amor também destrói, enquanto um que busca a destruição de tudo o que o rodeia, o outro que tenta sobreviver ao amor que sente e ao ser amado.
_A única certeza que tenho, -dizia Sig- é que o amor é um estágio da loucura.
Rimos muito depois da afirmação, mas logo o silêncio dedutivo me tocou.
_ Se o amor é insanidade, meu querido, o ódio é uma sanidade? Seria mais lúcido quem ama ou quem odeia?
Sig continuou calado, com os olhos presos no horizonte, parecia intrigado com o cunho da pergunta, puxou o cordão preso em sua casaca e abriu o relógio dizendo:
_Querida, já passa do meio dia, tenho trabalho por fazer, amanhã nos veremos aqui, no mesmo horário. Beijou-me a palma da mão, puxando-me ao seu encontro, pensei num provável primeiro beijo, mas apenas sussurrou-me ao ouvido:
_Odeie, não há insanidade no ódio, amar sim, é uma debilidade temporária. Mesmo desapontando-me com duras palavras, tocar sua face, a barba por fazer, fez-me arder as vísceras e a face. Saiu com o passo apressado, quase desesperado.
Passarei na confeitaria, será o álibi perfeito se minha mãe me perguntasse sobre mais uma manhã perdida, passaria também no armarinho, pois haveriam de ter chegado novas linhas de seda, perfeitas para as aulas de bordado rococó com Dona Milu.
Pobre Dona Milu, pobre mamãe! Vítimas de meu ódio íntimo. Tão inocentes!
Embora tivesse certeza que eu era a vítima maior. Pobre de mim, que amo Sig e sei que a letra “S” jamais será bordada nos monogramas de meu enxoval.


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quinta-feira, 5 de abril de 2007

Pipoca



Hoje é sexta-feira, começo do fim de semana. Dia de cinema. Dia de alto astral. Deveres cumpridos e descanso merecido.
Chego em casa já com duas comédias trazidas da locadora.
Banho tomado, roupa confortável, pés descalços e telefonema da namorada dizendo-se companhia para o filme e para a pipoca.
Para minha surpresa, vejo que no armário onde deveriam estar os saquinhos de pipoca para microondas, eu encontro apenas um caixa de goiabada.
– Não sou quadrado! Eu me viro!
Acho que ela não vai gostar de comer goiabada vendo filme. E se eu colocar no microondas? Acho que também não vai gostar.
Chinelo no pé, vou à padaria. Só tem milho para pipoca de panela.
– Não tem para microondas?
Me enchi de idéias, comprei um pacote de milho e ainda dois pães franceses.
Já em casa, procurando por pipoca, nada encontrei, nem no índice do velho livro da Dona Benta.
Como é que não tem nada?
Naqueles tempos nem havia microondas!
– Não sou quadrado. Eu me viro!
Cheio de autoconfiança e criatividade, pego o saquinho dos pães franceses e coloco duas xícaras cuidadosamente medidas do milho recém-comprado.
Feliz por me lembrar do óleo, coloco caprichada meia xícara por cima dos milhozinhos. Acho que xícara inteira é demais.
– Eu tenho uma boa mão. É o que dizem meus amigos da roda de pôquer.
Resolvo deixar o sal para depois.
Orgulhoso das idéias, grampeio o saco de papel por três vezes.
Apressadamente coloco no microondas, afinal a banca da pia já tem óleo demais para o meu gosto. Aproveito para secar o caminho de óleo entre a bancada e o forno.
Ansioso, nem espero a namorada chegar nem o filme começar. Aperto a tecla PIPOCA e providencio uma bebida. Vinho!
– Vinho é bom para namorar...

O ruído do forno está diferente!
Espio pela janelinha e vejo que o saco estourou. Abro a porta imediatamente a tempo de levar uma pipoca na testa.
Toca o interfone. A namorada já vai subir.
Ela chega e eu, cheio de brios, ofereço vinho e um pão com goiabada.

※ ※ ※ ※ ※
Este conto faz parte do livro não publicado Aventuras Culinárias.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Fim de Semana Amoroso Ou da Efemeridade do Eterno

Ela vivia entre cifras e números. Trainee de uma multinacional, MBA quase concluído, ótimas notas, curriculum perfeito; ele, entre palavras e estrofes. Poeta semi-profissional, escritor por opção, ex-executivo, ex-empresário, extenuado pela busca da carreira correta, alguns contos reconhecidos, alguns rabiscos elogiados.
Se conheceram em uma sexta-feira. Ela animada com o começo do final de semana; ele, buscando beber de graça no coquetel da empresa dela. Alguns passos para o mesmo lado, a escolha da mesma bebida (sem gelo, por favor!), um olhar correspondido e uma avassaladora paixão nascendo; conversas até a madrugada sobre tudo o que cerca os antenados... Uma despedida na manhã, dois telefones trocados e um beijo para ser lembrado.
Saíram no sábado, conforme o combinado na sexta, ela mostrou a ele o prédio da Bolsa (ainda vou trabalhar ali!), ele profetizou que ainda lançaria alguma coisa no prédio do Masp (nem que fosse o próprio corpo, lá do alto...). Os beijos se tornaram mais ardentes e os olhares mais profundos; a lua na madrugada os encontrou se amando por entre sussuros e desejos, as primeiras promessas brotando.
No domingo acordaram abraçados, beijando-se sem se escovar, rindo-se das mesmas coisas, bebendo do mesmo copo, trocando apelidos e segredos, constatando na pele as marcas físicas de uma noite de amores... Constatação essa que reiniciou todo o fogo, todos os movimentos. No auge do calor, a bomba: prometeram-se mutuamente amor infinito por todos os séculos que ainda restassem, juraram que seus sentimentos estavam em sintonia para todo o sempre...
Na segunda ela saiu para trabalhar cedo, ele ficou deitado de cuecas... Ela ligou de tarde dizendo que estava tudo acabado: iria se transferir para Nova York com um dos filhos do presidente da empresa; ele suspirou aliviado: a mulher e os quatro filhos deveriam estar putos da vida com seu desaparecimento... Esvaziou o barzinho dela e se escafedeu para o subúrbio.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Ainda me restam duas bolas

O que é difícil para muita gente entender é que a vida é como um jogo de pinball: por mais habilidosos e persistentes que sejamos, não há como impedir que num lance qualquer, por puro capricho do destino, a sua bolinha vá para o buraco.

Ao contrário do que tentam nos fazer crer, até onde se sabe, a índole pessoal, seja boa ou má, não tem o poder de afetar, mesmo que minimamente, uma máquina de pinball. No entanto, se criam leis e regras de conduta baseados quase que exclusivamente sob essa égide, que tem por finalidade satisfazer aqueles que – talvez como você próprio – não conseguiriam viver sem acreditar em um objetivo maior para perseguir.

Você que anseia por explicações, deve antes de tudo perceber que o máximo a que sua “mitologia” lhe permite chegar é a uma porca distinção entre tragédias, comédias e “justiça”, mais ligada a suas próprias afeições que aos critérios objetivos ou lógicos que supostamente deveriam nortear tais tipos de conceituações em eras de avançada ciência e tecnologia como a atual. Tudo para permitir àqueles que desejam “lutar” por seus sonhos, que obliterem o fato de que lutar deveria ser uma atitude empregada apenas em casos extremos.

Nesse caso, ou se admite que nascemos, vivemos, e possivelmente haveremos de morrer em tal situação extrema que exige o emprego de luta diária, ou admite-se a ignorância de quem empregou erroneamente, sabe-se lá por quanto tempo, o termo luta.

Atualmente, exige a honra que se viva a vida com a indiferença de quem a sabe tediosa e previsível como uma partida de pinball na tela do computador. Mas ainda isto é preferível às predeterminadas surpresas impostas pelo cotidiano.

A não ser para quem se rebaixa a comportar-se como cão, criança, ou qualquer outro tipo de animal ingênuo, eternamente feliz, entusiasmado e rebolativo ante qualquer mínima demonstração da fudegabilidade coletiva humana.

Ps: As idéias e opiniões emitidas neste texto não refletem a posição adotada pela emissora deste blog ou sequer a do próprio autor, sendo de responsabilidade das entidades que lhas insuflam em sua pobre mente influenciável. E os anjos digam amém.

Paulo Eduardo de Freitas Maciel de Souza y Gonçalves

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Círculo Vicioso



Flávio tinha dezoito anos de idade e estava numa reunião da seita dos Meninos do Demo de Tatuapé. Tinha acabado de vender a alma ao tinhoso que apareceu em meio ao transe e anunciou: - Serás rico e terás a mulher que desejar, bastando estalar os dedos. Mas preste atenção: um dia venho cobrar.
Vinte e dois anos se passaram. Era dia 23 de março de 2007. Tinha quarenta anos e era compulsivo por sexo, não resistia a uma boceta.
Acordou com o barulho do despertador. Seis horas. Trabalhou e no final do dia se preparou para um encontro em seu apartamento. Contratara uma puta. Estava cansado das mulheres certinhas, queria depravação. A campainha tocou. Era uma loura estonteante com um par de seios que saltava da blusa. –Olá...!
Ele saltou de boca no decote da moça e não viu mais nada. Literalmente. Acordou no dia seguinte com o ânus dolorido. Tentou lembrar do ocorrido, mas não deu. A última coisa que tinha na mente eram os seios em sua boca gulosa. Olhou o relógio: 6 horas. Mas por que o relógio despertou? Era sábado. Ligou para informações e levou um choque: Ainda era sexta-feira! Tinha algo errado.
O trabalho se repetiu e a noite também. Dez dias se passaram,
todos iguais. Seu ânus já estava em carne viva.
No décimo primeiro dia ele acordou mais tarde, o relógio não despertou. -Será? Correu para o telefone. -Alô. Informações?
-Sim. Em que posso ajudá-lo?
-Por favor: que dia é hoje?
-Sábado senhor. Dia 24 de março. Ele deu um grito de satisfação. Correu ao banheiro para se lavar. O telefone tocou novamente. -Alô.
-Flávio?
-Eu mesmo. Quem fala?
-Lembra de mim? O quarto se encheu de um aroma de enxofre. Eu disse que viria receber um dia.
-Ai....
-Calma. O inferno está lotado. Você deu sorte. Não posso mais levar almas até o ano que vem quando teremos uma reforma por lá.
-Mas
andou por aqui esses dias...
-Sim. Eu cobro as dívidas assim. Uma enrabada e deixo a vítima em paz.
-Uma? Foram dez...Suponho. Estou todo deflorado.
-Eu tenho culpa se teu rabo vicia xará?


Me Morte

.

obs.: A expressão xará é uma homenagem ao poema "Xará Demônio" de Mão Branca, assim como o conto, que nasceu inspirado nele.

domingo, 1 de abril de 2007

Sou brasileiro e não me orgulho nunca – Parte XIII

Hospitais

Estourei o pé numa pelada. Fui ao hospital mas não tinha médico, nem remédio, nem nada. Estava aberto apenas por causa da porta quebrada.
- Vou ter que apelar. - Pensei com o botão das minhas calças.
Liguei prum amigo dum amigo que trabalha num tribunal, desses de 6 horas diárias e recesso de 60 dias por ano, além das férias.
- Não se preocupe. - Disse o sujeito. - Vá fazer uma consulta no hospital do exército.
Lá quase não me deixaram entrar.
- Mas, seu guarda, tô de bermuda pois o pé inchado não passa pela calça.
- Não importa! - Disse o moço da PE, uns dezoito anos e a cara com espinhas arrebentada pelas barbeadas obrigatórias. - Lei é lei.
- Mas ... - Redargúi num rompante. - e as leis de deus?
Ele fez uma expressão paquidérmica.
- Tá. Pode passar.
Minha mulher esperou entramos para perguntar com os olhos: "que leis de deus, seu ateu maluco?"
- Oras, um argumento idiota merece uma asserção ignorante.
Cheguei-me à moça do balcão de atendimento.
- Estou com o pé machucado. - Sorri com todo o meu charme. - Preciso de um pé-diatra.
Ela me olhou entediada. Chamou o oficial do dia.
- Aqui não é lugar para brincadeiras. - Ameaçou-me o fardado. - E não pode entrar de bermuda.
Suspirei. E apontei uma dondoca que rebolava numa minissaia safada.
- Mas ela pode passear quase nua? - Tentei segurar a língua, mas não deu. - Né, seu taradão?!
O homem chamou o superior que telefonou ao oficial que bipou ao comandante. Em três minutos ele tava lá. Será que o exército brasileiro não tem o que fazer?
- O que tá acontecendo aqui?
Após os relatórios dos inferiores, pedi ao chefe para ser atendido pelo médico que cuidava de pés torcidos.
- É que não sou doutor e não sei a nomenclatura. - Fiz cara de coitado e olhei para moça do balcão. Ela continuou com a arrogância que todo incompetente usa para se proteger.
O comandante conferiu-me na ficha.
- Não vai entrar. - Decidiu.
Fiquei surpreso com a rigidez autoritária. Logo ele completou.
- O hospital está sem ortopedista. - Olhou para cima. - Nem cardiologista, dermatologista, oncologista..Só funciona a urologia pois tem muita...necessidade.
Pensei nos recrutas que, às dezenas, fazem ponto na praça da alimentação do Conjunto Nacional. Uns putos de todos os estados que enchem o rabo de dinheiro trepando com os políticos e empresários enrustidos que vêem à Brasília buscar dinheiro sujo e sexo fácil, não nessa ordem. Percebi que qualquer chiste me arriscaria a uns dias de cana. Prisão e pé torcido não estavam nos meus planos.
Liguei mais uma vez ao cara do tribunal. Relatei a falta de condições do hospital do exército.
- Vou te encaixar aqui pelo tribunal. - Deu-me o endereço de um hospital. - Depois você me dá uma cervejinha de gorjeta. - Também passou o número da conta bancária. Ao menos deixou ao meu critério o valor da propina.
Fui atendido por um ótimo médico, radiografado, analisado, medicado e instruído:"gelo e repouso". Saí satisfeito pelo bom atendimento. Parece que a mão branca do médico já ajuda a curar. Se não fossem tão corporativistas com seus colegas que cometem erros, protegendo crápulas e escroques, acharia-os uma categoria respeitável. Por enquanto ainda são uns pernósticos.
Voltei para casa com a certeza de que o modelo de Estado em que vivemos não funciona, é insuficiente às classes menos privilegiadas. Os ricos sempre compraram seus confortos, porém a definitiva separação social entre Patrões e Miseráveis dá-se agora nesta estrutura do país. A incapacidade de suprir os menos favorecidos é demonstrada na saúde e previdência aprimoradas aos servidores de carreiras privilegiadas. Ou seja, fica claro que o sistema está pouco se importando com os pobres ao dar aos juízes e empregados dos tribunais, preciosos à sociedade, uma qualidade de vida superior, majestosa em comparação ao resto da plebe.
É claro que todos as agremiações desejam o melhor para si, porém tais benefícios devem ser financiados pelos próprios associados, como em qualquer entidade de classe. Quando o Estado paga as vantagens dos tribunais e, quiçá, do legislativo, em outras palavras avisa ao povo que está protegendo "as pessoas mais importantes do Brasil" e continuará abandonando a população à própria sorte, que quer dizer ao SUS.
- Gritam aos ventos que os hospitais do povo são uma porcaria. - Resmunguei.
- Quem? - Perguntou a patroa.
- As vantagens dos servidores do judiciário e do legislativo. - Mastiguei as palavras. - Enquanto nossos dirigentes, este aglomerado de desonestos, não sentirem na pele o infortúnio que é ser brasileiro e ter que conviver com a opulência em meio à nossa miséria, nada será corrigido. Só quando correr o sangue azul das oligarquias dominantes o Brasil se livrará das verdadeiras amarras da sociedade. - Meu dedo em riste cortava o ar.
- Bebeu? - Ela me olhou. - Tá anarquizando de novo?
Deve ser o remédio, pensei.

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A série Sou Brasileiro e Não Me Orgulho Nunca pode ser encontrada nas Crônicas do sítio
A literatura obscura de Mão Branca